[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 19 de março de 2008

Enterro de Mozart (III)

O vil metal

A tabela em questão tinha sido inspirada num decreto análogo, destinado ao Arquiducado da Baixa Áustria, nos termos do qual um cidadão com bens, independentemente da sua classe social, poderia optar, entre as diferentes categorias de preço, conforme lhe aprouvesse, “(…) de tal modo que ninguém fosse obrigado a pagar despesas superiores às que, livremente, tinha escolhido (…)”.

Os pobres, cuja situação podia ser documentalmente atestada, por declaração ajuramentada ou por um juiz, não tinham de pagar quaisquer despesas. Por outro lado, as classes altas eram obrigadas a despender o dobro do total dos preços estabelecidos. Por altura da morte do compositor ainda vigorava a tabela em questão. Foi Gottfried van Swieten quem se encarregou de tratar do enterro de terceira classe que importou em oito Florins e cinquenta e seis Cruzados.

Se tivermos em consideração que cada Florim tinha sessenta Cruzados, pode afirmar-se que as despesas foram de quase nove Florins. Por outro lado, para que se fique com uma ideia aproximada da equivalência actual dos valores em causa, cada Florim valia cerca de trinta e cinco Euros. Portanto, o enterro teria custado trezentos e quinze Euros, ou seja, apenas um pouco menos que o ordenado anual pago por Wolfgang Mozart e sua mulher Constanze à criada Liserl Schwemmer, em 1784.

Avanço com estes pormenores porque correspondem a matéria investigada, absolutamente inequívoca. Mas não introduzirei mais valores e equivalências à moeda hoje em circulação porque sempre haverá grandes discrepâncias. No entanto, reparem. Se o vencimento da empregada fosse actualizado, mesmo em termos do ordenado mínimo nacional (português…), para se estabelecer o termo de comparação com o enterro, teríamos 450,00 Euros/mês x (apenas) 12 meses = 5.400,00 Euros!...

A propósito, um pequeno aparte para perceber como, em Viena, os grandes artistas eram apreciados e bem pagos. Por exemplo, um soprano tão conhecido como Nancy Storace - a quem Mozart dedicou a famosíssima ária de concerto Ch’io mi scordi di te?... Non temer, amato bene, K. 505 - recebia quatro mil e quinhentos Florins, em 1787. Num único evento, um bom solista podia ganhar tanto como quatrocentos e cinquenta Florins!


Cortejo fúnebre e cerimónias religiosas

Voltemos ao cerne da questão. Tendo em consideração as normas da praxe, é perfeitamente possível reconstituir o cortejo fúnebre da tarde de 6 de Dezembro, no percurso entre a casa da Rauhensteingasse onde Mozart morreu e a Catedral de Santo Estêvão. À cabeça, o porta crucifixo seguido pelos quatro homens com o caixão, coberto por tecido negro do cerimonial, flanqueados por mais quatro acólitos transportando lanternas.

Constanze estaria acompanhada por outros membros da sua família (Weber). É dada como certa a presença de Johann Georg Albrechtsberger e dos alunos do compositor, Franz Jacob Freystädtler e Otto Harwig que, assim o confirmaram. Anselm Huttenbrenner, aluno de António Salieri, afiançou que o seu mestre participou na cerimónia. Finalmente, como não podia deixar de ser, Franz Xaver Sussmayr, o aluno de Mozart que terminou o Requiem após a morte do compositor, também se incorporou.

Conhecem-se todos os pormenores da encomendação da alma, através da compilação dos rituais do ano de 1791, da autoria de Johann Schwerding, sabendo-se que, de acordo com a designação de então, o caixão foi deixado a descansar numa capela mortuária da catedral de Sto Estêvão, aguardando o transporte, em carreta fúnebre puxada por dois cavalos, para o cemitério de São Marcos, cujo aluguer custou mais três Florins.

Mozart foi enterrado numa campa individual vulgar (allgemeines einfaches Grab), designação segundo a qual, a palavra vulgar (allgemein), nos termos da prática na era Josefina, não equivale a comum ou comunal (gemeinschaftlich). Não se tratava de uma campa de pobre no sentido da vala comum. Era, isso sim, uma campa simples que, ao contrário do jazigo, não concedia o direito de propriedade, podendo ser removida e reocupada após dez anos. Esta a verdade.

(continua)

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