[Transcrição do artigo publicado na última edição de 30 de Novembro do 'Jornal de Sintra']
Salzburg,
Getreidegasse*, a incomparável
Na verdade, só muito dificilmente, o assunto não deixaria de surgir à boleia da matér...
ia que vos tenho trazido à consideração nas últimas edições do JS, até porque o seu exemplo foi mesmo suscitado a propósito da Heliodoro Salgado. No entanto, uma advertência inicial se me impõe ao trazer a estas páginas algumas sumárias notas sobre uma das mais conhecidas e movimentadas ruas pedonais de todo o mundo.
Pois bem, tal aviso prende-se com o facto de, pura, simples e infelizmente, não haver a mais remota possibilidade de comparação entre as pedonais de Salzburg e de Sintra. Aliás, é tão escandalosa a diferença que, acreditem, me custa imenso fazer este exercício, que poderia designar, enfim, como de aproximação, se quiserem, entre duas situações cujo semelhança é tão antitética como o ovo e o espeto... Portanto, por favor, não queiram – até porque não podem – a partir destas brevíssimas impressões, encontrar quaisquer elementos afins de hipotética analogia.
Primeiramente, é preciso ter em consideração estar a referir uma rua que faz parte de uma zona imensa, totalmente pedonal, com salvaguarda para viaturas de residentes e prioritárias. Depois de atravessar o rio Salzach, através das Makartsteg, Stadtbrücke ou Mozartweg, as mais movimentadas pontes da cidade, forçoso é atravessar a Getreidegasse para aceder à Altstadt e a todas as mais famosas jóias da cidade baixa e alta, património da humanidade.
Significa isto que os seis milhões de visitantes anuais de Salzburg passam todos pela Getreidegasse e são obrigados a fazê-lo várias vezes por dia… Em qualquer altura do ano esta rua tem um movimento de peões perfeitamente inusitado. Compram, observam as montras, entram e saem de todo o género de lojas, passeiam, escapam-se à direita e à esquerda, pelos mais curiosos acessos, em direcção às ruas paralelas, através de túneis, cheios de lojas, também parte integrante de uma vasta área comercial, altamente requintada que, na maior das informalidades, convive com todo o género de animação urbana.
Vamos lá ver se consigo transmitir-vos uma ideia aproximada do que ali acontece diariamente. Têm presente os nomes das boutiques mais caras e sofisticadas? Em Salzburg não falta nenhuma e, na Getreidegasse, está instalada a maioria. Roupas, perfumes, sapatos, malas, chapéus, peles, chocolates, bebidas, canetas, relógios, de todas as grandes marcas austríacas e internacionais, ali estão sediadas.
Além do comércio multifacetado, também é a rua onde fica a casa-museu onde Mozart nasceu – na Hagenauerhaus – e outros edifícios, carregados de centenas de anos de uma História milenar, que tanto podem ser a antiga Rathaus, uma farmácia estupenda, a casa onde nasceu ou viveu outro grande compositor, a quem a cidade também imenso deve, como Heinrich Ignaz Franz von Biber, ou ainda uma Loja Maçónica bem identificada nos símbolos em alto relevo sobre o portão. E, pasmem, continua a haver gente ali residente.
Tratando-se de uma via com tal cúmulo de características, não surpreende que seja apontada como um dos casos mais importantes, também a nível mundial, como inequívoca reserva de espaço urbano preocupadíssimo com a defesa do património e paradigma de boas práticas neste domínio. Por exemplo, sendo o ferro forjado uma das mais presentes vertentes das artes decorativas da cidade – em especial no cromatismo amplo de gamas de verde, vermelho, amarelo foncé, bordeaux, dourado e prateado – as tais grandes marcas foram obrigadas a adaptar os seus letreiros exteriores à morfologia tradicional, com o mais famoso de todos, o da cadeia MacDonald’s de restaurantes, a destacar-se mesmo ao nível de caso de estudo internacional.
Porém, como em tudo na vida, não há bela sem senão. No Verão, o movimento das pessoas é demais, é incómodo e chega a ser insuportável. Há muitos anos, considerado como um amigo da cidade onde ninguém me encara como turista, também eu aprendi com os meus amigos como evitar a travessia da Getreidegasse, sem perdas de tempo, com voltas escusadas. É paradoxal, mas acontece, haver truques, expedientes, para não sofrer a agressões. Agressões de quê? Pois, de tantos… peões!
Num dos meus anteriores artigos, é verdade, chamei o exemplo da Getreidegasse à colação. Fi-lo, de facto, apenas com a intenção de sublinhar que, há muitos anos, o seu encerramento ao trânsito foi a coisa mais natural, pacífica e barata, nada tendo custado aos cidadãos uma vez que não sofreu a mínima mudança. Repito que, de modo algum, era meu propósito propiciar, insinuar ou, muito menos, promover qualquer comparação. Será que, perante a evidência do meu testemunho, poderei rematar com o clássico QED? Oxalá!
*Getreidegasse é um topónimo que nos remete para ‘Getreide’ = cereal e ‘Gasse’ = travessa, viela.
Pois bem, tal aviso prende-se com o facto de, pura, simples e infelizmente, não haver a mais remota possibilidade de comparação entre as pedonais de Salzburg e de Sintra. Aliás, é tão escandalosa a diferença que, acreditem, me custa imenso fazer este exercício, que poderia designar, enfim, como de aproximação, se quiserem, entre duas situações cujo semelhança é tão antitética como o ovo e o espeto... Portanto, por favor, não queiram – até porque não podem – a partir destas brevíssimas impressões, encontrar quaisquer elementos afins de hipotética analogia.
Primeiramente, é preciso ter em consideração estar a referir uma rua que faz parte de uma zona imensa, totalmente pedonal, com salvaguarda para viaturas de residentes e prioritárias. Depois de atravessar o rio Salzach, através das Makartsteg, Stadtbrücke ou Mozartweg, as mais movimentadas pontes da cidade, forçoso é atravessar a Getreidegasse para aceder à Altstadt e a todas as mais famosas jóias da cidade baixa e alta, património da humanidade.
Significa isto que os seis milhões de visitantes anuais de Salzburg passam todos pela Getreidegasse e são obrigados a fazê-lo várias vezes por dia… Em qualquer altura do ano esta rua tem um movimento de peões perfeitamente inusitado. Compram, observam as montras, entram e saem de todo o género de lojas, passeiam, escapam-se à direita e à esquerda, pelos mais curiosos acessos, em direcção às ruas paralelas, através de túneis, cheios de lojas, também parte integrante de uma vasta área comercial, altamente requintada que, na maior das informalidades, convive com todo o género de animação urbana.
Vamos lá ver se consigo transmitir-vos uma ideia aproximada do que ali acontece diariamente. Têm presente os nomes das boutiques mais caras e sofisticadas? Em Salzburg não falta nenhuma e, na Getreidegasse, está instalada a maioria. Roupas, perfumes, sapatos, malas, chapéus, peles, chocolates, bebidas, canetas, relógios, de todas as grandes marcas austríacas e internacionais, ali estão sediadas.
Além do comércio multifacetado, também é a rua onde fica a casa-museu onde Mozart nasceu – na Hagenauerhaus – e outros edifícios, carregados de centenas de anos de uma História milenar, que tanto podem ser a antiga Rathaus, uma farmácia estupenda, a casa onde nasceu ou viveu outro grande compositor, a quem a cidade também imenso deve, como Heinrich Ignaz Franz von Biber, ou ainda uma Loja Maçónica bem identificada nos símbolos em alto relevo sobre o portão. E, pasmem, continua a haver gente ali residente.
Tratando-se de uma via com tal cúmulo de características, não surpreende que seja apontada como um dos casos mais importantes, também a nível mundial, como inequívoca reserva de espaço urbano preocupadíssimo com a defesa do património e paradigma de boas práticas neste domínio. Por exemplo, sendo o ferro forjado uma das mais presentes vertentes das artes decorativas da cidade – em especial no cromatismo amplo de gamas de verde, vermelho, amarelo foncé, bordeaux, dourado e prateado – as tais grandes marcas foram obrigadas a adaptar os seus letreiros exteriores à morfologia tradicional, com o mais famoso de todos, o da cadeia MacDonald’s de restaurantes, a destacar-se mesmo ao nível de caso de estudo internacional.
Porém, como em tudo na vida, não há bela sem senão. No Verão, o movimento das pessoas é demais, é incómodo e chega a ser insuportável. Há muitos anos, considerado como um amigo da cidade onde ninguém me encara como turista, também eu aprendi com os meus amigos como evitar a travessia da Getreidegasse, sem perdas de tempo, com voltas escusadas. É paradoxal, mas acontece, haver truques, expedientes, para não sofrer a agressões. Agressões de quê? Pois, de tantos… peões!
Num dos meus anteriores artigos, é verdade, chamei o exemplo da Getreidegasse à colação. Fi-lo, de facto, apenas com a intenção de sublinhar que, há muitos anos, o seu encerramento ao trânsito foi a coisa mais natural, pacífica e barata, nada tendo custado aos cidadãos uma vez que não sofreu a mínima mudança. Repito que, de modo algum, era meu propósito propiciar, insinuar ou, muito menos, promover qualquer comparação. Será que, perante a evidência do meu testemunho, poderei rematar com o clássico QED? Oxalá!
*Getreidegasse é um topónimo que nos remete para ‘Getreide’ = cereal e ‘Gasse’ = travessa, viela.
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