Cascais e Sintra,
complementares ou rivais?
Cascais-Estoril, aqui tão perto, constitui uma unidade com tal pujança e evidente afirmação que, com o seu perfil de centro cosmopolita de nível internacional, nada se lhe compara em termos da lusa e modesta realidade. Não surpreende a invejável a qualidade de vida da sede do concelho, se bem que tal não signifique a ausência de dificuldades e contradições, aliás, a exemplo do quadro dos problemas sociais em que é pródiga a periferia de Lisboa.
Os sintrenses, especialmente os que também vivem na sede de um concelho outro, habituados a realidade substancialmente inferior, sabem como o bom viver ali se revela em múltiplos aspectos e, portanto, reconhecem o flagrante o marasmo desta nossa terra que, embora tão próxima, parece pertencer a um diferente mundo.
Desde que perdeu o protagonismo de que gozou até ao fim do primeiro quartel do século passado, Sintra não tem outro remédio senão o de viver paredes-meias com este sofisticado vizinho a meia dúzia de quilómetros de distância. A capacidade hoteleira instalada, o comércio diversificado que ombreia com o que de melhor se encontra por esse mundo fora, a animação a todos os níveis incluindo o cultural, tudo concorre para que, de modo inequívoco, se imponha como o caso mais favorável em toda a zona metropolitana de Lisboa.
Paradoxos e soluções
E a verdade é que, em vez de, a seu favor, capitalizar a vantagem de uma tal proximidade, Sintra tem passado os últimos oitenta anos a roer-se de uma patológica inveja e, como se isso alguma vez fosse possível, na desesperada mira de, um belo dia, poder vir a rivalizar…
A primeira, de entre muitas medidasa tomar, seria assumir o fosso intransponível da oferta de alojamento e contar com ela para seu próprio proveito. Muito pelo contrário, coitada de Sintra, mais não faz do que queixar-se, sistemática e amargamente, contando os minutos e segundos de permanência dos seus visitantes para chegar, como não podia deixar de ser, à mais triste das conclusões.
Atitude muito mais realista, positiva e fundamentalmente estratégica, consistiria em unir ambas as sedes de concelho com um transporte público rápido e expedito, do tipo metro de superfície, permitido cómodas deslocações aos visitantes. Chega a ser aberrante como, durante décadas e décadas, não se privilegiou esta solução, permitindo que milhares de turistas alojados em Estoril-Cascais sem grande variabilidade sazonal, pudessem aceder e permanecer em Sintra por períodos muito mais prolongados, indispensáveis a visitas mais profícuas. Numa altura em que tanto se fala em comboio de alta velocidade é um verdadeiro paradoxo nada se ouvir a tal respeito...
Actualmente, espartilhados que estão pelos desígnios das agências de viagem – que aqui não encontram as defesas e espaldas de que carecem para fazerem valer os seus particulares interesses – os visitantes apenas têm o tempo bastante para dar uma espreitadela ao Palácio da Vila, comer e comprar um pacote de queijadas na Periquita…
Por outro lado, sem parques periféricos para o adequado estacionamento de automóveis particulares e de autocarros de turismo, sem a oferta de um sistema integrado de transportes públicos, Sintra também não consegue deixar-se usufruir com a qualidade que, hoje em dia, estão habituados nas latitudes consideradas civilizadas.
Efectivamente, durante décadas, Sintra acumulou um atraso de tal modo evidente que, não sendo intransponível, exige a adopção de medidas estruturantes que, de modo algum, os munícipes têm sabido exigir aos eleitos locais. Assim sendo, os sucessivos executivos autárquicos, incapazes da concretização de tais soluções, deixam-se mergulhar e, autenticamente, tragar pelo oceano de proporções gigantescas que é este ingovernável concelho.
A governabilidade
Qualquer isento observador rapidamente conclui que os políticos locais abandonaram a sede do concelho, nomeadamente o centro histórico e as freguesias que constituem a jóia da coroa – lugares que rendem poucos votos em termos eleitorais – com o para confrangedor e conhecido resultado que constitua a sua mais descarada declaração de incompetência, num pecaminoso comprometimento do futuro.
Para a economia deste escrito, pouco ou nada me interessa analisar se a paragem da betonização do concelho a que, tão desenfreadamente, se entregou o anterior executivo municipal, foi estancada pelo actual, como estratégia opcional ou fruto de circunstâncias exógenas. A verdade é que se parou. E ainda bem que se parou.
Entretanto, decorreu o tempo suficiente para que, com sentido de Estado, se pudesse ter legislado e concretizado a cisão do grande concelho em duas ou três unidades coerentes e governáveis, nos termos da proposta que eu próprio e outros munícipes advogamos, à míngua dos meios indispensáveis para a geral mobilização que pressupõe uma tal solução.
Decorreram mais sete anos. Retardou-se uma solução que, decisivamente, contribuirá para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos que habitam neste vasto e compósito território. É um adiamento nada conveniente. No entanto, só será de considerar irremediável se não dermos passos consistentes na direcção que, como está demonstrado, não pode ser outra.
Cascais, ao contrário de Sintra, constitui uma unidade territorial cuja escala, apesar de enormes dificuldades, permite a governabilidade da coisa pública, de acordo com uma gestão de proximidade, ainda adequada às intervenções dos decisores públicos em tempo útil. Basta circular por Cascais, Estoril, Parede, Carcavelos e outras freguesias do interior do concelho para perceber os anos-luz que distam das incomparáveis sintrenses...
(continua)
2 comentários:
Caro Dr. Cachado,
Destaco do seu escrito a parte que titula de "Governabilidade" e em particular quando se refere à cisão do concelho em duas ou três unidades.
Está na hora de se suscitar uma discussão alargada sobre este tema e de encontrar um grupo de trabalho que esteja por dentro das regras que possibilitam a cisão.
Em Sintra, sede do Concelho, e nas tais freguesias que rendem poucos votos aos politicos que nos têm "ingovernado" haverá certamente pessoas competentes, honestas e dispostas a dar a cara por um projecto desta natureza.
Ponho a minha assinatura numa lista de apoio a tal grupo.
Jaime Corvo / Colares
Meu caro Jaime Corvo,
Sei que tem acompanhado e é um acérrimo defensor da solução que alguns de nós consideramos conveniente para pôr esta gigante casa na ordem.
O processo é complexo e pressupõe, inclusive, uma Lei da Assembleia da República. É preciso desbravar muito terreno e, portanto, como sugere, a constituição de um gabinete onde se constitua um grupo-tarefa para o efeito.
Que acha o meu amigo de apresentar o assunto à Alagamares?. Como sabe, o presidente da associação, o Dr. Fernando Morais gomes, é homem de Direito, jurista da CMS, ele próprio já tendo promovido um debate público, no auditório dos SMAS, em que o assunto veio à baila.
Se calhar, não é ideia a pôr de lado. Há um outro nosso amigo, o Fernando Castelo que, tanto quanto sei, não estará contra esta hipótese de trabalho. Mas gostava de conhecer a sua opinião.
Aguardo a sua reacção e, entretanto, vai um abraço do
João cachado
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