[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 12 de agosto de 2015



Focos de incendiária incompetência


Há pouco, num noticiário radiofónico da RDP, ouvi o Dr. Jaime da Marta Soares, Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, verberar contra a falta de uma correcta gestão da floresta portuguesa, em todos os domínios e, muito naturalmente, incluindo a falta de prevenção.

Pois. É o mesmo fado todos os anos. Correm-se riscos enormes porque, de facto, ao longo de décadas, a classe política, tanto ao nível do governo central como autárquico, se tem revelado totalmente incompetente.

Nos últimos quatro anos, aliás, foi absolutamente escandalosa, confrangedora e ridícula a actuação de Assunção Cristas responsável pela Agricultura e Ambiente, pasta esta, última referida, mais tarde assumida por Jorge Moreira da Silva que nada acrescentou.

Verborreia inconsequente, discursos inchados de prosápia, «esperteza saloia» a rodos, isso sim, tivemos em doses monumentais. Obra concreta, nada, absolutamente nada e, por isso mesmo, a situação mais se agravou. Bom seria mas não tenho grandes esperanças, que, também «por isto», esta gentinha incapaz fosse devidamente penalizada nas próximas eleições legislativas.

Ao longo da vida, este é um assunto que me tem preocupado sobremaneira, mesmo em termos profissionais. A propósito, permitam que aqui reproduza um artigo que subscrevi há três anos, publicado no 'Jornal de Sintra', subordinado ao título em epígrafe, e, tanto naquela altura como agora, com uma especial palavra de apreço pelo trabalho tão meritório de Luís Miguel Baptista.

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Durante quase quinze anos, num período da minha carreira de técnico do Ministério da Educação, como membro de uma equipa de formação de formadores, estive intensamente envolvido na problemática dos incêndios, em todas as suas vertentes, no contexto de um trabalho que implicou a produção informal de materiais pedagógicos.

Para a concepção do inerente suporte escrito e aproveitamento de material áudio e audiovisual, tive de selecionar textos de todos os géneros, desde artigos de jornal, poemas, narrativas várias, ficção, ensaios, estatísticas, filmes, documentários, entrevistas da rádio e da tv, obrigando a uma longa pesquisa que me levou a imensos contactos em serviços públicos, tanto no próprio Ministèrio da Educação como nos da Agricultura, Cultura, Justiça, Defesa, Trabalho e Segurança Social, Saúde, Administração Interna, Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, empresas privadas, Associações e Corpos de Bombeiros, as várias religiões, bibliotecas, hemerotecas, enfim, toda a possível abrangência.

Infelizmente, as circunstâncias pouco se alteraram nos últimos vinte anos. Como tenho tentado manter-me actualizado acerca de um problema que tanto me tem preocupado, aqui partilho mais esta achega

Focos de incendiária incompetência

Quando vários incêndios lavram em vários pontos do país, embora mais concentrados em zonas geográficas habitualmente mais castigadas – factor este da localização que, aliás, deveria merecer a leitura mais adequada – instala-se o desânimo de sempre, fruto de muitos anos acumulados de cenários análogos, sucessivamente protagonizados por quem evidencia as mesmas ou diferentes falhas, umas vezes, ao nível das populações envolvidas, falhas de educação, e de instrução, outras, na esfera da decisão técnica e política, falhas resultantes das mais diversas incompetências e incapacidades.

As televisões, através de muito polémicos e controversos serviços de reportagem, vivem num afã encarniçado de estéril competição, emitindo mensagens cujos efeitos jamais serão positivos para a comunidade em geral. Pelo contrário, tal mediatização arrisca, isso sim, desencadear acções de perversa replicação cuja motivação, muito interessante a vários títulos, tem sido objecto dos mais diferentes estudos – incluindo indução de actos de piromania e crimes originados por perturbações várias da personalidade aproveitadas por negociantes sem escrúpulos – pareceres, propostas que, na maior parte dos casos, não são tidos na devida consideração.

Ano após ano, a sistemática repetição das mesmas imagens até parece indiciar que, com esta inacreditável expressão quantitativa, os incêndios de Verão são coisa perfeitamente inevitável. A comunidade não estranha. O povo habituou-se. Com o seu coro de lamentações, imprecações de populares contra o atraso ou ausência dos meios aéreos, acidentes com viaturas de ataque aos fogos, morte de bombeiros, gente acidentada e ferida internada nos hospitais, milhares e milhares de hectares de terras queimadas, prejuízos materiais incalculáveis, atentados ambientais incomportáveis, tudo «isto» parece fazer parte duma «normal» paisagem estival.

Incompetência geracional

Num estado de calamidade que só não se assume por falta de coragem e de assertividade de discurso, têm sido os Ministros da Administração Interna dos sucessivos governos que aparecem nos telejornais, como se a ocorrência de tão significativo flagelo apenas dissesse respeito ao governante a quem compete a coordenação das entidades vocacionadas para o combate. E, facto indesmentível, apenas de combate aos incêndios se fala, ou seja, dos meios aéreos, do equipamento mais ou menos actualizado, do pessoal envolvido, umas vezes com a devida formação, outras dando a entender fragilidades gritantes.

Quanto ao actual executivo que, desde o início de funções e até há cerca de um mês, manteve no posto a mesma titular da Agricultura e do Ambiente, alguém viu, ouviu ou leu notícia efectivamente substantiva relativa a medidas concretas de sua lavra afins da prevenção atempada dos fogos de Verão? Em dois anos, nada, absolutamente nada. Tal como todos os anteriores titulares das pastas que acumulou, nem sequer conseguiu promover a realização do cadastro florestal, condição absolutamente imprescindível ao desenho de quaisquer intervenções posteriores.

Ao longo de décadas, nem no Parlamento nem no Governo, alguém foi capaz de promover as medidas legislativas afins da operacionalização da defesa dos inestimáveis bens patrimoniais que o país se tem permitido perder com tanta negligência e insensatez. É uma lástima sem qualquer lenitivo. A propósito, já repararam que os maiores proprietários nacionais da matéria-prima com que se abastece a indústria da celulose rarissimamente sofrem incêndios nas suas propriedades? Milagre? Não, apenas porque, muito naturalmente, concretizam todas as indispensáveis medidas de prevenção.

Prevenir através de estratégia integrada

Porque, de facto, é na prevenção, em tempo oportuno, concretizando intervenções de limpeza, instalando acessos, armazenagem de água, adequada gestão das matas, bosques e florestas particulares e do Estado, que se demonstra como são evitáveis as cenas do costume. É um trabalho complexo que, além das estruturas dependentes dos Ministérios da Agricultura e do Ambiente, deverá comprometer também a Educação, Trabalho e Segurança Social, Defesa, Justiça, Finanças bem como das Autarquias, numa inequívoca integração de actuações. Para o efeito, não tenho a menor dúvida de que se justifica a criação de uma estrutura política de coordenação integrada, com o perfil e competências de uma Comissão Nacional para concretizar um programa que têm apontado as autorizadas vozes de Duarte Caldeira ou Jaime Soares da Liga dos Bombeiros Portugueses ou de José Manuel de Moura, do Comando Nacional da Protecção Civil.

Antes de finalizar, permita-se-me um parêntesis. Felizmente há excepções que, na confirmação da regra, nos concedem agradáveis constatações como a do caso de Sintra que, em tempos mais recentes, soube concretizar as medidas que as circunstâncias impunham, em presença de um riquíssimo e sofisticado património natural, muito do qual integrado no Parque Natural de Sintra-Cascais e, em simultâneo, classificado pela Unesco como Paisagem Cultural da Humanidade. À empresa de capitais públicos Parques de Sintra Monte da Lua e à Câmara Municipal de Sintra, justo é o reconhecimento de um trabalho absolutamente notável de prevenção dos fogos. Como já tenho afirmado e escrito, confirmo que, na realidade, há poucos anos, passámos a dormir muito mais descansados.

E, terminando, a certeza de que, apesar da prevenção, Incêndios sempre haverá mas com outras dimensões e características. Entretanto, se nada de pertinente mudar, precisamente no sentido de que têm apontado, entre outros, os peritos acima referidos, continuaremos a ver as televisões neste seu actual «empenho» que, ao fim e ao cabo, mais não faz do que potenciar o efeito das portuguesíssimas lágrimas de crocodilo…

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[João Cachado escreve de acordo com a antiga ortografia]

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