Das razões que facilitam o entendimento do estado do país e do adiado concelho de Sintra
Sistema Educativo
e Concelho Adiado
Se fosse necessário ir em demanda da razão que, em última instância, justificaria o «adiamento» de tantos concelhos deste país, encontrá-la-íamos, quase de certeza, entre as inúmeras contradições do Sistema Educativo em que as crianças e jovens deste país se enquadram.
Em Portugal há um grande número de questões essenciais por resolver, pressupondo o envolvimento do Sistema Educativo que, não sendo problemas exclusivos da Educação, carecem de abordagem integrada, global, portanto, não confinada ao sector que, aparentemente, teria a ver com a sua resolução.
Logo no topo da lista, se agigantam o analfabetismo pleno - que, em Portugal, de acordo com o último Censo, ainda consegue ultrapassar a taxa dos 10% - e os extremamente baixos e preocupantes níveis de literacia. Importa ainda ter presente que, de acordo com o mesmo Censo, 17,8% da população entre os 15 e os 64 anos de idade não possui qualquer grau de escolaridade completo!
Com o objectivo de vos permitir um acesso minimamente facilitado a esta problemática, tenham em consideração que, numa escala de cinco níveis de literacia - desde 0 (zero), o mínimo, até 4 (quatro), o mais elevado
- 10,3% da população adulta portuguesa está afecta ao nível zero (cerca de seiscentas mil pessoas);
- 37% ao nível um (2,3 milhões de indivíduos);
- 32,1% ao nível dois (2 milhões de pessoas);
- 12,7% no nível três (aproximadamente 800 mil pessoas);
- e que, no nível quatro estão apenas 7,9% (cerca de 480 mil pessoas). *
Nada invejável
No contexto de vinte e cinco países da União Europeia, estes são dos mais baixos índices (*), estão em constante articulação e, naturalmente, a nível interno e nas instâncias internacionais, são objecto de comparação com os padrões socioeconómicos e culturais, comuns às sociedades consideradas desenvolvidas a Norte, no centro e mesmo no Sul deste privilegiado continente em que nos integramos.
À luz de tão sintomática estatística,
- como não entender a cultura do desleixo à qual tantas vezes me tenho referido nestas páginas?
- Como não entender a falta de civismo, desresponsabilização, a subliminar economia paralela, aquele tipo de permanentes fraudes do quotidiano viver português, ditado por vidas miseráveis só comparáveis às do terceiro mundo?
- Como não entender a ceifa diária de vidas nas estradas de Portugal?
- Como não entender as horas de adormecimento e entorpecimento social diante do televisor?
Como todos vamos sabendo mas, por vezes, parece esquecermos, aquele quadro de perfeita indigência, está na origem da maioria das nossas razões de queixa, do nosso difícil viver como nação e, quer a montante quer a jusante, continuam a determinar a proverbial falta de auto-estima e desconfiança nas capacidades de cada cidadão e do país em ultrapassar dificuldades tão endémicas.
O Sol e a peneira
Em autêntico desespero de causa, não raro, assistimos a tentativas frustres de certos responsáveis, apontando determinadas soluções alheias como horizonte praticável e panaceia para eliminar as nossas mais gritantes dificuldades. Chega a ser ofensivo para a inteligência de cada um, que políticos, líderes de opinião, jornalistas, se permitam apontar a adopção de estratégias que, supostamente, conduziriam o país ao alcance de resultados próximos de modelos de sucesso como o que, ultimamente, tem acontecido com o caso finlandês.
Na realidade, é possível isolar, descontextualizar um determinado item educacional da sociedade finlandesa e apontá-lo como meta atingível em Portugal ou noutro lado qualquer. Claro que é possível mas não é honesto… Porque os estudantes finlandeses, dos vários ramos e graus de ensino, vivem em contextos familiares completamente diferentes dos nossos, são cidadãos de um país onde não há analfabetismo, onde o consumo de bens culturais está a uma tal distância que nos assalta uma sensação de sofrida vergonha.
Esperar-se-ia que, nomeadamente, os decisores políticos interviessem de modo operacional e consentâneo com as exigências impostas pelo gravíssimo momento que o país atravessa. Nos últimos anos, apenas uma vez me pareceu que um político apontou, com dedo de estadista, uma das feridas resultantes da doença que atinge a sociedade portuguesa, causada por circunstâncias que o Sistema Educativo, em intervenção integrada com outros sectores e sistemas sociais, poderá ajudar a resolver.
Esperança na Educação
Refiro-me a José Sócrates, a quem não posso atribuir o «estatuto de estadista» que, na verdade, gostaria que tivesse o Primeiro Ministro do meu país, independentemente da sua filiação partidária. ** E, para o efeito desta referência, tenho em consideração uma sua intervenção no Parlamento, em 2005, durante a qual se comprometeu, por um lado, com a necessidade de concretizar medidas tendentes ao reenquadramento dos jovens que abandonaram precocemente o Sistema Educativo sem qualquer certificação e, por outro, com a estratégia de desenvolver seriamente o subsistema de concessão de equivalência de escolaridade obrigatória a cidadãos adultos activos.
Com toda a sinceridade, não consigo discernir que estes dois legítimos e oportuníssimos propósitos possam fazer o caminho que todos gostaríamos que acontecesse sem uma outra medida de relevância absolutamente determinante para o futuro de Portugal e de todos os seus concelhos, por enquanto, ainda em vias de adiamento.
Estou a pensar na absoluta necessidade de inverter a situação do ensino Secundário que, actualmente, ainda regista uma taxa de frequência de cerca de 71% nos cursos científico-humanísticos que para mais nada servem senão o imediato acesso ao Ensino Superior. Quem estiver habituado a observar quadros estatísticos acerca do Sistema Educativo e a deles retirar as conclusões mais pertinentes, imediatamente se apercebe de como tal situação compromete o futuro do país.
(continua)
* A Literacia em Portugal, Resultados de uma pesquisa extensiva e monográfica, Ana Benavente (coordenadora), Alexandre Rosa, António Firmino da Costa e Patrícia Ávila, Fundação Calouste Gulbenkian e Conselho Nacional de Educação, Lisboa, 1996.** Em minha opinião, depois de Maria de Lourdes Pintasilgo, nenhum político nacional se perfilou que mereça a designação de estadista.
(artigo de João Cachado publicado no JS,26.05.06)
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