[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 18 de maio de 2015



Fontes e águas livres

[facebook, 01.03.2015]


[Transcrição do meu artigo na edição de 27 de Fevereiro do 'Jornal de Sintra'. Entre ' ', as palavras ou frases que, no original estão em itálico.]

Fontes e águas livres


Há poucas semanas, iniciou-se o trabalho de campo relativo ao 'Rota da Água', projecto da Canaferrim, Associação Cívica e Cultural, oportunamente divulgado e constante do seu Plano de Actividades, de actualização e interpretação do património de fontanários da grande Freguesia de Sintra que resultou da concentração das anteriores três da sede do concelho, Santa Maria e São Miguel, São Martinho e São Pedro.

Com aquele objectivo, que nos levará à montagem de uma exposição e à edição de um livro, faço parte de uma pequena equipa que também integra Sérgio Gonçalves e António Esteves, da mesma associação, bons amigos com quem tenho aprendido novos pontos de vista acerca de uma realidade tão multifacetada que é praticamente inesgotável, enquanto vamos 'desbravando' um terreno que, só na aparência, é do nosso geral conhecimento, e confirmando como o trabalho de grupo é tão rico e enriquecedor.
 
O que estamos a encontrar pelos caminhos percorridos, o estado actual das peças e a presença ou a ausência das pessoas; a História e as histórias de cada local e o seu enquadramento, as horas do dia a que nos aproximamos, com mais e menos luz; a exuberância de um relevo que dita os passos e o compasso das toadas que vejo bailarem no olhar dos meus companheiros e o adivinhar das memórias de quem até nem está por ali… Que estupenda oportunidade para tantos encontros, reconhecimentos e novidades!

O acervo do património com o qual lidamos não pode ser mais diversificado, desde monumentos classificados, com séculos em cima das bicas, lajes limosas e lápides onde reza a Real vontade que lhes destinou a primordial função do abastecimento do precioso líquido, até aos mais simplórios, menos interessantes só em determinada perspectiva estética, que bem sabemos, de acordo com a própria noção de património, podem continuar mantendo-se como autênticas referências vitais de pessoas que deles dependeram.
 
Este o fascínio de uma tarefa que pressentimos ser preciso levar a cabo, com o privilégio do permanente aconchego da nossa terra. Testemunhos frequentemente mudos, não raro sem pinga que lhes escorra das entranhas, carregam um legado com tal sortilégio que, seja qual for a sua morfologia, a índole e natureza dos materiais de construção, mais nobres ou perfeitamente triviais, nunca, nunca deixam de questionar, de desafiar, pedindo nos detenhamos a 'fazer-lhes justiça'.

'Fontes' de discussão

Estes, contudo, não são os únicos 'diálogos' que temos entabulado já que outros, bem reais, mantemos com quem connosco se cruza. Embora as tarefas estejam bem distribuídas e nunca sobre tempo para todos os registos que importa assegurar em cada deslocação, é preciosa a possibilidade de conversar com as pessoas do lugar, elemento essencial da abordagem desta vertente de trabalho na comunidade.

Permitam-me um desvio pessoal, 'à beira de um regato muito próximo' que, daqui a umas linhas, desaguará no rio que me trouxe até aqui. Muito recentemente, por várias vezes, quando me reconhecem ou acabam por perceber que sou o autor dos artigos que costumam ler no Jornal de Sintra, pessoas há que aproveitam para introduzir temas palpitantes da vida cá do burgo, relativamente a medidas e projectos que, tal como chamei a atenção, anunciados pela autarquia há mais de um ano, ou não se concretizaram ou foram descartados.

Sendo insistentemente interpelado em relação ao modo como tais assuntos se resolverão, seria possível responder que, na gestão da coisa pública, há que contar com processos administrativos extremamente demorados e, portanto, considerar não existir qualquer espécie de excesso de voluntarismo por parte do executivo municipal e, de todo em todo, importando manter as expectativas quanto ao melhor resultado possível.
 
Ora, se aquelas palavras até correspondem a uma certa vertente da realidade, que sempre será de ter em consideração, a verdade é que, apenas reduzida a tal expressão, semelhante réplica seria sempre paupérrima, não passando da 'saída airosa', que 'fica bem no retrato', em todos os contextos, sejam quais forem os compromissos ideológicos e partidários.

Pois bem – e eis que 'o regato já desagua'… – se são como são os textos que subscrevo, tanto no JS como noutros 'media', também nas conversas acima referidas, dou graças a Deus por poder ir 'Rota da Água', mais uma vez, me confirma que bebi, de fonte outra, 'águas livres', propícias aos pensamentos, às palavras e às obras, em liberdade, sempre em plena liberdade.

 

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