FESTIVAL DE SINTRA,
UMA CRÓNICA DE OUTROS TEMPOS
(SEM QUALQUER PROPÓSITO DE COMPARAÇÂO
NEM COM A GLÓRIA DE OUTRAS DÉCADAS
NEM COM A ACTUALIDADE)
[Publicado no facebook em 11 de Maio de 2016]
Na véspera do início da edição do Festival de Sintra 2016, ocorrem-me dezenas de textos que tenho assinado e publicado a propósito de eventos integrados nesta anual iniciativa.
Com alguma saudade, eis um artigo datado de 2012, precisamente referente à sessão de Abertura da 47ª edição. Naquela altura, ainda nenhum indício havia de que o Festival já estava a viver o fim de uma era...
_______________________
Festival de Sintra,
Abertura 2012,
bons sinais
De acordo com o programa oportunamente anunciado, começou hoje a 47ª edição do Festival de Sintra. Como lembrarão, na passada terça-feira, chamei a atenção para os eventos do dia de abertura, a conferência de Rui Vieira Nery e o recital de Grigory Sokolov.
Quanto à conferência, o conhecido musicólogo obedeceu ao esquema que costuma observar, ou seja, subordinando-se a um tema – neste caso, 'A Viena imperial e a matriz cosmopolita do Romantismo musical europeu' – foi ilustrando as pertinentes considerações com excertos de gravações das peças musicais que, inequivocamente, melhor se enquadravam.
Durante hora e meia, fizemos o fascinante percurso de um século de música, sensivelmente, entre 1815 e 1914, partindo de Beethoven e de Schubert, caracterizando a Viena capital imperial que, a um tempo é conservadora e cosmopolita, fervilhando numa actividade musical verdadeiramente imparável, que acolhe a ópera de Weber, de Meyerbeer, Rossini, Bellini, Verdi, mas incapaz de lidar com a modernidade wagneriana.
Assistimos ao sucesso de Brahms, à contemporaneidade finissecular da valsa, da polka e da marcha, às tentativas de afirmação de novas vozes portadoras de linguagens que vão afirmar-se através de Mahler, Hugo Wolf e Richard Strauss e também de um Bruckner, sempre numa moldura vienense nostálgica, poética, edílica que conhece e convive com as primícias da psicanálise freudiana, de consequências tão decisivas em toda a Arte e, naturalmente, também na Música.
Sem meios sofisticados de apoio, limitando-se à reprodução de CDs, Rui Vieira Nery foi, como sempre, muito eficaz, num ambiente da maior informalidade. O Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Prof. Fernando Roboredo Seara – que, tal como o próprio conferencista, está a viver um período difícil subsequente ao recente falecimento do seu pai – fez uma apresentação tão simples quanto rápida mas muito certeira.
Esta proposta de iniciar o Festival com uma conferência é coisa muito sua, modelo que começou a privilegiar, há já uns bons anos, quando, para o mesmo efeito, convidou o Prof. António Damásio. É assim que Fernando Roboredo Seara pretende e também consegue demonstrar como, em tempo de grande contenção financeira, um Festival de Música pode e deve ser lugar de aprendizagens várias e cruzadas, de refrescamento e enriquecimento espiritual, convidando alguém que, à partida, garante que tais propósitos serão, de facto, alcançados para benefício de todos quantos participarem.
Claro que correu bem. Foi mesmo muito agradável. O Festival não podia ter começado com melhores sinais. Ah, é verdade, por motivos de doença, Sokolov só aqui se apresentará no dia 10 do próximo mês de Julho. Vamos esperar que o pianista recupere e que, mais uma vez, em Sintra, não só passeie a sua fabulosa classe de artista mas também continue a brindar o público com a habitual ímpar generosidade de extras.
PS:
Permitam que finalize, roubando ao Rui Vieira Nery - que, sei perfeitamente, não se importa mesmo nada - esta proposta de audição, na interpretação de Elisabeth Schwarzkopf,. Trata-se de "Wien, du Stadt meiner Träume" [Viena, tu cidade dos meus Sonhos]de Sieczynsky, canção com que ele finalizou a conferência. Mesmo sem terem assistido, façam o favor de imaginar o efeito de chave de ouro...
Boa audição!
https://youtu.be/wLx8uBWY6c4
[Ilustr: Rui Vieira Nery; Elisabeth Schwarzkopf; Fernando Roboredo Seara]
UMA CRÓNICA DE OUTROS TEMPOS
(SEM QUALQUER PROPÓSITO DE COMPARAÇÂO
NEM COM A GLÓRIA DE OUTRAS DÉCADAS
NEM COM A ACTUALIDADE)
[Publicado no facebook em 11 de Maio de 2016]
Na véspera do início da edição do Festival de Sintra 2016, ocorrem-me dezenas de textos que tenho assinado e publicado a propósito de eventos integrados nesta anual iniciativa.
Com alguma saudade, eis um artigo datado de 2012, precisamente referente à sessão de Abertura da 47ª edição. Naquela altura, ainda nenhum indício havia de que o Festival já estava a viver o fim de uma era...
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Festival de Sintra,
Abertura 2012,
bons sinais
De acordo com o programa oportunamente anunciado, começou hoje a 47ª edição do Festival de Sintra. Como lembrarão, na passada terça-feira, chamei a atenção para os eventos do dia de abertura, a conferência de Rui Vieira Nery e o recital de Grigory Sokolov.
Quanto à conferência, o conhecido musicólogo obedeceu ao esquema que costuma observar, ou seja, subordinando-se a um tema – neste caso, 'A Viena imperial e a matriz cosmopolita do Romantismo musical europeu' – foi ilustrando as pertinentes considerações com excertos de gravações das peças musicais que, inequivocamente, melhor se enquadravam.
Durante hora e meia, fizemos o fascinante percurso de um século de música, sensivelmente, entre 1815 e 1914, partindo de Beethoven e de Schubert, caracterizando a Viena capital imperial que, a um tempo é conservadora e cosmopolita, fervilhando numa actividade musical verdadeiramente imparável, que acolhe a ópera de Weber, de Meyerbeer, Rossini, Bellini, Verdi, mas incapaz de lidar com a modernidade wagneriana.
Assistimos ao sucesso de Brahms, à contemporaneidade finissecular da valsa, da polka e da marcha, às tentativas de afirmação de novas vozes portadoras de linguagens que vão afirmar-se através de Mahler, Hugo Wolf e Richard Strauss e também de um Bruckner, sempre numa moldura vienense nostálgica, poética, edílica que conhece e convive com as primícias da psicanálise freudiana, de consequências tão decisivas em toda a Arte e, naturalmente, também na Música.
Sem meios sofisticados de apoio, limitando-se à reprodução de CDs, Rui Vieira Nery foi, como sempre, muito eficaz, num ambiente da maior informalidade. O Presidente da Câmara Municipal de Sintra, Prof. Fernando Roboredo Seara – que, tal como o próprio conferencista, está a viver um período difícil subsequente ao recente falecimento do seu pai – fez uma apresentação tão simples quanto rápida mas muito certeira.
Esta proposta de iniciar o Festival com uma conferência é coisa muito sua, modelo que começou a privilegiar, há já uns bons anos, quando, para o mesmo efeito, convidou o Prof. António Damásio. É assim que Fernando Roboredo Seara pretende e também consegue demonstrar como, em tempo de grande contenção financeira, um Festival de Música pode e deve ser lugar de aprendizagens várias e cruzadas, de refrescamento e enriquecimento espiritual, convidando alguém que, à partida, garante que tais propósitos serão, de facto, alcançados para benefício de todos quantos participarem.
Claro que correu bem. Foi mesmo muito agradável. O Festival não podia ter começado com melhores sinais. Ah, é verdade, por motivos de doença, Sokolov só aqui se apresentará no dia 10 do próximo mês de Julho. Vamos esperar que o pianista recupere e que, mais uma vez, em Sintra, não só passeie a sua fabulosa classe de artista mas também continue a brindar o público com a habitual ímpar generosidade de extras.
PS:
Permitam que finalize, roubando ao Rui Vieira Nery - que, sei perfeitamente, não se importa mesmo nada - esta proposta de audição, na interpretação de Elisabeth Schwarzkopf,. Trata-se de "Wien, du Stadt meiner Träume" [Viena, tu cidade dos meus Sonhos]de Sieczynsky, canção com que ele finalizou a conferência. Mesmo sem terem assistido, façam o favor de imaginar o efeito de chave de ouro...
Boa audição!
https://youtu.be/wLx8uBWY6c4
[Ilustr: Rui Vieira Nery; Elisabeth Schwarzkopf; Fernando Roboredo Seara]
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