Transporte? Público, p. f.
Cerca de meia hora antes do início das aulas, os professores começam a chegar. Levando os carros até ao portão, esperam que a auxiliar de educação ali de serviço, no controlo de entradas e saídas, opere a abertura automática da grande cancela. Rapidamente reconhecidos e, uma vez admitidos, vão ocupando os cobiçadíssimos lugares de estacionamento.
Estamos no início do dia. A partir de determinada altura, esgota-se a disponibilidade dentro do recinto escolar já que, naturalmente, é muito limitada a área destinada ao parqueamento de viaturas. Então, ainda há a possibilidade de apanhar vago algum dos mais dez lugares reservados, na rua de acesso ao estabelecimento de ensino. E depois? O que fazem os outros?
Bem, depois, é a bagunça que imaginam. Não há, nas redondezas, buraquinho que fique livre, com prejuízo do direito dos transeuntes, velhos, crianças, deficientes, a quem não resta outra alternativa que não seja a deslocação pelo meio da rua. Mas não nos esqueçamos dos outros, ou seja, os desgraçados que tiveram a desdita de um qualquer atraso.
A campaínha já tocou. O que fazem esses infelizes, ainda agarrados ao volante, olhando à volta, na desesperada procura daquilo que já sabem não existir? Acabam por atirar com o carro para um lugar proibidíssimo, sujeitando-se às consequências. Eventualmente, ficam dependentes da tolerante benevolência de um agente da autoridade que, com o nacional porreirismo que nos caracteriza, em vez de lhe aplicar a multa respectiva, espera que o prevaricador seja avisado.
Um estigma
Certo é que o período matinal, no início das actividades, atinge um pico de stresse que, nunca definitivamente resolvido até ao fim do dia, se vai atenuando porque os interessados chegam e partem em horários desfasados. Porém, tendo em consideração que professores, auxiliares e técnicos administrativos constituem um grupo com cento e muitas pessoas, noventa por cento das quais se desloca no seu transporte individual, não é difícil imaginar a dificuldade de assimilar a acumulação de tanta confusão.
Repare-se que a maior parte destes profissionais do sector da Educação, reside perto ou relativamente próximo do local de trabalho. Não afirmaria peremptoriamente que toda esta gente poderia dispensar o automóvel. Há casos de flagrante inacessibilkidade que justificará o transporte individual, No entanto, mesmo dentre esses, quantos não poderiam deixar os seus carros, em determinada altura do seu trajecto, tomando o transporte público até ao destino?
A verdade não pode ser escamoteada. Sintra continua a apresentar problemas por resolver no domínio do transporte público. Todavia, apesar de todas as críticas mais ou menos pertinentes, mais ou menos contundentes, não está tão mal servida que não possa enquadrar toda essa clientela que para aí anda, sem um pingo de lucidez, agarrada ao automóvel, na presunção de gozar um conforto que, na realidade, lhe vai custar muito caro, especialmente, na farmácia, em calmantes e antidepressivos...
Acontece que, não só em Sintra, um pouco por todo o país, o transporte público - porque será?.. - está de tal modo conotado com falta de qualidade do serviço, insegurança, desleixo e falta de higiene, que ganhou um autêntico estigma. Em geral, ainda que inconscientemente e, na maior parte dos casos, fruto de manifestos preconceitos, o público relaciona o transporte público com os utentes de mais baixo estrato, os diferentes, os infelizes que, de todo em todo, não têm outra hipótese.
Um exemplo para a mudança
Numa sociedade altamente mercantilizada como a nossa, não há produto, por mais complicadas que sejam as suas características, que se não venda através de boas campanhas de promoção na comunicação social. No caso em apreço, impõe-se a adopção de uma estratégia de publicidade institucional, repartida pelas autarquias do concelho, em articulação com os operadores, demonstrando as vantagens, os benefícios na bolsa das famílias, o ganho de qualidade de vida, o combate à poluição ambiente, etc.
Enquanto assim escrevo, lembro uma campanha extremamente bem concebida, há uma boa dúzia de anos, pela comunidade provincial de Salzburg - portanto, não só a cidade mas toda a região envolvente - precisamente com o objectivo de fomentar o transporte público, para o benefício de uma atmosfera mais sã, mais livre da agressão do monóxido de carbono. É uma realidade que conheço particularmente bem, ano após ano, de há muitos anos a esta parte, pelo que também posso dar testemunho dos resultados.
Recorreram a conhecidíssimas figuras públicas, desde políticos locais e nacionais até actores, jornalistas, académicos, grandes músicos, promoveram concursos com prémios, fizeram grandes ofertas de passes de transporte e campanhas de preços reduzidos, conceberam uma caderneta de pontos cujo preenchimento, com um determinado número de viagens, equivalia à oferta de chorudos bónus, na compra de bilhetes para concertos, na entrada de museus, etc., um sem número de iniciativas que, efectivamente, acabou por conquistar muitos dos que ainda andavam arredados.
É um caso concreto de sucesso que só foi possível na medida em que, como tantas vezes tenho assinalado, se actuou integradamente, articulando todas as entidades públicas e privadas que iriam lucrar com tal campanha. Enquanto, entre nós, não procedermos de modo idêntico, vamos tendo como resultado o cenário de terceiro mundo que os adultos criaram, com que as crianças e jovens se vão deseducando. Tal qual, como na escola que hoje trouxe à baila.
Cerca de meia hora antes do início das aulas, os professores começam a chegar. Levando os carros até ao portão, esperam que a auxiliar de educação ali de serviço, no controlo de entradas e saídas, opere a abertura automática da grande cancela. Rapidamente reconhecidos e, uma vez admitidos, vão ocupando os cobiçadíssimos lugares de estacionamento.
Estamos no início do dia. A partir de determinada altura, esgota-se a disponibilidade dentro do recinto escolar já que, naturalmente, é muito limitada a área destinada ao parqueamento de viaturas. Então, ainda há a possibilidade de apanhar vago algum dos mais dez lugares reservados, na rua de acesso ao estabelecimento de ensino. E depois? O que fazem os outros?
Bem, depois, é a bagunça que imaginam. Não há, nas redondezas, buraquinho que fique livre, com prejuízo do direito dos transeuntes, velhos, crianças, deficientes, a quem não resta outra alternativa que não seja a deslocação pelo meio da rua. Mas não nos esqueçamos dos outros, ou seja, os desgraçados que tiveram a desdita de um qualquer atraso.
A campaínha já tocou. O que fazem esses infelizes, ainda agarrados ao volante, olhando à volta, na desesperada procura daquilo que já sabem não existir? Acabam por atirar com o carro para um lugar proibidíssimo, sujeitando-se às consequências. Eventualmente, ficam dependentes da tolerante benevolência de um agente da autoridade que, com o nacional porreirismo que nos caracteriza, em vez de lhe aplicar a multa respectiva, espera que o prevaricador seja avisado.
Um estigma
Certo é que o período matinal, no início das actividades, atinge um pico de stresse que, nunca definitivamente resolvido até ao fim do dia, se vai atenuando porque os interessados chegam e partem em horários desfasados. Porém, tendo em consideração que professores, auxiliares e técnicos administrativos constituem um grupo com cento e muitas pessoas, noventa por cento das quais se desloca no seu transporte individual, não é difícil imaginar a dificuldade de assimilar a acumulação de tanta confusão.
Repare-se que a maior parte destes profissionais do sector da Educação, reside perto ou relativamente próximo do local de trabalho. Não afirmaria peremptoriamente que toda esta gente poderia dispensar o automóvel. Há casos de flagrante inacessibilkidade que justificará o transporte individual, No entanto, mesmo dentre esses, quantos não poderiam deixar os seus carros, em determinada altura do seu trajecto, tomando o transporte público até ao destino?
A verdade não pode ser escamoteada. Sintra continua a apresentar problemas por resolver no domínio do transporte público. Todavia, apesar de todas as críticas mais ou menos pertinentes, mais ou menos contundentes, não está tão mal servida que não possa enquadrar toda essa clientela que para aí anda, sem um pingo de lucidez, agarrada ao automóvel, na presunção de gozar um conforto que, na realidade, lhe vai custar muito caro, especialmente, na farmácia, em calmantes e antidepressivos...
Acontece que, não só em Sintra, um pouco por todo o país, o transporte público - porque será?.. - está de tal modo conotado com falta de qualidade do serviço, insegurança, desleixo e falta de higiene, que ganhou um autêntico estigma. Em geral, ainda que inconscientemente e, na maior parte dos casos, fruto de manifestos preconceitos, o público relaciona o transporte público com os utentes de mais baixo estrato, os diferentes, os infelizes que, de todo em todo, não têm outra hipótese.
Um exemplo para a mudança
Numa sociedade altamente mercantilizada como a nossa, não há produto, por mais complicadas que sejam as suas características, que se não venda através de boas campanhas de promoção na comunicação social. No caso em apreço, impõe-se a adopção de uma estratégia de publicidade institucional, repartida pelas autarquias do concelho, em articulação com os operadores, demonstrando as vantagens, os benefícios na bolsa das famílias, o ganho de qualidade de vida, o combate à poluição ambiente, etc.
Enquanto assim escrevo, lembro uma campanha extremamente bem concebida, há uma boa dúzia de anos, pela comunidade provincial de Salzburg - portanto, não só a cidade mas toda a região envolvente - precisamente com o objectivo de fomentar o transporte público, para o benefício de uma atmosfera mais sã, mais livre da agressão do monóxido de carbono. É uma realidade que conheço particularmente bem, ano após ano, de há muitos anos a esta parte, pelo que também posso dar testemunho dos resultados.
Recorreram a conhecidíssimas figuras públicas, desde políticos locais e nacionais até actores, jornalistas, académicos, grandes músicos, promoveram concursos com prémios, fizeram grandes ofertas de passes de transporte e campanhas de preços reduzidos, conceberam uma caderneta de pontos cujo preenchimento, com um determinado número de viagens, equivalia à oferta de chorudos bónus, na compra de bilhetes para concertos, na entrada de museus, etc., um sem número de iniciativas que, efectivamente, acabou por conquistar muitos dos que ainda andavam arredados.
É um caso concreto de sucesso que só foi possível na medida em que, como tantas vezes tenho assinalado, se actuou integradamente, articulando todas as entidades públicas e privadas que iriam lucrar com tal campanha. Enquanto, entre nós, não procedermos de modo idêntico, vamos tendo como resultado o cenário de terceiro mundo que os adultos criaram, com que as crianças e jovens se vão deseducando. Tal qual, como na escola que hoje trouxe à baila.
3 comentários:
O tema é muito pertinente e justificará algumas considerações a esse propósito. Os nossos autarcas, por uma qualquer dificuldade fisiológica difícil de identificar, devem estar impedidos de andar nos transportes públicos que nos servem, optando por efectuar quilómetros sobre quilómetros num perímetro entre os Paços de Concelho, Vila Velha, Roseiral e Av. Movimento das Forças Armadas. Claro que, para gáudio de muitos munícipes curiosos, também já vimos o recurso a bicicletas e coche.
Talvez pela comodidade usufruída, não são conhecidas muitas sensibilidades para dotar o concelho de Sintra de transportes públicos adequados, que não deixariam de ter reflexo nos outros cidadãos.
Deixando a rede de Sintra ser má servida por uma empresa que dedica quase o dobro das carreiras diárias a outros concelhos, os nossos autarcas até poderão ser muito estimados pela tal rodoviária, a quem a Câmara paga por mês, só para manter a Sintraline, qualquer coisa próxima dos 2.000 contos. Por outro lado, a EDUCA (certamente com conhecimento da Câmara, já que o Presidente da edilidade também tem o chapéu da sua Presidência) também efectua uma comparticipação para os transportes escolares, que se diz ser próxima dos 13.000 contos (gosto de falar nesta moeda), sucedendo que muitos alunos acabam por regressar a casa a pé ou com os pais a ir buscá-los à escola...por não haver carreiras ajustadas.
Outro ponto interesante e apreciar é que algum abaixo-assinado dos utentes que seja entregue na CMS tem efeitos tão próximos do caixote do lixo, que nem é bom falar.
Decorre daqui um conjunto de situações colaterais, sabendo-se que há pessoas que utilizam o carro porque num dos dois trajectos - pelo menos - não tem transportes públicos disponíveis, nomeadamente porque depois das 20 horas os transportes em Sintra acabam. E tanta gente trabalha depois dessa hora e precisa de chegar a casa.
Existirão casos exagerados, sem dúvida, mas agora pensemos de outra forma: quem sai de casa por não ter transportes públicos é penalizado de outra forma, não ter onde o estacionar. Vai daí, entra no IC19 e é aquele pandemónio louco, cada vez mais congestionado, em que não há alargamento que nos valha. Acredite, como eu gostaria de ver os nossos autarcas cansados para resolver o problema. Tal como se não vê a solução para o estacionamento em Sintra.
Saloio, Caro amigo,
O seu texto é de tal maneira pertinente que tenho muita pena não poder ser partilhado senão pelas pessoas que acedem a este blog. Isto dá-me vontade de arranjar maneira de, mais tarde, publicar em suporte papel estas linhas.
Muita da nossa qualidade de vida, muitos anos de desconforto, de acidentes, de poluição ambiental, decorrem da flagrante inépcia dos decisores políticos actuarem de acordo com o mandato que lhes conferimos, nas sucessivas eleições em que participamos.
Enquanto não entrarmos numa etapa mais eficaz do controlo dos eleitos, continuaremos a sofrer as consequências da inércia.
Um abraço,
João Cachado
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