[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quinta-feira, 20 de agosto de 2015


Federico García Lorca, 1898 - 1936
Assassinado em 19 de Agosto

Ontem a efeméride. Ainda a tempo, a memória

Nos tempos de estudante, Lorca aproximou-me da Ana, minha colega, mais tarde, minha mulher. Maria de Lourdes Belchior, saudosa catedrática da Faculdade de Letras, professora de Literatura e Cultura Espanhola, não podia ter sido nossa melhor «cicerone», não só de alguma da obra do poeta que, na altura, me faltava conhecer, mas também da outra que, com o atrevimento dos dezoito anos, eu julgava ter entendido em todos os cambiantes...

Senhor de obra fascinante, sob todos os pontos de vista, Lorca pede constante atenção. Cultivo-o desde a adolescência. E, de vez em quando, lá tenho de ir à casa onde nasceu, em Fuente Vaqueros, arredores de Granada, que conheço de cor, também a ouvir o canto da Argentinita, numa gravação com ele ao piano, como sucedeu num dia 19 de Agosto, faz hoje um ror de anos!

Mas, precisamente ontem, celebrar o poeta, misturou-se com o almoço de há pouco. Estupendo, simplicíssimo, um gaspacho «com todos», acabados de chegar do Alentejo, cheiros da nossa lavra, outros ingredientes de uma boa amiga. Só a água e o gelo não vieram de lá. Lorca, o integral andaluz, connosco, à mesa...

Lorca, a voz das vozes mais sofisticadas da Andalucia, voz telúrica, voz essencial da minha Ibéria. Peguei no "Lorca", por André Belamich, numa edição da Arcádia, sem indicação de data, mas dos anos sessenta. E, ainda à mesa, bebericando um tinto particular, também do Alentejo, releio passagens que a Ana tinha sublinhado, na sua primeira leitura, em 1968.

Meu Deus, que sugestivo manancial! Por exemplo, acerca de Sevilla e Granada, Lorca escreve imperdíveis pensamentos, como este, tão certeiro:

"(...) Aquele que queira sentir, junto ao bafo ruidoso do touro, o doce tic-tac do sangue nos lábios, misture-se ao tumulto barroco da universal Sevilla. Aquele que queira juntar-se à teoria dos fantasmas e descobrir, quiçá nas mais pequenas veredas do seu coração, um velho anel maravilhoso, encerre-se na intimidade da Granada-a-Secreta (...)". ["A Semana Santa em Granada, t. VII, pág. 280].

Porventura, quem não tiver prejuízos com a cultura do touro - que a tourada celebra e vivifica de modo tão especial - melhor coincidirá com a proposta do poeta. Na realidade, faz parte da minha cultura de ibérico saber o que é isso do 'bafo ruidoso do touro'. Felizmente, entendo-o, até à medula, faz parte do meu código genético, descendente que sou de uma família ligada a esse mundo dos touros, dos cavalos, da 'afición'. Fracturante? Olhem, paciência!...

Também sei que partilho aquele e outros quejandos saberes, com bons amigos, como o João Trindade Duro, a quem dedico este texto e o seguinte momento musical. Das '"Canciones españolas antiguas" de Lorca, 'La Maja de Goya', com música de Enrique Granados, que vai interpretada por duas queridíssimas e grandes, grandes artistas da grande Espanha, Pilar Lorengar (1928-1996) e Alicia de Larrocha (1923-2009) que, tantas vezes, tive o gosto de escutar.

Pois é, em Espanha, tudo em grande. Se soubessem a dificuldade que tive na escolha desta peça... É que outra grande, também muito grande artista espanhola, Teresa Berganza, por quem tenho um carinho enorme, canta Lorca de modo incomparável. Assim sendo, que dificuldade até na adjectivação!... Ah, não fosse esta tão evidente afinidade com a grande Espanha, na minha Ibéria, como suportaria eu a lusa mesquinhez?!...

Boa audição!

 
 
OLEOS DE RUBEN DE LUIS.
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