[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 20 de setembro de 2008

O Imperador da Atlântida
(cont.)


Os fios da teia

Desde as primeiras notas – sol, bemol, mi bemol, la – que há história para contar. Tocadas em solo de trompete, são sons arrancados à célebre sinfonia Asrael, que Josef Suk compôs imediatamente após a morte de sua mulher, filha de Anton Dvorák. A partir de então passou a ser frequentemente interpretada, por altura da morte de alguma importante personalidade checa. Nesta ópera, aquelas quatro notas constituem o tema da Morte.

Temos o Arauto-Altifalante, que anuncia o título da ópera, as personagens e o tema: desgostosa, a Morte inicia uma greve não autorizando que alguém morra. Entretanto, o Arlequim, profundamente desiludido, não pode continuar a fazer rir seja quem for e deseja morrer. A Morte recorda os bons velhos tempos em que a guerra era espectacular, coisa bem diferente das legiões auto transportadas da actualidade. Em nome do Imperador da Atlântida, o Tambor proclama a guerra universal, numa ária cuja introdução é uma paródia ao Deutschland über alles, em tom menor.

E, muito rapidamente, tudo se desenvolve com uma enorme economia de meios e em ambiente de grande contenção. Assiste-se ao desespero do Imperador perante a impossibilidade da morte de quem quer que fosse, mas continuando a conduzir as operações a partir do palácio, sempre ao telefone, cena esta antecedida pelo intermezzo em ritmo de ländler, lembrando o passado vienense do compositor.

Durante a batalha, face a face, estão um Soldado e uma Rapariga que, apesar de inimigos, não conseguindo matar-se um ao outro, acabam por se apaixona. Embora muito se esforce, o Tambor não motiva o Soldado para a guerra. Outro intermezzo, agora lento e fúnebre, conduz-nos ao encontro do Imperador que, ao verificar não lhe devolver o espelho a sua mas, isso sim, a imagem da própria Morte, cede à proposta desta, que estaria disposta e pronta a cumprir o que dela se esperava na condição de ser ele a primeira vítima.

À guisa de avaliação

Estava cheio o auditório ao ar livre montado no adro da capela do Convento dos Capuchos. Toda a gente percebeu que, nesta co-produção, o Ginásio Ópera não poderia ter encontrado melhor interlocutor e parceiro que a Câmara Municipal de Almada para a impecável concretização do projecto. Mais um excelente crédito para o município, cuja actividade cultural é perfeitamente exemplar, bem se destacando em relação à indigência geral.

Este evento foi concebido e acolhido no âmbito das comemorações dos 450 anos do Convento, um dos mais importantes edifícios históricos de Almada e, inequivocamente, verdadeiro ex-libris do concelho. Aliás, durante a récita, atestando quanto a iniciativa fora do interesse do município, esteve presente a Presidente do executivo autárquico, Dra. Maria Emília Neto de Sousa, cuja actuação no domínio da Educação e da Cultura, tem sido positivamente saudada por observadores de todos os quadrantes.

Na realidade, estão de parabéns. Tudo impecavelmente organizado. Havia tradução simultânea, a partir do texto original alemão, da qual se encarregou João Maria de Freitas Branco, professor, filósofo, verdadeiro polivalente, já que, para além de Presidente do Ginásio Ópera, também se responsabilizou pela encenação e concepção cénica, evidenciando momentos muito bem conseguidos, através de uma criteriosa e original selecção de imagens, muito bem articuladas com a acção, numa cabal demonstração da correcção e profundidade da sua leitura.

A direcção musical, de Jean Sebastien Bereau, revelou-se eficaz e escorreita. Quanto à interpretação, a cargo do baixo João Oliveira, no Arauto, dos barítonos Luís Rodrigues e Pedro Correia, respectivamente, no Imperador e na Morte, de Madalena Boleo, meio soprano, no Tambor, Teresa Cardoso Menezes, soprano, a Rapariga e Mário João Alves, tenor, assegurando as personagens do Arlequim e do Soldado, esteve perfeitamente à altura das características e exigências da obra. E de sinal positivo também a intervenção do corpo de baile da Associação Gestos.

Por fim, realizou-se um colóquio orientado pela última detentora do Prémio Pessoa, Irene Pimentel e, igualmente, por João Maria de Freitas Branco onde houve oportunidade de expressar quanto a específica temática do holocausto continua presente, forte e sempre dinamizadora, não só de participação cívica, mas também em todos os domínios afectos ao debate académico, científico e artístico.


(continua)

Sem comentários: