[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Maria Barroso Pro Dignitate


Faço parte de um grupo de trabalho cujos propósitos ontem me levaram ao contacto com a Dra. Maria Barroso, na Fundação Pro Dignitate, sediada nas instalações do edifício adossado à lateral esquerda da fachada da Basílica da Estrela, onde outrora funcionaram os Serviços Cartográficos do Exército.
Foi uma inteira manhã de diálogo prenhe de referências a valores fundamentais da intervenção para a cidadania, à defesa dos Direitos Humanos, à luta pela causa da Liberdade, à inevitabilidade do diálogo para a resolução dos grandes diferendos políticos, no raro privilégio de, mais uma vez e na primeira pessoa, poder escutar a afirmação de uma vida que continua a pautar-se por estes grandes princípios, em todos os lugares do mundo, em todas as instâncias onde for preciso dar testemunho.


Uma das marcas que mais impressiona nas palavras desta senhora que comunica com a elegância de um discurso fluente, bem construído, sabiamente lúcido, é a redonda serenidade, sem a mínima ponta de jactância, como afirma o caminho que tem trilhado desde a mais remota meninice.
A Dra. Maria Barroso é um caso muito sério de lutadora que, em todas as etapas da vida, soube estar à altura das circunstâncias, se necessário com risco da própria segurança física, assumindo liminarmente a perspectiva de que a dignidade das atitudes faz História. Por isso, a sua máxima exigência pessoal, para que o espelho da História que, tão discreta como decisivamente, ajudou a construir, apenas possa devolver uma imagem autenticamente nobilitada.


Vigiada, perseguida, exilada, impedida do exercício da sua própria profissão de docente, obrigada aos maiores sacrifícios e desconforto, nas suas palavras, no olhar doce, sereno, nada subsiste que possa remeter para qualquer resquício de animosidade confundível com sentimentos mesquinhos, totalmente incompatíveis com a sua grandeza de alma.
Isto escrevo, com a emoção de poder aplicar a força das palavras tão apropriadamente. Não é assim tão frequente quanto se possa pensar... Isto escrevo, infelizmente, sem poder afirmar que toda a gente o sabe. A verdade é que há uma enorme multidão de cidadãos para quem a História do período negro da falta de Liberdade em Portugal não diz praticamente nada. E isso é tanto mais triste quanto são os jovens que mais o ignoram.


Razões mais ou menos óbvias nos têm impedido de fazer passar essa mensagem. A comprovação do facto não nos conduz só à inevitável preocupação. É que, se não o fizemos, se não temos feito o trabalho que nos compete junto das novas gerações, então não soubemos transmitir o que mais nos pode orgulhar no passado recente. Isso não é apenas preocupante, é quase um inqualificável desleixo que pode custar muito caro...


A verdade é que houve gente, afinal a maioria da população, que se acomodou à situação da falta de Liberdade. A verdade é que houve uma ínfima minoria de pessoas que se incomodou e arrostou com as pesadas consequências dessa atitude inconformista. O orgulho de pertencer a esse grupo sempre renasce quando me encontro com um conhecido cúmplice. Ontem, mais uma vez, me calhou a Dra. Maria Barroso. Que privilégio!

2 comentários:

Anónimo disse...

Grande Mulher!

Parabens pelo seu artigo que li hoje no Jornal de Sintra. Já o tinha apanhado aqui no blogue e comoveu-me muito. Quem está a escrever isto é a minha neta que me chamou a atenção que, infelizmente, não entendo nada de computadores.
Tenho oitenta e um anos, a idade da Maria Barroso. Vi-a representar no D. Maria e, como sou mulher de esquerda, sempre soube o que foi a vida dela.
Tem muita razão. Eu também não percebo como é que a mocidade hoje desconhece este passado de lutas e sacrifícios para que Portugal possa viver em Liberdade.
Bem haja.

Isaura Rodrigues Castro

Sintra do avesso disse...

Srª D. Isaura,

Muito obrigado pelo seu interesse nos meus escritos.Somos muitos os admiradores desta grande mulher. São muitos os de esquerda que lamentam o facto de os jovens desconhecerem a História da resistência às manobras mais sinistras do fascismo que por aqui passou.

Hoje em dia é lamentável que tantos jovens ignorem, por exemplo, como a sua liberdade individual, pela qual nós lutámos, está a ser posta em causa por determinados mecanismos de controlo mais ou menos sofisticados. O combate pela Liberdade, actualmente, tem outras armas mas é sempre o mesmo, não é?

Muito obrigado, mais uma vez. Também agradeço à sua neta. Para ambas um abraço do

João Cachado