[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 18 de março de 2008

O enterro de Mozart (II)

Depois da introdução, no primeiro dos artigos desta pequena série em que, à guisa de revisão da matéria, voltei a pôr em comum alguns dos conhecimentos que já tinha tido oportunidade de partilhar com os leitores em anteriores ocasiões, começaria por acrescentar que não é estranho nem problemático que a morte de um grande artista tenha suscitado um tal interesse, ao ponto de estar na génese de outras obras, desde o fim do século dezoito até à actualidade.

A verdade, os factos e os artefactos

A Arte – e nela incluída literatura, o teatro, a música, o drama lírico, o cinema - sempre produziu artefactos, total ou parcialmente inspirados em factos reais e ficcionados. O único e substancial problema é que o grande público, especialmente a partir do filme de Forman, passou a consumir como facto – real, verdadeiro, biográfico – aquilo que não passa de artefacto.

Daí, ter-se-me imposto o grato dever de esclarecer os meus leitores dos artigos de cultura musical, acerca da verdade dos factos. Em resultado de investigações, mais ou menos recentes, vai sendo possível fazer a tal desconstrução que referi, para reconstruir o que é forçoso seja por todos partilhado, isto é, a biografia limpa de contributos romanceados, que só têm prejudicado o entendimento do homem e do artista absolutamente fascinante que Mozart foi enquanto paradigma do génio.

O funeral deu origem à fantasia que mais flagrantemente entra pela porta da verdade, de tal modo se entranhando nesse sagrado território, que passou a ser considerada efectivamente verdadeira, embora possa ser desmistificada com a maior facilidade. É esse o objectivo deste artigo que, para o efeito, se socorre de uma espalda histórica, cerca de dez anos anterior à morte do compositor.

Entremos, pois, na análise de factos concretos. De todos os decretos publicados no tempo do Imperador José II, aqueles que provocaram reacções mais violentas por parte da população - cujos costumes e tradições foram pura e simplesmente ignorados – terão sido os referentes às práticas religiosa e aos novos regulamentos para os funerais.

Protótipo do déspota iluminado, o monarca governava na paternal presunção de que decidia bem e, naturalmente, para benefício dos súbditos. Nesse contexto, em 25 de Janeiro de 1782, José II fizera publicar uma nova tabela de preços dos ofícios religiosos, para as classes média e baixa de Viena e das circunscrições administrativas dos subúrbios. Vamos deter-nos um pouco nesta legislação para tentar indagar que espécie de verdade subjaz à lenda de um enterro que não passa de grosseiro embuste.

(continua)

1 comentário:

Anónimo disse...

parabéns! pelas sessenta primaveras (bem sei que gostas é de chuva, mas quem nos tira os cheiros da primavera em sintra?). e parabéns pelas novidades no blog, junta tudo e faz um livro sobre o mozart, sim? estudaste tanto! muitos beijinhos
rita