Sintra
Eleições autárquicas,
ainda o rescaldo
[transcrição do texto publicado na edição de 18.10.2013
do ‘Jornal de Sintra’]
Ainda é no rescaldo das últimas eleições, bem como na
sequência do meu artigo Autárquicas de
29 de Setembro, nas entrelinhas do descalabro, publicado pelo Jornal de Sintra na sua última edição,
que hoje volto a alguns dos assuntos anteriormente suscitados, desta feita
enriquecidos pela opinião de alguém cuja intervenção cívica, muitos de nós, nos
habituámos a respeitar.
Se preciso fosse confirmar como os resultados eleitorais
das autárquicas em Sintra suscitaram um interesse fora do comum, a nível
nacional, poder-se-ia recorrer ao último texto da coluna ‘Porque Sim’ que, todos os domingos, o Prof. Doutor Daniel Sampaio
subscreve no suplemento Pública do
jornal Público.
Para mim, foi naturalmente sem surpresa que, no passado dia
13 de Outubro, subordinado ao título Impasses
Eleitorais, o autor abordou algumas das questões que, se bem lembrados
estão, eu havia tratado com algum detalhe, nomeadamente, a do descrédito da
classe política, a emergência do movimento dos independentes e os matizes que
revestiram e a tremenda abstenção registada em todas as mesas eleitorais.
Dando o mote ao notável artigo em referência, Daniel
Sampaio logo inicia com uma citação do seu mais recente livro Diário dos Tempos de Crise: “(…) A democracia formal, esgotada pelos
desacreditados dirigentes do momento, tenta encontrar novos caminhos (…)”,
constatação esta que sublinharia no final do parágrafo seguinte ao lembrar que
“(…) A leitura “nacional” dos resultados, tão falada na noite das eleições,
mostra ao cidadão comum que os problemas
fundamentais do regime continuam por resolver, apesar de os dirigentes do
costume nos quererem fazer pensar o contrário”.
E, a propósito dos independentes – se bem que não
deixando de evidenciar que “(…) a maioria dos presidentes eleitos como
independentes já exerceram cargos partidários e vários candidataram-se só
porque tinham sido rejeitados pelas estruturas do seu partido (…)” – destaca a
circunstância de que “(…) constituíram
uma das boas novidades desta campanha. O seu triunfo mostra vitalidade na nossa
democracia: não obedecer sempre aos dirigentes partidários significa, quando as
alternativas são credíveis, um sinal de maturidade cívica.
No que respeita ao vencedor, afirma Daniel Sampaio que
“(…) Ganhou com mérito o candidato do PS,
que soube aproveitar bem a divisão de votos dos adversários, mas que já mostrou o que não se deve fazer numa
democracia com maturidade: depois de vencer, vai dar pelouros a todos, menos ao
candidato que ficou em segundo lugar e que representou cerca de 25% dos votos
expressos (…)”.
Finalmente, após uma incontornável referência ao desastre
da abstenção “(…) Verificar aliás que,
no todo nacional, quase metade das pessoas não votou e que em Sintra quase 60%
ficou em casa é notar, uma vez mais, o impasse a que chegámos (…)”, remata:
“(…) A grande verdade das eleições autárquicas é que se mantém o “destino incerto” de Portugal e que a indignação moral
perante tudo o que se passa não encontrou ainda a forma necessária à sua expressão
(…)” escrevendo. [sublinhados meus].
De pertinência inequívoca, as ideias de Daniel Sampaio
constantes das citações que me permiti partilhar convosco, não só estão,
repito, em total sintonia com as que subscrevi no referido artigo mas também o
complementam e coincidem com aquela atitude de indignação moral cuja expressão
ainda não aconteceu.
Aproveitar a oportunidade
Pois bem, para que os cidadãos mais vulneráveis não
assumam e saibam repudiar as radicais soluções a fermentarem no descontentamento
que grassa por toda a Europa em crise, e que os movimentos de extrema direita,
muito sabiamente, estão aproveitando, não tenho a menor dúvida de que é preciso
tudo fazer, sem qualquer forma de paternalismo, no sentido de cativar a
disponibilidade residual dos munícipes e fregueses que, apesar de todos os
factores de desmotivação, ainda estejam disponíveis nas pequenas comunidades
onde residem.
Se pretendemos que tais cidadãos eleitores façam um
percurso ganhador, capacitando-se para a lucidez, isto é, para a compreensão e
reconhecimento dos contornos da sua indignação – em relação a toda uma classe
política que, ao longo de décadas, foi perdendo a dignidade, gerando um
intransponível fosso e perdendo a representatividade que era suposto deter –
então todo o tempo é pouco no sentido de adquirirem as competências para o
exercício da cidadania.
A abstenção galopante é um dos mais evidentes sinais do
mau funcionamento da nossa Democracia. Urge trabalhar com as pessoas, no
terreno, conquistando-as para a intervenção, contrariando o alheamento, recorrendo
a mediadores, no contexto de todo um trabalho de animação cívica afim da
resolução de problemas concretos, de pequena escala, cujos propósitos sejam
inequivocamente concretizáveis e que melhorem a qualidade de vida do grupo.
É aos partidos institucionalizados, de todo o espectro
ideológico-político, tanto como aos
movimentos de cidadãos independentes, que cumpre enquadrar a
concretização de tal trabalho de sapa.
Se, de facto, se comprometerem neste sentido, o resultado só pode ser positivo.
E, através do exemplo, ir ganhando os cidadãos para a vida cívica, para a
participação informada, numa atitude de consciencialização da coisa pública e
do bem comum que não se limita à gritada réplica de slôganes em manifestações
de curtíssimo alcance.
Os cépticos militantes dirão que promover esta estratégia
para a cidadania equivale a «acreditar no
Pai Natal»… Trabalhar com as pessoas, em pequenos grupos, para resolver
problemas que afectam, por exemplo, o bairro, a rua, o saneamento básico, o
comércio, a escola, a repartição de finanças, os correios ou os transportes?
Numa altura em que estão desmotivadas como nunca? Como não entender estas
reservas…
Porém, nos tempos mais próximos, ou as autarquias, em
especial, as Juntas de Freguesia, com os agentes políticos locais, começam
mesmo a apostar no percurso de caminhos afins destas práticas de envolvimento
dos cidadãos, conseguindo motivá-los, dando um sinal de esperança aos que
sempre se manterão na reserva, os tais que jamais irão em grupos, ou se perde a oportunidade, resultando em
elevadíssimos custos, uma vez que a acumulada perda de oportunidades redunda,
precisamente, no desinteresse, no desânimo, no desleixo, em suma, na abstenção.
É nesse quadro de desalento que os partidos de extrema direita, que jogam a
prazo, não costumam perder oportunidades
de investimento…
Há quase três semanas, as eleições confirmaram sinais extremamente
preocupantes de uma Democracia que se deixou capturar por mecanismos adversos,
mostrando-se – e regresso às palavras de Daniel Sampaio – esgotada pelos desacreditados dirigentes do momento, mas que tenta encontrar novos caminhos. Portanto,
como uma das questões essenciais para a sobrevivência como comunidade soberana
passa pelo exercício da cidadania, impõe-se estar à altura dos problemas fundamentais do regime que continuam por resolver, apesar de os
dirigentes do costume nos quererem fazer pensar o contrário.
[João cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
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