[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013


 
Vitorino Nemésio 


19 de Dezembro de 1901 (m. 1978)

Foi seu aluno na Faculdade de Letras de Lisboa, na cadeira de Cultura Portuguesa, em 1966. Nas suas aulas, de tal ordem era o fascínio da espiral das ideias que nunca me passou pela cabeça tirar apontamentos.

Um fascínio, de facto, as conversas que mantinha connosco, cheio o famoso Anfiteatro Um, de centenas e centenas de rapazes e raparigas.
Bebíamos as palavras daquele homem que, em plena década de sessenta, antes do Maio de 68, era um espírito atento, de uma espantosa lucidez, que, sabendo pensar como poucos, sabia expressar o pensamento como revolucionária e constante epifania.

Cada aula, cada encontro com Nemésio era como pedra lançada à superfície lisa do lago, desencadeando círculos concêntricos até ao infinito, até hoje. De Nemésio guardo uma memória imensa de registos de toda a ordem, do professor, do poeta, do simplicíssimo e excelente homem que era, a proverbial e famosa despreocupação no vestir, a indefesa perante a maldade do mundo.

Eis um episódio paradigmático. Um dia, de manhã, saindo para a Faculdade, depara com um pobre pedinte, sujo, com fome, recolhido na entrada do prédio onde vivia. Sem qualquer hesitação, pega-lhe pelo braço, abre a porta de casa e diz-lhe que, como tem de seguir para o trabalho, ali o deixava, mostrando, ali, a casa de banho, aqui a cozinha, a comida que havia, enfim tudo à disposição. E, enfim, quando se tivesse recomposto, então que fosse à sua vida. Como já terão percebido, não havia mais ninguém naquela casa…

Em tempo de Natal, deste Vitorino Nemésio, poeta, muito cá de casa - A Ana, minha mulher, também sua aluna, comunga comigo esta queridíssima lembrança do mestre ímpar - vos deixo com

Natal chique

Percorro o dia, que esmorece
Nas ruas cheias de rumor;
Minha alma vã desaparece
Na muita pressa e pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei um anjo,
Dos que anunciam no jornal;
Mas houve um etéreo desarranjo
E o efeito em casa saiu mal.

Valeu-me um príncipe esfarrapado
A quem dão coroas no meio disto,
Um moço doente, desanimado
Só esse pobre me pareceu Cristo.

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