[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 14 de junho de 2016



D. Fernando II,
a Pena e a infelicidade de Portugal



[Publicado no facebook em 9 de Maio de 2016]


Um dia destes, em início de espessa tarde de chuva certa e miúda, depois de passar a entrada principal do Parque, lá segui ao encontro do meu amigo João Santa-Clara, o realizador de cinema com quem colaborei nos filmes biográficos da Senhora Marquesa de Cadaval e da pianista Nella Maissa.

Neste momento, já muito envolvidos noutro projecto análogo, as nossas idas à Pena são frequentíssimas. Vencendo a íngreme vereda em direcção ao Picadeiro, apesar dos apelos, tão singulares à minha volta, não conseguia libertar-me de recentes preocupações que a situação do país coloca.

Naturalmente, lembrei-me do senhor D. Fernando. Conheço de cor as palavras de uma carta para Ernesto de Coburg na qual, mais uma vez, repetia a sua visão da pátria adoptiva como país infeliz com todas as possibilidades para a felicidade:

"(…) É pena que Portugal, criado verdadeiramente pelo céu para ser unicamente feliz, não chegue a compreender quão salutar lhe seria, nestes tempos, um pouco de sentido prático. Portugal com bom senso poderia ser tão feliz (…)".

Passados uns cinco minutos, chegado ao pátio de entrada, o João esperava-me à porta, sob a Janela do Tritão. Subimos até ao Salão Nobre e, de um momento para o outro, mal se nos proporcionou o pretexto, eis que Richard Wagner, Parsifal, Kundry, o Votan Viajante, D. Fernando e a Condessa d’Edla, Gwineth Jones, Birgit Nilsson, Waltraud Meier, Götz Friedrich, Peter Stein, José Augusto França, Abbado, Rattle, Karajan, Petrenko «se nos juntavam» para um bom turbilhão de conversa em que trabalho, a melomania diletante e o muito, muito wagneriano pendor de ambos se mesclaram em dose qb.

À saída, ainda com o mesmo ambiente daquelas chuvosas tardes de serra primaveril, D. Fernando voltava a insinuar-se. Doutra carta:

“(…) Sintra é de facto um sítio magnífico, que não se deixa comparar facilmente com outras regiões. A minha querida Pena é, conforme o meu critério, a coroa da região sintrense. Ainda ontem passámos lá uma das tardes mais maravilhosas que se podem imaginar e regressámos a casa ao luar. Não existe algo de mais belo do que uma das tardes locais, porque a luz é quase sempre serenamente bela e todas as coisas se mostram numa nitidez muito especial (…)”

De regresso, por ali abaixo, o país continuava no desassossego do costume. Enfim, tal como há centenas de anos… Pois. Bem se devem lembrar da famosa ‘piolheira’, da ‘choldra ingovernável’ e quejandas avaliações de tão ilustres e reais pessoas…

Porém, completamente tomado pela melopeia da passarada que, tal como eu, adora a boa chuvinha certa, densa e miúda, nem dei pelos quilómetros até casa onde, mal chegado, logo me pus à procura das cartas de D. Fernando para vos poder citar o excerto do parágrafo anterior.

Seguidamente, com um bom copo de Colares por companhia, recolhi-me ao II Acto de “Parsifal”. Socorro-me da gravação ao vivo do Festival de Bayreuth de 1985 que presenciei. Ouço a Kundry de Waltraud Meier, o Parsifal de Peter Hofmann, a orquestra do festival dirigida por James Levine e, subitamente, garanto-vos, estava na Pena outra vez.

E, tal como Richard Strauss, quando ali esteve, aquele era mesmo o jardim de Klingsor e lá em cima, o castelo do dito cujo…Em minha casa, em Sintra, outra vez o subido privilégio da Pena. É o que me vale… E, como não podia deixar de ser, aí têm um pequeno excerto do II Acto de "Parsifal". A Kundry é a mesma Waltraud Meier.

Boa audição!

http://youtu.be/dlGSGSTf43c


[Ilustr: D. Fernando; Palácio da Pena, Janela do Tritão; Parque da Pena, Lagos]

 

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