Lixo do centro histórico (II)
Na passada segunda-feira, dia 5, subordinado a este mesmo título, publiquei um texto cujo tema tinha a ver com o lixo, propriamente dito, em sentido restrito, texto aquele cuja abrangência, no entanto, é bastante mais vasta. Exactamente por isso, na edição do Jornal de Sintra que sairá amanhã, dia 9, lixo é palavra que aparece em itálico. Porque, na verdade, se trata de outro o lixo que, a partir daquele primeiro artigo, referirei neste e nos seguintes escritos, sempre a propósito do mesmo local.
Começo por onde mais me convém. Vindo da Volta do Duche, quem chegar à esquina definida pela Igreja da Misericórdia e, aí mesmo, antes de atravessar o largo, olhar para o telhado do prédio onde está instalado o Café Paris, logo começará a entender a que outro lixo eu me refiro. Aquela coisa periclitante, afavelada, é um verdadeiro desafio à incúria e à pouca vergonha…
Quer dizer, tanto a nível nacional como internacional, será muito difícil que, no enquadramento de centros históricos congéneres, a incúria, o despudor ou pouca vergonha, alguma vez tenham alcançado um nível tão degradante. Porém, na continuação da aproximação ao nosso Terreiro do Paço, se observar bem as fachadas frontal e lateral desse mesmo edifício, certamente que não deixará de se aperceber de outros pormenores inquietantes.
Muitos dos vidros que deviam estar naquelas janelas estão partidos ou foram substituídos por película plástica negra, mais ou menos encarquilhada, acinzentada pela poeira. Tanto quanto julgo saber, trata-se de um produto que passa por boa solução, quando utilizada em estufins, como estratagema para evitar o crescimento de ervas infestantes. Ali aplicada, é um completo desatino, confundindo-se com coisa própria de bairro de lata.
Por muita volta que dê às meninges, não consigo perceber como, naquele nobre local de Sintra, se pode oferecer espectáculo tão indecente. Pergunto como se consegue compatibilizar a tão patente degradação deste prédio, discreto mas interessante, com a cafetaria, pretensamente sofisticada, que ali abre portas, acolhida à protecção daquelas duas árvores que, estrategicamente implantadas, tanta miséria ajudam a cobrir…
Estou convencido de que, a habitualmente cosmopolita e descuidada clientela, em gozo de merecido lazer, mal lhe passa pela cabeça a possibilidade da existência de semelhante realidade turística, num dos locais de Portugal de maior fama no estrangeiro. Ah, coitados, se soubessem o que a casa gasta!... Se soubessem como a cultura do desleixo, à portuguesa, é tão pródiga nestes manifestos de dona de casa relaxada e porcalhona, que esconde debaixo do tapete a sujidade que dá mais trabalho a limpar…
(continua)
PS:
Façam o favor de ler a pergunta que me formulou um anónimo, na sequência do mencionado texto do dia 5 e, naturalmente, a resposta que lhe devolvi. Obrigado.
2 comentários:
Meu caro João Cachado,
Arthur Miller escreveu um dia "Já não crer em nada, não é dificil. Crer ainda em alguma coisa, isso é que custa".
Tantos exemplos que temos da nossa Sintra, apenas podem garantir que vivemos num mundo autárquico onde o espírito anda bem longe.
O João Cachado vive noutro mundo, do património abstracto, onde os sentimentos são quase contrários ao que dos responsáveis se esperava.
O Poder é um privilégio e ao Povo restará ser grato a quem o desacreditou. Olhe em volta e conte, conte mais uma vez, quantos estão ao seu lado nestes dias?
Portanto, não tem razão. Aquele lixo, aqueles vidros, aquele nojo não têm responsáveis, porque estão institucionalizados. É a marca de quem nos dirige e, contra marcas destas, não há argumentos.
Tudo vai sendo feito para o seu bem, para o bem de todos aqueles que resistem a ser despolitizados.
No fundo, o silêncio das respostas pouco mais poderá representar do que o incentivo à desistência, remetendo os incómodos para a prateleira dos irracionais.
Termino a recordar umas palavras de Laurence Wylie em "Les Famillies Politiques Aujourd'hui en France": "Eu não faço política, prefiro continuar a ser honesto".
Um abraço,
Meu caro amigo Fernando Castelo,
O seu comentário é tão rico de impressões pessoais, de citações e inerentes conotações que me deixa sem palavras para agradecer tamanha prova de interesse pelo meu modesto escrito.
Acredite que muito me sensibiliza. Todos os dias, lanço determinadas mensagens e a verdade é que espero reacções. Reparo nos números de «visitantes» do blogue e espanto-me com a quantidade. Mas, como sabe, pouquíssimos são os que reagem através de outro escrito. Ora bem. Se, como é o seu caso, reagem com textos de inequívoca qualidade, que representam investimento de tempo, em resposta a desafios cujo teor, na maior parte dos casos, pressupõem uma sempre difícil e incómoda participação cívica, então a minha atitude só pode ser de respeito e de dúvida quanto à possibilidade de estar à altura de tais manifestos.
Mas deixe-me voltar ao seu escrito. Aquilo que o meu amigo dá a entender como lixo institucionalizado, resulta naquilo que, praticamente todos os dias, eu refiro como a «cultura do desleixo». Ela existe, é um mal endémico perante o qual - nós que conhecemos e tanto apreciamos as germânicas, bávaras paragens onde tudo está no avesso do que por aqui nos confrontamos - só podemos ter uma posição: combater até ao desfalecimento. Temos filhos e netos que não compreenderiam se mudássemos de campo de batalha. Ouso escrever por si e por mim porque, tenha paciência, não o vejo de outra maneira...
Aproveito a oportunidade para lhe pedir que leia a minha resposta a um anónimo que, em 9 de Maio, continuava a comentar o meu texto do dia 05. Veja bem ao que umbloger se sujeita: ser desafiado por defensores da Edite Estrela...
Um grande abraço, a amizade e a gratidão do
João Cachado
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