[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 30 de outubro de 2017




29 de Outubro de 1816
Nascimento de Fernando de Sax-Coburgo e Gotha

[29 de Outubro de 2017]

Em Sintra, a celebração da memória do rei D. Fernando II, ou é muito 'bissexta' ou, pura e simplesmente, omissa. Em anos anteriores, a falta de celebração quase tem roçado o escândalo.
Mas, em 2016, por ocasião do redondo e jubilar duplo centenário, não faltaram, no Palácio da Pena, as condignas comemorações sob a responsabilidade da Parques de Sintra.
No meu mural continuo a lembrar quem me é tão caro. É com esse propósito que, mais uma vez, com algumas adaptações, permitirão me socorra de um texto publicado no 'Jornal de Sintra' em 2006.
Acrescentei a proposta final de audição de uma peça musical que tudo tem a ver com o texto, com o Senhor D. Fernando II, com a grande Música e com a Cultura ocidental judaico-cristã, nossa europeia matriz de absoluta referência.
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D. Fernando II
Pobre artista! Pobre Rei!
Há muitos anos que, para mim, o 29 de Outubro é subordinado à memória de Fernando de Sax-Coburg e Gotha (Coburg, 29.10.1816 - Lisboa, 15.12.1885), um dos homens que mais decisivamente marcou a segunda metade do século dezanove em Portugal, especialmente no âmbito da defesa e recuperação do património.
Muitas são as histórias e os episódios de salvaguarda de peças de valor patrimonial inestimável, in extremis resgatadas ao destino da pura e simples destruição, não fosse a sua directa intervenção. Um verdadeiro diletante, homem informado e de grande cultura, artista ele próprio, grande amante da Música, cantor, pintor de gabarito, tão impressiva foi a marca da sua atitude e actividades que ainda hoje é lembrado sob o epíteto de 'Rei Artista' que lhe atribuiu o escritor António Feliciano de Castilho.
"(...) Pobre artista! Pobre rei!" É com esta exclamação que Ramalho Ortigão termina o texto subordinado ao título "O Rei D. Fernando".* Estas palavras são precedidas por vinte páginas de uma homenagem que, passados cento e vinte dois anos sobre a sua escrita.
Trata-se de um texto e pretexto para que os portugueses melhor se reconheçam, quando lhes dá para o farisaísmo, mesquinhez, ordinarice, inveja, na acabada demonstração da incapacidade de se organizarem à volta dos seus mais autênticos interesses.
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Animação da Leitura...
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Quem ainda não leu aquelas estupendas linhas de "As Farpas" e julga conhecer a grande e a pequena História de Sintra, em especial no que se refere ao legado da Pena, não sabe o que tem andado a perder.
Ramalho Ortigão escreveu-as, «a quente», na sequência da morte do Senhor D. Fernando, reagindo à hipocrisia de uma data de ignorantes que, ao fim e ao cabo, ainda andam por aí... Ou ainda não terão notado? Verão a razão que me assiste quando as lerem.
Uma das maneiras para melhor comemorar a efeméride, não tenho a mínima dúvida, passa pela leitura de texto tão recomendável, que tanto proveito e gozo estético proporcionará a quem seguir o concelho deste humilde escriba que se atreve, não só ao beija-mão real, mas também à evocação de um dos melhores escritores de oitocentos. Nos dias que correm, passe a presunção, não é façanha menor...
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Animação da Música...
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Mas ainda não vos deixo sem outra recomendação que, aliás é suscitada pela leitura que recomendo: "(...) E, instalando-se num fauteuil, ao fundo da sala de música, [D.Fernando] cantou-lhe ao piano, à mais larga expressão elegíaca da sua extensa voz de baixo cantante, A Criação, de Haydn (...)"
Ouçam essa outra obra-prima. Mesmo que já conheçam a oratória "A Criação", não deixem de repetir. Dêem-se ao luxo de participar naquele momento sublime da História da Música que cioincide com a fracção de Tempo em que, no Espaço do caos, a luz se fez. O grande Haydn, introduzido pelo próprio Mozart na Maçonaria, deixa nesta obra o seu mais alto contributo para o brilhante acervo artístico da Augusta Ordem. Ouçam. Repitam.
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...e Animação da Arte, em geral
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Mas, por favor, nada de misturas. Em primeiro lugar, leiam. Depois, escutem a música. Não façam como tanta e tão boa gente, que afirma precisar da Música como «fundo» para a concretização de outras actividades culturais, como a leitura da Literatura, por exemplo.
Se querem saber, eu sou completamente contra. É que, enquanto formas de Arte, tanto a Literatura como a Música são tão exigentes de concentração, que o 'leitor-simultaneamente-ouvinte', mesmo de obras literárias e musicais 'afins', com certeza, perderá inúmeros aspectos de uma e outra...
Hoje, em memória de um «pobre Rei», em memória de um «pobre Artista», saibamos conceder-nos o benefício da Arte e, muito a propósito, lembremos o horaciano 'carpe diem' que, ao contrário do que alguns consideram bem interpretar, nada tem de aconselhamento à facilidade. E facilidade foi coisa que D. Fernando jamais promoveu embora tivesse sabido muito bem aproveitar os dias da sua passagem «por aqui».
Apenas uma proposta final para vos pôr em sintonia comigo e com D. Fernando II. Como não podia deixar de ser, de acordo com a preferência do homenageado, aqui vos deixo com "A Criação" de Joseph Haydn.
Desta vez, a gravação ao vivo, datada de 1992, na Igreja dos Jesuítas de Luzern, com a Scottish Chamber Orchestra, sob direcção de Peter Schreier, com as vozes solistas de Edith Mathis - soprano, Christoph Prégardien - tenor e René Pape - baixo-barítono.
Ficam com a obra integral, uma das mais fabulosas realizações não só da Música mas também da Arte de todos os tempos, que bem atesta o sofisticado gosto do homem de cultura que era D. Fernando.
Boa audição!
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(*) RAMALHO ORTIGÃO, José Duarte, O Rei D. Fernando, in As Farpas, Obras Completas de Ramalho Ortigão, tomo III, Livraria Clássica Editora, Lisboa, 1969
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NB:
O documentário biográfico "D. Fernando II, Notas biográficas", realizado durante o ano jubilar de 2016, será disponibilizado em data a anunciar pela Parques de Sintra.
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[Ilustr: Rei D. Fernando II]

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