[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014



Fernando Machado Soares


[facebook, 11.12.204]


Nestas últimas semanas, a grande ceifeira tem andado muito activa e, no seu afã incondicional, depois de Nella Maissa e José Sousa Veloso - acerca de quem partilhei algumas referências convosco, suscitadas pela amizade que nos ligava - levou-me agora o Fernando Machado Soares que acabava de fazer oitenta e quatro anos.  

Fomos bastante próximos. Em especial, a partir do 25 de Abril, mantivemos uma relação de amizade, que surgiu no seio de um grupo de amantes da ópera, com tanta história interessante para contar que, acreditem, daria para um bom livro de memórias. Só para o Machado Soares, haveria um capítulo muito, muito bem recheado.

Nesta pequena lembrança, recordo a voz. Uma voz poderosíssima, um verdadeiro portento, com deslumbrante extensão e recursos muito apurados. Tão deslumbrante - e cá vai o apontamento para o tal capítulo de memórias - que a grande Victoria de los Angeles, tendo-o ouvido cantar numa ocasião informal, depois de um seu recital, logo ficou absolutamente fascinada. Queria que ele largasse tudo, a magistratura e tudo o mais, para se dedicar ao canto lírico, que ela arranjaria maneira de o patrocinar...

Dele também recordo viagens de automóvel inqualificáveis por tanta riqueza acumulada. Ternura, poesia, canto, histórias de vida, episódios atrás de episódios... Na maior parte dos casos, tais deslocações tinham como destino Famalicão onde, com ele e mais dois amigos, partilhávamos o mesmo alfaiate. São mesmo 'histórias de outro mundo', do século passado, em que quatro piquenos, o mais novo dos quais este vosso diário escriba, faziam cerca de setecentos quilómetros para se vestirem, com fatos à medida, cortados por um fabuloso artista.

No regresso, invariavelmente à noite, e já de madrugada, parávamos em Coimbra. Foi pela mão daquele generoso açoriano que conheci os mais recônditos esconsos da cidade. Junto a cada pedra, que conhecia como a mão, perorava e acrescentava sempre mais um pormenor, tantas vezes picante, de que o lugar fora testemunha, tanto em tempos recuados como mais recentes, que lhe estavam colados à pele.

Grande, de avantajadas proporções, era o Machadão e - ele vai perdoar-me a brincadeira - para alguns de nós, o 'Maria Machadão'. Nem sempre com um perfeito 'sentido das conveniências', era constantemente repreendido por outro dos nossos amigos, também magistrado e, na altura, como ele, igualmente Juiz Desembargador, que refreava o seu génio e atitudes menos discretas, designemo-las assim...

Devo confessar que nunca aderi especialmente à gravação do tema que lhe deu a grande popularidade que gozava. Sou do tempo em que o Machado Soares, um dos mais altos cultores dos géneros e temas de Coimbra, era praticamente desconhecido fora daqueles meios. Vê-lo protagonizar aquelas cenas popularuchas, «pró turista» e quejandos, chegava a desagradar-me. Se quiserem, nestas palavras, leiam os laivos de elitismo que vos aprouver. Mas a isso me exige a sinceridade deste singelo testemunho.

Ficam, como já referi, palavras muitas por dizer, água do rio que, subitamente, vê o curso interrompido pela barragem. Naturalmente, não poderia passar sem a voz a que aludi, absolutamente soberba. Para mais conveniente ilustração, aqui fica "Maria Faia".
 
Noutro dia, pedi ao José Sousa Veloso e, agora, repito ao Fernando. Não esperem pela demora, «isto» por aqui, são só mais uns instantes.
 
Boa audição!

http://youtu.be/09qW4tg1NV0

 
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