[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Muito alta tensão

Creio não haver quem não se sinta mobilizado a favor dos munícipes de Sintra, residentes na Freguesia de Monte Abraão, perto de cujas casas passam uns cabos de energia eléctrica que, tudo leva a crer, estarão induzindo nefastas consequências para a saúde. Como era de prever, por um lado a comunicação social e, por outro, os oportunistas políticos, têm feito o trabalho do costume, suscitando as habituais emotivas reacções.
Quem não se sente... Há sintomas, dores, incómodos e desconforto de toda a ordem. Há síndromes. Há estudos, uns mais outros menos credíveis. E, no meio de tudo isto, também deve haver muita ignorância à mistura. Enfim, uma explosiva mistura que, não só no nosso concelho, mas também, por exemplo, em São Bartolomeu de Messines, suscitou o movimento dos cidadãos, à porta da REN, ou no átrio do Tribunal.
Só alguém muito distraído se surpreenderia com o descontentamento, a luta na rua, que era perfeitamente previsível, bastando ter tomado atenção à evolução do estatuto da EDP até à constituição da REN, que acompanha e fielmente reproduz o evoluir da situação política nacional, para bem entender o que está a acontecer.
Se quisermos encontrar a responsabilidade última deste descontentamento, não deixaremos de concluir que o poder político democrático, umas vezes afecto ao PSD e outras ao PS, deixou que um serviço como o da distribuição da energia eléctrica, inequivocamente estratégico, tivesse caído na cega lógica dos interesses de mercado, ou seja, a lógica dos interesses dos investidores.
Hoje em dia, a REN é uma empresa, cada vez mais afastada dos interesses dos consumidores de energia eléctrica que, em última instância, são os seus clientes e razão da sua existência. Era inevitável que assim viesse a a contecer uma vez que, como todos sabemos, a coincidência dos interesses do mercado com os interesses dos cidadãos anónimos é coisa rara.
Em alternância, os decisores macro, vulgo PSD e PS, vão colocando no concelho de administração os gestores portadores dos respectivos cartões de acesso. Naturalmente, muito ingénuo é quem pensa que aqueles serventuários ocupam tais lugares para defesa dos interesses dos consumidores. Estão lá para esticar o cabo, o mais possível, até que uma cegonha cause um monstruoso apagão... Estão lá também para que, com baixa, alta ou muito alta tensão, e doa a quem doer, o cabo percorra o menor espaço possível desde a central até à lâmpada...
In loco, a cena é tão edificante quanto costuma dar origem o quadro de suburbanidade, mais ou menos clandestina ou recém legalizada, em que são pródigas estas zonas mais ou menos cimentadas, de prédios a fugir atrás ou à frente dos montes... Isto é, junto às casas dos suburbanos desgraçados por onde, despudorada e avidamente passam os tais cabos do desassossego, afadigam-se os peões do nível micro...
Com inusitada sede de protagonismo, manipulando o natural descontentamento dos cidadãos, capitalizando tal investimento para futuras oportunidades, insinuando-se como imprescindíveis actores - todavia não passando eles mesmos de títeres nas mãos dos efectivamente poderosos - os decisores micro deste jogo de interesses fazem o seu imprescindível trabalho de sapa.

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