[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Velhos? (I)

A avançada idade de alguém, pleno senhor das faculdades físicas e mentais, vivendo a sabedoria de um quotidiano permanentemente arrimado ao futuro, que vai deixando para trás a longevidade média dos homens, é um verdadeiro fascínio. Assim sendo, não admira que todas as culturas e civilizações o registem, num misto de alegria, respeito e também de avidez perante a certeza do contacto com um saber residual, secreto, eventualmente atingível.
Não trarei aqui as memórias de queridos avós, ainda que muito tivesse para contar, especialmente pelo modo como me ensinaram a perceber queridos e especiais lugares de Sintra, como a Pena, Santa Eufémia, há mais de cinquenta anos. É matéria que ficará para outra ocasião em que me sinta mais propenso à evocação e partilha da «devassa» pessoal.
Eu tive a enorme felicidade de ter privado, ou frequentemente contactado com alguns conhecidos «velhos» portugueses. Com mais de cem anos, os casos de Emídio Guerreiro e Fernando Vale deixaram-me perfeitamente atónito. A última vez em que estivemos juntos, em reunião com mais umas dezenas de amigos, participaram e aguentaram eles quase sete horas de discussões que culminariam numa cerimónia da qual não arredaram pé senão no termo.
O meu (santo) Agostinho
A nível pessoal, no entanto, o convívio que mais me marcou foi o do Professor Agostinho da Silva. De todos os «meus velhos» este foi, cronologicamente, o mais novo, já que faleceu pelos seus oitenta e oito. Enquanto Técnico Superior do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (inicialmente, Instituto de Alta Cultura e, na actualidade, Instituto Camões) e responsável pela promoção das então denominadas Semanas de Cultura, acompanhei-o por todo o país, nos fins da década de oitenta e princípio da de noventa, em sessões de trabalho de animação cultural, com multidões de participantes.
Sempre de comboio, em viagens saborosamente longas, ou nos hotéis, em passeatas pelas cidades e vilas onde nos deslocávamos, mais perto, no Jardim do Príncipe Real, na sua casa, acompanhando o ronronante ritmo do seu gato, tive a sorte absolutamente espantosa de não me ter dado descanso, perante a catadupa de sábio benefício com que, tão prodigamente, me cumulou.
Trouxe-o a Sintra, na altura em que dava os primeiros passos a Escola Profissional de Recuperação do Património, onde eu próprio era professor. Veio conversar com os alunos, numa altura em que era um fenómeno mediático. Nesse dia, muito cedo, por uma lindíssima manhã outonal, fazendo tempo para iniciarmos as lides, naquele terreiro que, na Pena, serviu de picadeiro aos infantes, dizia-me ele do seu sonho de fundar um Instituto do Oriente, na quinta que foi de de D. João de Castro.
lugar ao sonho
Para ele, fundar ou ajudar a fundar e a instalar-se, fosse o que fosse, uns Estudos Gerais, Faculdades e Universidades, era coisa a que estava habituado, ele que alicerçara a fundação de uma impressionante série de Universidades brasileiras. Absolutamente espantosa era a sua permanente formulação de projectos, num dos mais bonitos desassossegos que me foi dado assistir.
O último projecto comum não chegaria a concretizar-se. Em determinada altura, o Prof. Doutor Fernando Cristóvão, então Presidente do ICALP, pensou convidar Agostinho da Silva a deslocar-se ao Oriente, principalmente a Macau. Honrava-me o sábio filósofo, filólogo e poeta, quando afirmava que, só comigo, como seu acompanhante, aceitaria a incumbência. Infelizmente, foi coisa que não chegou a concretizar-se, aliás, como o tal sonho do Instituto do Oriente. Enfim, por vezes, o Destino prega partidas de certa desorientação...
Nas vésperas de qualquer comum deslocação, sempre que nos encontrávamos para afinar certos detalhes, invariavelmente me perguntava, como fazendo parte de um ritual iniciático, se já tinha preparado burel e espada. Era o velho demiurgo dando-me a entender como tais «alfaias» afinal, faziam parte de mim, modestíssimo combatente de nobres causas...

4 comentários:

uf! disse...

Boa tarde. Desculpe entrar sem ser para fazer um comentário. Vinha apenas deixar-lhe um desafio. Para tal, agradeço que leia o post «161 - A. Damásio «Ao encontro de Espinosa», no blog «desabafos de uma prof»
antecipadamente grata

Anónimo disse...

Estimada Tia,
Por favor, quer indicar melhor o endereço do blog que refere? Não o consegui localizar.
Muito grato,

Spirale disse...

Depois de uma curta investigação, aqui está:

http://tiadoptada.blogspot.com/

uf! disse...

obrigada, spirale; de facto, basta clicar sobre o remetente «tia adoptada» e, no fim da página que por aí se abre, clicar em desabafos de uma prof.
gratíssima