[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 13 de julho de 2012





Sintra,
Museu Nacional da Música?

[Texto publicado ne edição de hoje do Jornal de Sintra]


As instalações do antigo Casino de Sintra, contíguas ao centro Cultural Olga Cadaval, são de tal modo interessantes e importantes para a comunidade local, concelhia e, inclusive, a nível nacional, que se compreende perfeitamente o extremo cuidado com que a autarquia estará a perspectivar o seu futuro.

Se, de facto, o tempo urge, impondo-se apresentar uma solução a contento, por outro lado, cumpre estudar todas as hipóteses que se perfilem, evitando o risco de qualquer precipitação capaz de comprometer a viabilidade do dispositivo cultural em apreço.           

Uma vez terminado o protocolo que a Câmara Municipal de Sintra mantinha com a Fundação Berardo – que levou à constituição do agora esgotado projecto do Sintra Museu de Arte Moderna(1) – há quem considere que já seria tempo de tudo estar definido e definitivamente resolvido. Em posição mais prudente, na qual me integro, outros advogam a necessidade  de esgotar todas as sugestões  que têm surgido de vários quadrantes, consoante os mais diferentes interesses.

A propósito deste mesmo assunto, como estarão recordados os meus habituais leitores do Jornal de Sintra, na edição de 20 de Abril, tive oportunidade de avançar com uma proposta relativa  à possibilidade do funcionamento de um novo e diferente Museu de Arte Contemporânea que, ao fim e ao cabo, capitalizaria os créditos do importante trabalho ali desenvolvido durante década e meia. Com especial relevância, era avançada uma nova vertente de actuação privilegiando a articulação preferencial com prestigiadas escolas de artes plásticas nacionais e estrangeiras.

Museu crucial

Todavia, num momento em que ainda se acolhem propostas pertinentes para estudo subsequente, venho novamente à liça, não para desistir ou dar de barato a ideia anterior mas, isso sim, no sentido de acrescentar outra alternativa e suscitar uma reflexão que se me afigura tão equacionável quanto igualmente indispensável. Muito directa, objectiva e claramente, reporto-me à possibilidade da instalação do museu Nacional da Música no edifício do antigo Casino.

Aliás, quero acreditar que, como soe dizer-se, sempre em cima do acontecimento, o Prof. Fernando Seara até já é capaz de ter considerado esta hipótese. De facto, inevitavelmente, o Presidente da Câmara sabe que o Museu Nacional da Música está escandalosa e indignamente alojado na estação do metropolitano de Lisboa do Alto dos Moínhos. E, sempre muito bem informado, também saberá que poderia estar de malas aviadas para Évora não fosse a malfadada crise.

Aqui chegados, cumpre esclarecer que, em Maio de 2010, ainda em tempo que se julgava de vacas gordas, o governo de então pensou sediar o Museu Nacional da Música em Évora, mais precisamente, no Convento de São Bento de Cástris. Infelizmente, porém, tal iniciativa não se afigura sequer minimamente praticável.  Na realidade, tão lastimoso é o seu estado de conservação que a recuperação, sempre extremamente morosa, ao longo de vários anos, há-de traduzir-se num seríssimo investimento de muitos milhões.

Évora impraticável

A atestar a veracidade destas considerações, reparem que apenas uma pequena campanha de obras, por um período de seis meses, para mitigação da degradação do edifício, foi orçada em duzentos e vinte mil Euros… E ainda tenham em consideração que, questionado pela Lusa, em 12 de Março deste ano, Francisco José Viegas, Secretário de Estado da Cultura, foi peremptório ao afirmar que “(…) o processo está claramente bloqueado (…) pela necessidade de fazer muitas obras”.

E, para que não haja veleidades, a Directora Regional da Cultura do Alentejo, embora fervorosa adepta da solução, mas ainda mais cautelosa que o governante, adiantou ainda que, independentemente da transferência do Museu Nacional da Música, está em cima da mesa a hipótese de "uma pequena comunidade de monges, do Brasil", da ordem beneditina, poder vir a instalar-se numa parte de São Bento de Cástris…

Mas, permitam-me um parêntesis para colocar a questão: sabemos a que acervo nos estamos a referir? Pois trata-se de uma das mais ricas colecções da Europa com cerca de 1300 instrumentos musicais, na sua maioria de origem europeia, séculos XVI a XX. Instrumentos afro-asiáticos de tradição erudita e popular também constam do seu acervo, sendo de realçar os de etiqueta portuguesa, como o cravo de Joaquim José Antunes (1758), os violinos e violoncelos de Joaquim J. Galrão, as guitarras de D. J. Araújo e as flautas da família Haupt. Pelo seu valor e raridade merecem destaque outros instrumentos europeus, o cravo de Pascal Taskin construído em 1782 para o Rei D. Luís XVI de França, o piano (Boisselot & Fils) que Franz Liszt trouxe de França em 1845, o oboé de Eichentopf, os cornes ingleses de Grenser e de Grunman & Floth ou o violoncelo de António Stradivari que pertenceu e foi tocado pelo rei D. Luís. Conta também com importantes espólios documentais e acervos fonográficos e iconográficos.

Nestas condições, perante a actual e próxima futura escassez de recursos afins de tão vultuoso investimento, difícil não será adivinhar que Museu Nacional da Música, em São Bento de Cástris, enfim, já foi… E, assim sendo, será  admissível que o sofisticado espólio do museu possa ficar condenado a permanecer naquele enquadramento do metropolitano, numa solução de perfeito e acabado terceiro mundo? E, ainda por cima, quando se dá a feliz circunstância de poder resolver a questão da melhor maneira e em tempo útil?

Adiar? Com que argumento?

Claro que não. Ora bem, neste adverso contexto à transferência do Alto dos Moínhos para paragens alentejanas, por muito simpática que se nos apresente tal possibilidade, eis que – na estafada mas conhecida expressão tão cara a certos decisores políticos – se apresenta a janela de oportunidade de Sintra. Não será preciso acrescentar seja o que for para se perceber que estamos todos a pensar na mesma coisa, ou seja, no nobre edifício da Heliodoro Salgado, traçado pelo Arq. Norte Júnior.

Tantas e tão manifestamente positivas são as características e vantagens daquelas instalações, quer ao nível do espaço quer do seu enquadramento, no coração da sede do concelho, num dos locais de maior visibilidade e acessibilidade, chega a parecer impossível tal solução exista de verdade e esteja disponível… E fiquem sabendo que o simples facto de ter começado a partilhar a ideia, em determinados círculos e circuitos culturais, acabou por suscitar enorme mas, afinal, natural interesse.

Indubitavelmente, Sintra tem recentes e remotas razões para justificar a pertinência de acolher um Museu Nacional da Música. Teria de remontar ao século dezasseis e, desde então, sem dificuldade, até aos nossos dias, para encontrar manifestos de prática musical erudita e noutros domínios caros aos estudos musicais. Só para deixar duas referências inquestionáveis, lembraria que, de algum modo, Alfredo Keil e Carvalho Monteiro, figuras tão presentes na memória de Sintra, estão indissociavelmente ligados à remota génese do Museu da Música.

Sonho? Incontornável…

Acrescentaria ainda, sem grande margem de erro, que, actualmente, apenas Sintra pode disponibilizar efectivos meios de concretização de tal projecto, com a evidência de uma qualidade que ninguém terá dificuldade em reconhecer em solução tão declaradamente defensável. Evidentemente, animado pela viabilidade da instalação que, em íntima articulação com o Centro Cultural Olga Cadaval, se apresentaria como caso perfeitamente único a nível nacional, desde já gostaria de partilhar convosco a proposta  de considerar, na estruturação do futuro museu, a existência de dois núcleos museológicos  que, em Sintra, não poderiam deixar de estar presentes: um, afecto ao Festival de Sintra e o outro à ímpar figura tutelar de mecenas cultural, da música em especial, que foi a Senhora Marquesa de Cadaval. Sonho, talvez, mas incontornável…

Naturalmente, tudo isto pressupõe a concretização de imensas tarefas. Muito bom seria que, uma vez considerada a sua pertinência por parte da CMS, um tal projecto pudesse considerar o envolvimento de alguns cidadãos, a título de trabalho voluntário. Pela minha parte, a exemplo do que já tenho feito, até mesmo no estrangeiro, no âmbito de projectos culturais que reservam um espaço para tarefas a desempenhar em regime gracioso, aqui me têm disposto ao máximo contributo, sabendo que há mais gente, muito qualificada, na mesma disposição.

Ah, é verdade, para que conste, também já há um lóbi a funcionar…

  

(1 )Logo que oportuno, me parece que a CMS poderia  considerar a conveniência de informar os sintrenses acerca da situação actual.

2 comentários:

Miguel disse...

Sem dúvida uma grande solução para Sintra! Após dia 30 de Julho o fantástico espaço do antigo casino vai ficar, novamente fechado e sem qualquer uso. Espera-se que a CMS encontre a solução para este local e de preferência, a curto prazo.

JM disse...

"Uma vez terminado o protocolo que a Câmara Municipal de Sintra mantinha com a Fundação Berardo – que levou à constituição do agora esgotado projecto do Sintra Museu de Arte Moderna..." Porquê terminado o protocolo e porquê esgotado o projecto...??? Realmente o "Antigo Casino" está despido de mobiliário, parte da colecção também não está lá, mas na recepção do ainda Museu de Arte Moderna de Sintra informaram-me que ainda não acabou e que a Colecção Berardo está longe de estar acabada ou esgotada. Acho a solução do Museu da Música muito interessante mas uma parte, pequena que seja, da Colecção Berardo em Sintra não terá comparação em termos de impacto turístico. Não vejo ninguém a fazer perguntas... nem os jornalistas... Eu cá gostava de saber se o museu vai realmente fechar e qais as causas do seu encerramento antes de se começar a falar do futuro do "Antigo Casino" que ainda é conhecido por Casino mas nunca funcionou como tal... Já teve funções diversas, sendo sem dúvida (e sei que na opinião de muitos) a mais gloriosa a de Museu de Arte Moderna de Sintra.