Cenas de Odeceixe [V]
Depois de tudo pronto para a cataplana do almoço, com sargo e camarões fresquíssimos que, irresistíveis, a minha amiga hoje tinha na banca, descemos à praia. A boa hora, cerca das onze, contra todas as recomendações, preparámo-nos para a função. Quase na preia-mar, a desfazerem-se muito brandamente, as ondas ficaram-nos a dois ou três metros.
A Ana Maria não tem as minhas esquisitices quanto ao conforto à beira-mar mas eu não dispenso uma cadeira que, apesar de muito leve, é toda ergonómica, com indispensável apoio para os braços. A verdade é que, «muito solta» com tais detalhes, a piquena logo ali se senta quando me afasto…
Hoje, mal nos instalámos, apeteceu-lhe fazer a sua caminhada até onde é possível, à borda de água, subir a ribeira de Ceixe. Eu sentei-me a ler “Buddenbrooks: Verfall einer Familie” de Thomas Mann. Claro que já li. Volteiu porque estou a fazer um pequeno estudo acerca dos truques dos autores quando fazem a apresentação das personagend dos romances. Disposto à releitura das primeiras sessenta páginas, não resisti à continuação e, à razão de cem por dia, já vou a meio das seiscentas… E continuo deslumbrado, como da primeira vez.
Às tantas, perante o mar, larguei a leitura, mantendo-me em contemplação até sentir a falta da música. Tiro da mochila o transístor ‘Sanyo 2 band receiver’, na minha posse há uma dúzia de anos, que me acompanha para todo lado, sintonizei a RDP 2 e não é que tenho a sorte de apanhar aquele espantoso momento musical que se segue ao diálogo entre Brunhilde e Wotan antes do fim de “Die Walküre”?
Entretanto, regressada a Ana Maria, largámo-nos a rir olhando para o transístor. Perguntava-me ela se já não tenho um aparelhito que me ofereceu há uns anos, MP qualquer coisa. Deve estar lá em casa, nunca me entendi com aquilo. Mesmo em viagem, levo comigo os CD de que preciso para me preparar. E, com todo o cuidado, nunca ultrapasso o peso autorizado da bagagem…Sou tosco, pronto, que hei-de fazer?
Pouco depois, fui ao banho. Que poderei dizer-vos? Por exemplo, que este mar faz de mim um velho engraçado, rebolando, embalado na babugem da rebentação, sejam quais forem as condições do mar. Esta manhã estava um espanto. Contei. Àquela hora, na frente atlântica, estavam quatorze pessoas na água. Perto de mim, agarrada a uma prancha, uma mulher jovem, linda de morrer, parecia preocupada com alguma coisa. Só percebi quando me voltei para o areal. Desesperado, de telemóvel em riste, um homem fazia fotos, com muitos acenos à companheira. E a coitada, lá ia obedecendo, cara de quem estava a aturar um fotógrafo de facebook. Ele há vidas!...
Cerca da uma e meia subimos até casa. Tudo em ordem, foi só pôr ao lume. Aos vinte e cinco minutos, abri a cataplana para introduzir os camarões e, passados cinco minutos, terminei. Levei à mesa e acompanhámos com o branco seco usado na preparação. Nem sempre fica tão bom. Desta vez, estava soberbo e, como sempre, com as sobras, faremos um arroz que vamos acompanhar com uns rissóis de berbigão que hoje pedirei me façam para o almoço.
Contamos que, na próxima semana, teremos connosco dois dos meus manos. Como uma das minhas especialidades é a cataplana, penso cozinhar outra. Como a de hoje saíu tão, tão bem, quase receio não venha a ter o mesmo sucesso. Enfim, só ‘preocupações’… E muito feliz me dou porque já estou livre da ralação do referendo aos escoceses…
PS: Se calhar, por não ter revisto, haverá uma ou outra frase menos conseguida. Tenham paciência...
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