[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014





Miró,
venda atamancada



Ainda no que respeita à venda da Colecção de obras de Miró, há questões que me parece deverem merecer, não só maior atenção dos analistas e, em particular dos especialistas do mercado de transacção das obras de Arte Moderna e Contemporânea, mas também de investigadores do Ministério Público.

Para que não haja o mínimo equívoco quanto à minha posição, afirmo considerar-me,
para todos os efeitos, entre os que estão convencidos de que, neste específico caso da Colecção de obras de Miró que está afecta ao património do nacionalizado BPN, a defesa do interesse nacional, deveria passar por uma estratégia de manutenção dos bens e disponibilização do acervo em apreço, em espaço digno e adequado.

No entanto, entre todas, uma questão se evidencia com particular exuberância. Refiro-me à estratégia de venda «por atacado». Na realidade, apesar da consabida destituíção da competência residual exigível à gestão de uma operação destas natureza e envergadura, custa a entender que o Governo pudesse ter sido tão canhestro.

Independentemente da escala dos negócios e do seu enquadramento em qualquer sector de actividade, quer nos domínios industrial e comercial quer, por exemplo, no cultural, das artes plásticas à música, etc, qualquer agente do mercado sabe que aumentando a quantidade de unidades postas à venda, baixará a cotação ao nível do que o comprador se dispõe a desembolsar.

Portanto, se não passa pela cabeça de ninguém que, à partida, o potencial vendedor limite a sua própria capacidade de gerar receita, como entender o que se passou entre o detentor do património, o Estado Português, e o intermediário vendedor, a leiloeira Christie’s para que tão ridícula operação tivesse sido montada? Sob as aparências de um negócio legal haveria alguma negociata sub-reptícia?

É que, de uma penada, tão comprometido ficou o previsível valor do encaixe global da venda, em função da extraordinária quantidade de peças colocadas em mercado como, igual e implicitamente, baixaria a própria cotação geral das peças do artista se a operação se tivesse concretizado.

Ora, não sendo perspectivável, repito, a ignorância das partes envolvidas, como avaliar episódio tão estranho que levou a famosa Christie’s a suspender o leilão, de supetão, à trouxe-mouxe, inclusive com práticas de maneio e atitudes de remoção e transporte das peças potencialmente lesivas da sua integridade, como foi possível verificar através de um ’directo’ televisivo a partir de Londres?

Que precipitação era aquela por parte dos melhores profissionais leiloeiros do planeta? Que combinação esteve a montante de toda aquela lamentável cena? Saíram as peças de território nacional sem cobertura do despacho da entidade competente, através de uma empresa SA, que actua como testa de ferro de um Governo cujo responsável máximo pelo sector da Cultura é o próprio Primeiro Ministro, dispondo de um inefável Secretário de Estado, a quem apenas se conhece a ausência de corpo e nenhuma presença de espírito nos cenários que fabrica como eminência parda com inominável tendência para a asneira?

Naturalmente, não promovo nem participo em qualquer teoria de conspiração. Porém, que tudo isto deveria ser objecto de impecável investigação, disso não tenho a mínima dúvida.


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