[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 4 de agosto de 2014




SINTRA,
RIBAFRIA, OUTRA MÚSICA
 
 
[Transcrição do artigo publicado na edição do dia 1 de Agosto de 2014 do 'Jornal de Sintra']

No passado dia 10 de Maio participei na visita à Quinta da Ribafria que a Alagamares promoveu, integrando um grupo que compreendia alguns cidadãos sintrenses interessados e activos na defesa do património local.

Depois daquela esclarecedora jornada, continuando preocupados
com o estado de abandono e degradação que o local tão manifestamente vinha acusando, reunimos algumas vezes no sentido de equacionar a melhor atitude a tomar, tendo resolvido apresentar à Câmara Municipal de Sintra um documento síntese de propostas de actuação, instrumento de trabalho esse que entregámos ao Senhor Vice-Presidente e Vereador do pelouro da Cultura no dia 17 do passado mês de Julho .

Lembremos que a história da Ribafria nos remete para Gaspar Gonçalves e André Gonçalves Ribafria, prosseguindo a sua posse até Jorge de Mello e, a partir de 2002, passando a património municipal. De então para cá, sem actividade, sem obras de manutenção, a Quinta precisa de uma intervenção muito significativa e urgente para salvaguarda e recuperação do palácio, anexos, capela/mãe d’água e jardins, bem como dos terrenos agrícolas e do estupendo bosque. (*)

No entanto, além da recuperação do património edificado e natural em presença, impõe-se equacionar a vida futura que lhe será mais conveniente, na perspectiva de concretização das mais diversas iniciativas e atitudes culturais, parecendo pacífica a ideia de que o enquadramento epocal daquele magnífico lugar há-de determinar a maioria, senão a totalidade das iniciativas que convém equacionar e promover.

Renascença e Música Antiga

Neste contexto, permitam que, do documento entregue à CMS, passe a citar:

“(…)
A Quinta da Torre de Ribafria é um dos espaços patrimoniais mais emblemáticos de Sintra e um raro exemplo da cultura renascentista e das apetências quinhentistas numa busca do locos amoenus, na construção e idealização dos espaços como paraíso terreal. É, só por isso, um património que deve merecer toda a atenção e empenho das entidades competentes na sua preservação e restauro.
Acresce ainda a este valor filosófico - que preside aos gostos do século XVI, com o inevitável retorno à aurea mediocritas ruralis - ser uma propriedade carreada de História e mandada edificar pela única família nobre de origem inteiramente sintrense. Juntamente com a Quinta da Penha Verde, o Palácio Nacional de Sintra, o Paço dos Ribafria na vila, e os mosteiros da Penha Longa, o que resta do Real Mosteiro da Pena e o Convento dos Capuchos, forma um conjunto que possibilita uma viagem bastante interessante pelo Humanismo e pelo Renascimento português.
(…)”

[Relatório da visita técnica promovida pela Alagamares-Associação Cultural e por um grupo de cidadãos à Quinta da Ribafria em 10 de Maio de 2014]

São estas considerações que, na sequência dos parágrafos anteriores, me autorizam à abordagem do assunto que pretendo partilhar. Pois bem, tratando-se de um espaço cujas características tão singulares nos remetem para o período da Renascença, parecerá conveniente que um dos mais importantes factores de actuação aponte para que a programação geral das actividades culturais a desenvolver na Ribafria obedeça a uma grelha cuja matriz tenha aquele específico período como primordial do seu enquadramento.

Ou seja, neste entendimento, que ali aconteça Poesia da Renascença, Teatro da Renascença, Música da Renascença, etc, sem que, naturalmente, vínculo tão determinante, impeça qualquer intervenção de contexto epocal diferente, inclusive de vanguarda.

Em Portugal, no que à Música então produzida diz respeito, são escassas as iniciativas que têm por objecto a proposta de eventos cujos programas integrem peças da época que, para todos os efeitos, compreende um longo período de composição, bem podendo afirmar-se jamais ter sido ultrapassada quer em qualidade quer em quantidade.

Pois, se alguma tese eu defendo quanto aos locais onde a música erudita se faz em Sintra, se não posso estar mais de acordo relativamente à prática de os Palácios do período Romântico acolherem as obras mais afins, marca distintiva da programação do Festival de Sintra, nomeadamente no âmbito da pianística, então, também se me impõe que a Ribafria se possa afirmar como lugar geométrico das propostas daquela que, lato sensu, é abrangida pela designação de Música Antiga.

No entanto, terminando já, tal apenas será possível se houver o discernimento bastante para especializar o lugar nesse preciso sentido. Naturalmente, haveria que contar com o apoio dos bons especialistas portugueses do período em questão que, estou certo, transformariam esta hipótese de trabalho em mais outra grande mais-valia para Sintra.

(*) Entretanto, já estão em curso trabalhos de limpeza, sob orientação da Escola Profissional de Recuperação do Património de Sintra, intervenção cuja qualidade é proverbial garantia de qualidade. Enfim, bons sinais não faltam para que mantenhamos a esperança.


 [João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]
 

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