Monserrate,
castigo do sucesso? (I Parte)
Um dia destes, um colega e amigo de Viseu, que se deslocara durante três dias a Lisboa, ao pretender aproveitar o intervalo de certa manhã que, inesperadamente, ocorrera num seminário em que estava a participar, resolveu vir a Sintra, expressamente para visitar as obras de restauro em curso no Palácio de Monserrate.
Lembrava-se ele de ter eu dito que, chegando a Sintra, mesmo que não estivesse para o acompanhar, sempre havia um transporte público para Monserrate, ou seja, aquele comboio turístico que, julgava eu, era coisa adquirida e para manter durante muitos anos e bons. De facto, nas minhas andanças diárias, cruzava-me constantemente com o veículo – até já saudando o condutor – não me passando pela cabeça que acabaria tão rapidamente.
Resumindo, que já vai longa a história, não teve outro remédio o meu amigo senão chamar um táxi para se deslocar até ao palácio e regressar à estação da CP, já que escasso era o seu tempo disponível. Naturalmente, algum objectivo eu tenho ao contar o episódio, que não podia ter acabado melhor, com o homem satisfeitíssimo com o que viu.
Assim é. De facto, há um propósito que rematará a história se alguém me explicar que castigo estarão a expiar a Parques de Sintra Monte da Lua – Monserrate, em particular – para, assim tão acintosamente, lhes terem cortado a possibilidade de serem demandados por visitantes em transporte público. Pergunta simples mas, adivinho, resposta um pouco mais complexa.
Sucesso & Inveja
Ou eu muito me engano ou anda por aqui a reles invejazita do costume. Aliás, a partir do momento em que a empresa, nas mãos do actual Conselho de Administração, apagou o rasto de má memória, deixado pelo consulado do biólogo Serra Lopes, e passou a ser um caso de flagrante sucesso, logo começaram a surgir umas vozes muito preocupadas…
Primeiramente, aqui d’el rei, que estavam a fazer escandalosas clareiras, no âmbito das limpezas florestais. Depois, acabaram por sossegar, rendendo-se à evidência de um trabalho, que está a prosseguir de acordo com um plano meticuloso, realizado por profissionais que se sujeitam ao sério escrutínio dos cidadãos, perante quem se têm disponibilizado para as explicações que se impõem.
Agora é o problema do transporte para Monserrate, com a autarquia, sócia da empresa, cedendo às exigências de um transportador que, afinal, acaba por não concretizar a carreira que reivindicava, com isso prejudicando os potenciais passageiros e as naturais expectativas da PSML. Não acham esquisito? E não acham que é tanto mais esquisito quanto está em execução um dos mais ambiciosos e criteriosos planos de recuperação do património de que há memória em Sintra?
Vem a propósito lembrar as amarguradas palavras de José Alfredo da Costa Azevedo, por exemplo, no fim de todo um capítulo dedicado a Monserrate, a propósito da degradação galopante que ali se verificava há dezenas de anos “(…) E aqui tens, leitor amigo, tudo quanto sei contar a respeito daquilo que foi uma das mais lindas propriedades de Sintra e que hoje, tristemente, em poder do estado, está num abandono vergonhoso, tanto a quinta como o palácio (…) Tem esta história, como Vêem , um final muito triste. Mas a história tem que ser feita com verdade. E, neste caso, não temo qualquer desmentido. É uma vergonha? Mas é mesmo assim!...”*
Hoje em dia, a equipa do Prof. Engº António Ressano Garcia Lamas, inverteu todo este quadro de desgraça. Não só quanto a Monserrate, mas também em relação aos outros lugares afectos à PSML – em particular, com uma especial referência para todo o conjunto da Pena – dá gosto, enquanto munícipe, poder ir acompanhando tão interessante campanha de reabilitação, depois de décadas de descrença em que tudo já parecia irremediável.
Uma campanha alegre
Tenho ido a Monserrate sempre que pretendo inteirar-me do que vai acontecendo. Qualquer dos membros do Conselho de Administração, para além do Presidente, os Drs. Manuel Baptista e João Lacerda Tavares, se têm disponibilizado à partilha da informação, com o prazer que neles se adivinha, uma vez que tudo é consistente, verificável através da obra que, inequívoca e paulatinamente, se vai concretizando.
O mesmo acontece com os técnicos, em particular aqueles com quem mais tenho contado, casos do Engº Jaime Ferreira e Arq. Luísa Cortesão ou Dra. Ana Margarida Oliveira Martins, senhores de um entusiasmo contagiante. Como o paraíso não mora por estas terreais paragens, também toda esta boa gente tem os seus pequenos e grandes problemas de operação. Todavia, como o projecto é deveras mobilizador, vão-se vencendo as etapas, com os resultados visíveis que a comunidade pode aquilatar quando, tal como eu, assim o pretender.
Comecei hoje. Continuarei lembrando o exemplo do José Alfredo que devia constituir referência máxima na actuação de qualquer autarca sintrense. Hoje, repito, em sua memória, o franco elogio à actual Monte da Lua. Infelizmente, não é atitude que possa replicar. Ditoso, porém, seria eu se pudesse enaltecer a acção de alguém capaz de colmatar as misérias que o executivo municipal não conseguiu nem consegue pôr cobro, em especial, no centro histórico…
(continua)
Jornal Sintra, 21.11.08, adapt.
…………………………………
* Obras de José Alfredo da Costa Azevedo – II, Recantos e Espaços, Monserrate, pp. 173-203, Câmara Municipal de Sintra ed., Sintra, 1997
4 comentários:
Caro Professor:
Citando José Alfredo em OBRAS DE JOSÉ ALFREDO DA COSTA AZEVEDO - I pág. 24: "Que espectáculos curiosos e cheios de cor ofereciam as burricadas! Até os burros acabaram! Acabaram, não é bem assim...".
De facto este pensamento resume tudo o que se vai passando na nossa terra. Do mal o menos, acho que o que tem sido feito em Monserrate é bonzinho.
Em dias de Outono como o de hoje é para mim o melhor sitio de Sintra.
Caro Dr. Cachado,
Julgo que foi o senhor que lembrou que a última palavra dos Lusíadas é inveja. Mas o engraçado é que ninguém sente inveja.É um veneno que deve ter muitos consumidores na Virgílio Horta...
Cumprimentos
Artur Sá
Estimado Senhor Dr. João Cachado,
Hoje não resisti a retomar este assunto, depois de ter sido impedida (direi de novo impedida) de me deslocar a Monserrate por falta de transporte mais adequado às estradas de Sintra do que o taxi. Nada tenho contra este meio de transporte enquanto serviço, mas ir a Monserrate deve ser lentamente, respirando aquele ar fresco que me faz recordar os tempos de namoro, já lá vão umas dezenas de anos.
Talvez os sintrenses já tenham reparado que, de súbito, a empresa dos autocarros apareceu com uma nove carreira, desgarradamente mostrada como Villa Express, que vai da estação da CP ao centro histórico, seguindo estrada acima até à antiga casa dos cantoneiros, onde regressa à Visconde de Monserrate, a caminho da Estação. Anda vazia, como seria de esperar, triplicando as carreiras.
Pergunto então se não deveria ser obrigada a fazer o percurso até Monserrate? Já que o combóio foi eliminado, então cumprissem com o que Sintra deve esperar deles:bons serviços.
Ao mesmo tempo, o que sucederia se a Empresa dos Parques obrigasse a mesma empresa de autocarros a pagar para circular na Calçada da Pena, onde até à entrada existe um painel a avisar que é Estrada Privativa?
Alguém toma medidas contra a cobrança de 4,5 euros para ir até à Pena? Um desplante que qualquer pessoa tenha de pagar um bilhete único desse valor, dizendo-se que dá direito ao regresso. Para cima são 4,5 euros e de regresso já há bilhete de 2 euros. Mas quem dá cobertura a isto, meu caro Senhor?
Estamos muito mal entregues.
Queira desculpar o meu desabafo e receba muitos cumprimentos,
Júlia Elisa Palha
Sra. D. Júlia Palha,
Que bom tê-la outra vez a tratar da minha lavra... Olhe, minha senhora, estou atarefadíssimo com a preparação de uma comunicação para a próxima 2ª feira mas não resisti vir dar-lhe uma palavra.
As informações que trouxe sobre certas particularidades das carreiras ainda mais razão trazem para a minha desconfiança. Se, para além da inveja, também há vingançazita, a coisa ainda mais feia fica. E, não tenha dúvida, tudo isto se passa ao mais alto nível cá do burgo.
Uma coisa é certa, ou seja, actualmente, a Monte da Lua está a trabalhar bem. Para muita gente é o pior que podia acontecer... Estão de tal modo habituados à esterqueira que o seu terreno favorito é mesmo o do esterco. Quando alguém demonstra que se pode pisar outro terreno e até concretiza iniciativas de alto gabarito, não descansam enquanto não abatem o temerário que ousou fazer diferente e, desgraça das desgraças, inclusive, alcançar êxito...
E então aparecem as estratégias do costume em que perdem e fazem perder tempo e dinheiro - que nunca é deles, pudera!... - com intrigas, vinganças, calúnias, ordinarices de todo o calibre.
Mal de quem se deixe enredar, minha senhora. Mal de quem se deixe impressionar.
Quando as coisas chegam ao ponto em que estão, numa descarada tentativa de desanimar quem tanto tem feito para inverter uma situação de escandaloso gasto e desgaste de bens e dinheiros públicos, há que dar sinais de grande superioridade perante o ataque torpe e mesquinho. Se os resultados positivos falam por si, então que os cães ladrem porque a caravana passa.
E agora tenho mesmo de continuar a trabalhar na preparação da tal comunicação que vou fazer a Évora. Está a dar-me muito trabalho mas, ao mesmo tempo, um gozo que nem queira saber.
As minhas melhores saudações à família e um especial abraço ao Engº Diogo, do vosso
João Cachado
Enviar um comentário