[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A propósito do projecto para Monte Santos

Centro histórico: tratar do lixo

É tempo de concluir a pequena série de textos aqui publicada no mês passado. Não que o assunto se tenha esgotado mas, tão somente, porque considero os casos assinalados como exemplares de um estado de coisas, tão bem tipificado e conhecido da maioria dos leitores que escusado seria continuar a evidenciá-los.

Enquanto área urbana tão característica, julgo valer a pena lembrar que o centro histórico deveria ser mostrada como um conjunto, em todas as suas vertentes culturais dominantes, atravessando sucessivos e bem marcados períodos. Porém, não está devidamente assinalado e, muito menos, como exemplar peça ibérica onde, tão favoravelmente, conviviam as três religiões cristã, judaica e muçulmana.

Três religiões e três distintas culturas correspondiam a três zonas facilmente identificáveis, numa sã vizinhança, inequivocamente demonstrativa de um peculiar modo de estar e de sentir o outro, não aquilo que alguns têm interpretado como tolerância – termo que sempre conterá conotação pejorativa, denunciadora de alguma sobranceria por parte daquele que tolera e de subalternidade de quem é tolerado – mas de perfeita equidade que, fatalmente, se desfez.

Património abandonado

O desconhecimento, a ignorância destes e doutros factos, relativos às nossas judiaria e mouraria, a escassos metros do nobre terreiro, junto ao mais famoso bem patrimonial desta terra, estão a montante das causas que justificam a melhor compreensão do alcance destas despretensiosas notas. Quem não conhece bem, como pode amar um património cuja defesa e preservação se impõem a todo o transe?

Percorrer as mais conhecidas ruas do centro histórico constitui, como não pode deixar de ser, um exercício muito desagradável. Permanecem e, com o correr do tempo, agravam-se as mazelas. O quadro não podia ser de maior desalento. Por um lado, os proprietários dos edifícios que nada fazem que sustenha a degradação e, por outro, a autarquia que, pura e simplesmente, se demitiu do papel que lhe compete.

Tal como se apresenta, tão nefasta «união de interesses» traduz-se pelo consabido conluio contra natura, disseminado por esse país fora que, em Sintra, atinge as raias do inadmissível. Apesar de tudo, seria de esperar um mínimo de decoro, uma certa vergonha em expor, tão às escâncaras, as fachadas e entranhas desfiguradas, sujas, degradadas de tantas casas, os pavimentos de ruas, os passeios e os muros desta histórica área da sede do concelho.

Infelizmente, inegável e bem patente, a situação também corresponde à perda do sentido do pudor que convive com as flagrantes provas de falta de higiene que tive oportunidade de denunciar, ainda que apenas parcialmente. Assim acontecendo, não espanta que a mais nobre zona de Sintra, nas cercanias do Palácio Nacional, se tenha transformado num inominável manifesto de cultura de desleixo.

Hotel Neto e Monte Santos

É neste contexto que permanecem certas provas de uma geracional incapacidade de resolução de questões inadiáveis que, noutras mais civilizadas latitudes, teriam conhecido o adequado desfecho em tempo útil. O Neto, por exemplo, é o paradigma da desgraçada incúria a que tem estado votada esta zona. Aliás, é um caso absolutamente flagrante porquanto, tê-lo recuperado e devolvido à sua inicial vocação de unidade hoteleira, poderia ter contribuído para a resolução de vários problemas.

(continua)

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