[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 11 de junho de 2013


 
Alkan, conhece?
 
 
A 48ª edição do Festival de Sintra, além de celebrar as efemérides relativas a Richard Wagner, Giuseppe Verdi e Benjamin Britten, não vai perder a oportunidade de também comemorar os duzentos anos do nascimento de Charles-Valentin Alkan.

A minha amiga Mariana Portas, da Produção do Coro e Orquestra da Fundação Calouste Gulbenkian, também colaboradora do Festival há uma série de anos, concebeu u
ma excelente nota biográfica sobre aquele compositor que fará parte dos programas geral e de sala de que o público disporá.

Sem mais detalhes introdutórios e, com autorização da autora, passo a reproduzir o texto em referência, desde já chamando a vossa atenção para a programação detalhada do evento em que Charles-Valentin Alkan será lembrado, num recital/conferência de Luisa Tender, no dia 5 de Julho às 21,30 no Palácio Nacional de Sintra (Palácio da Vila), em que a pianista se pronunciará, precisamente sobre este tão esquecido compositor francês.

-Richard Wagner (1813-1883) / Franz Liszt (1811-1886)
Abertura de Tannhäuser S. 442
Fantasia sobre Temas de Rienzi S. 439

-Giuseppe Verdi (1813-1901) / Franz Liszt
Paráfrase de Ernani S. 431a

-Franz Liszt
Sonetos de Petrarca n.º 47 e 104, de Années de Péllerinage, Ano II (Itália) S. 161
Mefisto Valsa S. 514

-Charles-Valentin Alkan (1813-1888)
Prelúdios
Grande Sonata «As Quatro Idades» op. 33

Depois de lerem a Nota Biográfica, partilharemos a última das peças supra referidas, na interpretação de Ronald Smith.

Boa audição!

__________________ 



 
Charles-Valentin Alkan (1813-1888) 

Compositor e pianista virtuoso na tradição oitocentista, Alkan celebrizou-se na década de 1830-40 como um dos artistas proeminentes do meio musical parisiense, ao lado de Fryderyk Chopin (1810-1849), de quem era amigo, de Franz Liszt (1811-1886) e diversos outros.

Tendo nascido e vivido quase sempre em Paris, Charles-Valentin Morhange era filho de Alkan Morhange (1780-1855) e Julie Abraham, descendentes de famílias judaicas sediadas na região de Metz. O pai era músico e, mais tarde, proprietário de uma escola de música no bairro judeu do Marais, em Paris. O irmão de Charles-Valentin, Napoléon, foi professor de solfejo no Conservatório de Paris; o seu irmão Maxim compôs música ligeira para teatros parisienses, e a sua irmã Céleste foi também pianista. Alkan evidenciou-se desde cedo como menino-prodígio. Foi admitido no Conservatório aos seis anos de idade, para estudar piano e órgão. O seu mestre Joseph Zimmermann (1785-1853) iria também ensinar Georges Bizet (1838-1875), César Franck (1822-1890), Charles Gounod (1818-1893) e Ambroise Thomas (1811-1896). Aos sete anos Alkan obteve os primeiros prémios de piano, órgão e harmonia, e apresentou-se em público como violinista. A sua primeira atuação como pianista teve lugar aos doze anos e a sua composição op. 1 datou de 1828, aos catorze anos.

Alkan viveu quase sempre em Paris, com exceção de uma digressão de concertos em Inglaterra em 1833-34 e de uma breve estadia em Metz na década de 1840, por motivos familiares. Aos vinte anos lecionava e dava concertos nos círculos sociais mais elegantes de Paris, privando com Franz Liszt, Georges Sand (1808-1876) e Victor Hugo (1802-1885). Por volta de 1838, com vinte e cinco anos, Alkan tinha atingido o auge da sua carreira de concertista. Atuou diversas vezes com Chopin e notabilizou-se como virtuoso do piano, rivalizando com Franz Liszt, Sigismond Thalberg (1812-1871) e Friedrich Kalkbrenner (1785-1849). Numa ocasião, Liszt teria declarado que Alkan possuía a mais perfeita técnica pianística entre todos os que conhecia. Pouco tempo depois, porém, Alkan retirou-se para o isolamento da sua casa e dedicou-se quase exclusivamente à composição durante seis anos, voltando a apresentar-se nos palcos em 1844. Residia muito próximo de Fryderyk Chopin e, após a morte deste em 1849, alguns alunos de Chopin transferiram-se para Alkan.

Em 1848, quando Joseph Zimmermann se retirou do Conservatório de Paris, Alkan sofreu a desilusão de não ser designado para o substituir no departamento de piano, sendo o cargo atribuído a Daniel Auber (1782-1871) juntamente com Antoine Marmontel (1816-1898), um antigo aluno de Alkan. A frustração causada por este incidente poderia ter contribuído para a sua relutância em se apresentar em público. Foi nomeado organista do Templo de Paris em 1851, mas renunciou pouco tempo depois, realizando apenas dois concertos 1853. A partir de então retirou-se durante mais de duas décadas, apesar da sua celebridade e exímia preparação técnica.

Durante esse tempo, Alkan continuou a compor e a publicar a sua música. Entre outras obras, concluiu a Grande Sonata «Les quatre âges», op. 33, e publicou duas coleções de Estudos em todas as tonalidades maiores (op. 35) e em todas as tonalidades menores (op. 39). Neste último ciclo inclui-se uma «Sinfonia para piano solo» (op. 39. no. 4 to 7) e um «Concerto para piano solo» (op. 39 no. 8 to 10), obras de grande complexidade musical e técnica. Alkan teria também empreendido a tradução completa da Bíblia para a língua francesa, incluindo o Novo e o Velho Testamentos, a partir das línguas originais. A obra perdeu-se, tal como outras composições musicais de Alkan. Na sua última década de vida, em meados de 1870, Alkan saiu da reclusão e apresentou-se numa série de recitais aos quais assistiria uma nova geração de músicos franceses.

Alkan nunca casou, mas tudo indica que teve um filho, Élie-Miriam Delaborde (1839-1913), também ele pianista virtuoso e intérprete do pédalier. Delaborde dedicou-se à edição de uma série de obras de Alkan. Privando com Georges Bizet (1838-1875) e a sua mulher Geneviève, filha de Jacques Halévy (1799-1862), após a morte de Bizet teria havido uma aproximação entre Delaborde e Geneviève, chegando a falar-se de projetos de casamento, que não chegaram porém a realizar-se.

Alkan morreu em Paris em 29 de março de 1888, com setenta e quatro anos, e foi enterrado em 1 de abril (Domingo de Páscoa) na secção judaica do Cemitério de Montmartre, onde a sua irmã Céleste também foi sepultada. Após a sua morte, a música de Alkan foi praticamente abandonada, apenas lembrada por alguns músicos das gerações seguintes entre os quais Ferrucio Busoni (1866-1925). Foi só no último quartel do século XX que vários pianistas começaram a interpretar e a gravar a sua música, trazendo-a de volta ao repertório.

A técnica pianística de Alkan evidencia-se pela elevada exigência técnica e física das suas composições, embora de um modo geral ela não se faça com sacrifício da musicalidade. A sensibilidade musical está patente em muitas obras de Alkan, de um modo particular nos Noturnos e nos Esboços. Tal como Chopin, Alkan escreveu quase exclusivamente para o teclado, incluindo o órgão e o pédalier (piano com pedaleira), do qual era um executante exímio. Entre os traços de virtuosismo da sua música destacam-se a velocidade extrema, os saltos de várias oitavas, as passagens de notas repetidas, ou as linhas contrapontísticas muito espaçadas.

Alkan compôs não apenas música «pura» mas também programática, como por exemplo Le chemin de fer (O Caminho de ferro), op. 27, possivelmente a primeira peça de música a reproduzir o som de um comboio a vapor. Deixou poucas peças de música de câmara, incluindo uma sonata para violino, outra para violoncelo e um trio para piano. Outra peça curiosa é Marcia funebre, sulla morte d'un Pappagallo (Marcha fúnebre sobre a morte de um papagaio ) para três oboés, fagote e vozes. Do ponto de vista musical, Alkan possuía ideias inovadoras e pouco convencionais, como por exemplo a «tonalidade progressiva», patente nas suas obras em vários andamentos, tais como a Sonata «Les quatre âges», que se inicia em ré maior e termina em sol sustenido menor. Utilizou acordes enarmónicos para modular para as tonalidades mais remotas, incluindo notas com sustenidos e bemóis duplos ou mesmo sustenidos e bemóis triplos.


 


Autor da Nota Biográfica: Mariana Portas




 

 

Sem comentários: