[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 30 de outubro de 2017




27/19/2017


7 de Outubro de 1892
Graciliano Ramos
(m. 1953)


Para a evocação que hoje me interessa, apenas a partilhar convosco a convicção profunda de que se trata de uma das vozes mais sérias e grandes das literaturas brasileira e universal.
Estou certo de que entenderão como, para mim, "Vidas Secas", de 1938, é a única obra, de toda a Literatura do século vinte, que pode emparceirar, perfeitamente, com "The Old Man and the Sea" (1952), de Ernest Hemigway...
Além de escritor de primeira água - magistralmente estudado pelo meu querido amigo Prof. Fernando Alves Cristóvão - Graciliano ramos foi homem empenhadíssimo em termos cívicos, tendo ingressado no antigo Partido Comunista do Brasil, onde se destaca, já sob a direcção de Luís Carlos Prestes.
Eis um belo excerto de "Vidas Secas":
"(...) Acocorada junto às pedras que serviam de trempe, a saia de ramagens entalada entre as coxas, sinha Vitória soprava o fogo. Uma nuvem de cinza voou dos tições e cobriu-lhe a cara, a fumaça inundou-lhe os olhos, o rosário de contas brancas e azuis desprendeu-se do cabeção e bateu na panela. Sinha Vitória limpou as lágrimas com as costas das mãos, encarquilhou as pálpebras, meteu o rosário no seio e continuou a soprar com vontade, enchendo muito as bochechas. Labaredas lamberam as achas de angico, esmoreceram, tornaram a levantar-se e espalharam-se entre as pedras. Sinha Vitória aprumou o espinhaço e agitou o abano. Uma chuva de faíscas mergulhou num banho luminoso a cachorra Baleia, que se enroscava no calor e cochilava embalada pelas emanações da comida.
Sentindo a deslocação do ar e a crepitação dos gravetos, Baleia despertou, retirou-se prudentemente, receosa de sapecar o pêlo, e ficou observando maravilhada as estrelinhas vermelhas que se apagavam antes de tocar o chão. Aprovou com um movimento a cauda aquele fenômeno e desejou expressar a sua admiração à dona. Chegou-se a ela em saltos curtos, ofegando, ergueu-se a ela em saltos curtos, ofegando, ergueu-se nas pernas traseiras, imitando gente. Mas sinhá Vitória não queria saber de elogios. - Arreda! Deu um pontapé na cachorra, que se afastou humilhada e com sentimentos de revolucionários. (...)"
Sintomaticamente, em 1962, "Vidas Secas" foi galardoado com o Prémio da William Faulkner Foundation (USA), como livro representativo da «Literatura americana» Contemporânea. Há dois anos, quando, também neste meu mural do facebook, comemorei a efeméride, o meu amigo Luís Miguel Lavrador lembrava-me o trabalho de Aldemir Martins como ilustrador primeira edição da obra, de facto, um marco a ter em consideração.
"Vidas Secas" deu origem ao filme homónimo (1963), realiz daado por Nelson Pereira dos Santos, com nítida influência do neo-realismo italiano, tendo-se notabilizado como um dos mais conhecidos do designado «Cinema Novo».
Foi o único filme brasileiro indicado pelo British Film Institute como uma das 360 obras fundamentais de qualquer cinemateca.
Inequivocamente, a ver ou, estou certo, na maior parte dos casos, a rever!
Aqui têm. Bom visionamento.
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[Chamada de atenção para Maria José CraveiroMaria Fernanda CarvalhoVitor SerrãoMaria Adelina Amorim, para quem o Prof. Fernando Cristóvão, indissociável de Graciliano Ramos, é uma das nossas referências académicas e amigo especialmente querido.]
[Ilustr: Graciliano Ramos]

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