Seteais, tristes dias
O Grupo Espírito Santo, integra a rede dos hotéis Tivoli da qual faz parte a unidade de Seteais de que é concessionário. Muito naturalmente, por estar a beneficiar de uma campanha de obras que decorrerá até Janeiro ou Fevereiro de 2009, foi encerrado o Palácio.
Em inúmeras oportunidades, já tive oportunidade de lembrar, neste mesmo blogue, não sei quantas vezes no Jornal de Sintra, na Assembleia Municipal, através de várias mensagens dirigidas aos Senhores Presidente e Vereador do pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Sintra, como é inadmissível a decisão do hoteleiro de impedir o acesso ao recinto que não faz parte da concessão.
Trata-se de atitude de manifesta prepotência que, não só ofende um direito consuetudinário pelo qual o povo de Sintra tem lutado desde os primeiros anos do século dezanove, como também agride a nossa própria inteligência, na medida em que se espalda no esfarrapado pretexto de não arriscar a segurança de pessoas alheias a uma obra que pode decorrer, perfeitamente compatível com a continuidade das visitas.
Fracos resultados
Desconheço o resultado alcançado pela minha sugestão de envio de mensagens de repúdio aos autarcas, sugestão oportunamente secundada pela associação Alagamares e Jornal de Sintra. Se bem entenderam, a intenção era dar a força bastante aos edis para melhor se sustentarem nas negociações com o abusador. Aliás, mal se compreende que seja necessário negociar aquilo que, afinal, apenas se reduz à reposição da situação vigente até ao encerramento…
Apesar do desconhecimento daquela iniciativa, pode concluir-se, depois de um já tão longo período de encerramento, a grande dificuldade da autarquia em fazer cumprir a promessa do Senhor Vereador da Cultura quando, no dia 28 de Março, data da minha intervenção na Assembleia Municipal de Sintra, anunciou ter avocado o assunto. Presumia-se uma rapidez de actuação e resultados imediatos. Infelizmente, como é patente e notório, assim não aconteceu.
Tendo em consideração que, para alcançar o efeito desejado, forçoso é que nos socorramos de todas as instâncias, directa ou indirectamente relacionadas com o assunto, gostaria de informar que, em contacto com os gabinetes do Ministro da Cultura, do qual depende o IGESPAR (entidade envolvida no acompanhamento da obra em curso) e do da Educação, na medida em que os estudantes do Ensino Secundário constituem a maioria dos visitantes de Seteais, solicitei a intervenção dos respectivos titulares.
Lições evitáveis
Pequeno parêntesis para dar conta de um episódio ocorrido no passado dia 30 de Abril, junto aos encerrados portões de Seteais. Estavam cerca de duzentos jovens, cento e quarenta dos quais provenientes de Gondomar, acompanhados pelas respectivas professoras, que se tinham deslocado expressamente para visita a Seteais e à Regaleira. Manifestamente descontentes, afirmavam não compreender as invocadas razões de segurança, pois estava bem à vista de todos como a visita era perfeitamente compatível com os trabalhos em curso.
Como ali passo todos os dias, posso testemunhar que cenas congéneres se repetem constantemente ainda que não seja frequente um tão grande ajuntamento. Alunos e professores, ali mesmo, antes do meu contacto, lamentando o que está a passar-se em Sintra, já tinham decidido apresentar o devido protesto. Por todas as razões e mais esta, é lamentável que Sintra esteja a proporcionar uma imagem tão desagradável.
Estes jovens e todos os cidadãos que ali se deslocam, são confrontados com uma triste lição de incapacidade do exercício da autoridade democrática. Pelos vistos, como se ainda fosse necessário prová-lo, um poderoso grupo financeiro, em pleno século vinte e um, consegue provocar esta situação de manifesta ofensa a toda uma comunidade, num Estado que se afirma Democrático de Direito.
É coisa duplamente triste, porquanto, neste país em que tão poucos são os consumos de bens culturais, ainda há que contar com tal tipo de manigâncias. Dizem os mais descrentes que, no final das obras em curso, o Grupo Espírito Santo acabará por apresentar, como facto consumado, o definitivo encerramento do terreiro de Seteais. Quero e continuo a acreditar que não vamos deixar que isso aconteça realmente.
Mas, só por uma questão de orientação, relativamente ao futuro imediato, gostava de perceber até que ponto estão dispostos a manifestar o vosso direito à indignação e, portanto, a lutar por causa tão simbólica como evidentemente justa. Digam e escrevam de vossa justiça!
4 comentários:
O Blogue "Rio das Maçãs" que, com pertinência, tem abordado também o assunto da proibição do acesso aos Jardins do Palácio de Seteais, publicou hoje um interessante post, com elucidativa fotografia de um evento realizado em 1928 no Campo de Seteais, provando que, o mesmo, ERA e DEVE CONTINUAR A SER DE USO PÚBLICO. http://www.riodasmacas.blogspot.com/
Por esquecimento, não assinei o comentário anterior.
emília reis
Minha Cara Emília Reis,
Muito obrigado por me ter chamado a atenção para o post de hoje do Rio das Maçãs. Aliás, o Pedro Macieira tem dispensado ao assunto o espaço que, efectivamente, merece.
Como calcula, continuo muito triste com esta história. É tão simbólica e sintomática que bem ilustra o estado da democracia em que vivemos. Por um lado, grandes abusos dos mais poderosos. Por outro, a quase geral apatia dos cidadãos que tudo admitem como uma fatalidade. E os eleitos que se demitem do exercício do poder e da autoridade que legitimamente detêm...
Bem sei que a Emília não é pessoa para cruzar os braços. Eu também não e, felizmente, temos cúmplices por aí. Olhe o caso da Alagamares que, para todos os efeitos, é a verdadeira Associação de Defesa do Património de Sintra.
Não acha que, a propósito de Seteais, é preciso promover alguma iniciativa de mobilização popular, talvez envolvendo os estudantes das escolas de Sintra, uma acção que arranque esta gente do marasmo em que se deixou abater?
Vamos pôr a circular a ideia?
Um abraço do
João Cachado
Eu penso que o Dr.Fernando Seara vai ter que responder às pessoas que o interpelaram, por escrito, sobre o assunto do Campo de Seteais.
Para o caso de isso não acontecer brevemente, poderemos, aqueles que se têm envolvido na denúncia, pedir ao senhor Presidente da Câmara que nos receba. Um ano é muito tempo. Que diligências efectuou a Câmara junto da Sociedade concessionária do Hotel para que seja cumprida a obrigação 4ª. da escritura de aforamento de 1801 que diz expressamente que:
“as sobreditas portas francas e publicas do referido gradeamento do mesmo campo que derem serventia para a entrada e sahida do dito paceio publico serão construidas de tal forma que sem dependência alguma possam entrar e sahir por ellas todas as pessoas que delle se quizerem servir e utilizar, sem nunca em tempo algum estarem fechadas com chave, ferrolho, cadeado ou outro fecho semelhante”,
- perfeitamente conciliável com uma estratégia de segurança das pessoas que visitam aquele espaço?
Foi para que este direito lhes não fosse negado que se bateram os habitantes da Vila de Sintra em 1801, 1897 e 1934, apoiados pelos respectivos presidentes da Câmara da altura.
Não se trata de um capricho ou de uma embirração. Trata-se de honrar, também, a vontade daqueles que nos precederam.
Só como curiosidade adianto que, através da acta da reunião da Câmara de 6 de Outubro de 1897 ficamos a saber que, a Comissão que representou os habitantes da Vila que se insurgiram contra a tentativa desse ano foi constituida por alguns dos mais importantes comerciantes da altura, entre eles o fundador da Papelaria Camélia e, também, o dono do Hotel Nunes, um dos fundadores da Sociedade União Sintrense e, até, o que era nesse tempo o administrador do Palácio da Pena - (José Alfredo da Costa Azevedo cita-os todos pelos seus nomes nas Velharias de Sintra II ). Em 1934 o próprio José Alfredo interveio e conta que chegaram a tocar o sino a rebate só por ter constado que o acesso ao Penedo da Saudade estava vedado com uma cancela.
Ora, o acesso ao Penedo da Saudade já o perdemos na década de noventa - por ocasião de obras, também efectuadas pelo actual concessionário do Hotel, nas traseiras do palácio. O espaço foi, nessa altura, ajardinado e fechado com portão e grades.
Quanto à fraca participação e apatia dos cidadãos, também isso me deixa muito triste. Mas, só se pode defender aquilo que se CONHECE e se AMA...
A Alagamares escreveu no seu blogue em 4 de Maio, a propósito da pouca participação dos portugueses em associações cívicas ou outras, o seguinte:
“Democracia não pode ser só formal. Depois não se queixem! O medo de ser livre provoca o orgulho de ser escravo”.
Eu estou de acordo.
emília reis
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