[sempre de acordo com a antiga ortografia]
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009
Conforme previamente anunciado, eis o texto de Fernando Castelo, publicado no Jornal de Sintra de 15 de Junho de 2007. Como verificarão, mantém toda a pertinência e inscreve-se na linha de actuação de intervenção cívica que o autor nos habituou ao longo dos anos.
Fernando Castelo não se limite a denunciar uma situação - cujos contornos permanecem algo nebulosos - já que adiciona os elementos de informação indispensáveis à formação da opinião do leitor. Por outro lado, não se poupa ao apontar das incongruências dos destinatários implícitos e explícitos da sua denúncia, sujeitando-se aos incómodos que, naturalmente, esta tomada de posição suscita.
Por revelar e se inscrever num quadro de atitudes cívicas que se confundem com a dignidade, num tempo em que estes valores não colhem o favor da comunidade, muito me agrada poder dispensar, à transcrição do referido artigo, o espaço que merece, neste blogue que se reclama de tais princípios.
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Sintra: altos e baixos…
A MODA DA BIOMASSA
Com certa estranheza, a Câmara Municipal de Sintra, SMAS, HPEM e Agência Municipal de Energia de Sintra (AMES) assinaram um elevado investimento numa Central de Biomassa, diz-se que junto ao IC19, precisamente numa freguesia onde obras sociais e culturais não são feitas por alegada falta de dinheiro.
Para esclarecer os fregueses, o mínimo a esperar da Junta de S. Pedro – ao que se sabe, mantida à margem – seria o pedido imediato de explicações sobre as matérias a utilizar, níveis de ruído, estudos de impacte ambiental, protecções contra cheiros e emissões poluentes e suporte técnico da localização, sabendo-se que os ventos predominantes sopram no sentido da Abrunheira, Manique e Beloura.
Apenas o PS, ao apresentar uma Moção na Assembleia de Freguesia de 30 de Abril, onde se exigia a “Discussão Pública” do Projecto e o “conhecimento imediato aos órgãos de comunicação social do concelho”, deu o primeiro sinal para que as populações soubessem do que se está a passar.
Com a Moção aprovada e outras dúvidas apresentadas, o Presidente da Junta pediu e recebeu da AMES alguns esclarecimentos, cuja leitura atenta justificaria a defesa da saúde e bem-estar dos moradores.
Aquando da assinatura, a ênfase do Presidente da Câmara foi para a valorização energética pela combinação do uso de resíduos florestais e de lamas. Todavia, nos documentos enviados à Junta: - A AMES considera “em 1.ª instância apenas a utilização dos resíduos florestais existentes na Serra de Sintra e nas demais áreas florestais do Concelho” e pressupõe a “possível utilização dos resíduos florestais (…) de concelhos vizinhos” bem como “a incorporação de uma percentagem máxima de 20% de lamas secas provenientes das ETAR adstritas aos SMAS de Sintra”.
Mais à frente, a AMES cita “11 ETAR localizadas na parte norte de Sintra”, alude ao “aproveitamento das lamas do futuro tratamento secundário da SANEST” e termina com a discreta indicação de que “também as lamas da digestão anaeróbia a ser instalada em Mafra poderão ser utilizadas para fins energéticos”. Prevê ainda “a possibilidade de produzir RDF (Refuse Derived Fuel) obtido através da fracção orgânica dos Resíduos Sólidos Urbanos”. Ou seja, o RDF é combustível retirado do lixo.
Uma nova versão parece contrariar o que foi dito pelo Presidente da Câmara. Com efeito, em notícia publicada no DN de 28 de Maio, o representante da AMES deixa uma certa ambiguidade sobre a utilização de lamas, quando diz: “na solução técnica esta não estava prevista”.
Mais, na mesma notícia lê-se: «Para o director da AMES, uma coisa é certa: a população abrangida pela central só deverá ser informada “a partir do momento em que houver certezas”». Em que País vivemos?
À margem da realidade, surgiram declarações do Presidente da Junta segundo as quais não existem “motivos para preocupação”, “não produz poluição” ou “até ver não há nada contra a central”. Será que já está suficientemente esclarecido?
Declarações mais demagógicas, parecem querer transformar uma Central de Resíduos e Lamas de ETAR – susceptível de gerar matéria poluente primária que se dispersa à sua volta – numa miragem de emprego para os “230” desempregados da Abrunheira. Nem mais!
Combustão da Biomassa emite gases poluentes para a atmosfera. O perigo maior não está na biomassa, agora em moda mas publicitada com o conceito intrínseco do aproveitamento dos resíduos vegetais, mas sim nas perspectivas de utilização alargada a lamas ou resíduos sólidos urbanos, onde se misturam desperdícios humanos, químicos e óleos por vezes tóxicos.
Nos EUA, onde a utilização da biomassa está muito desenvolvida, as fontes de combustível são de origem vegetal: resíduos e desperdícios agrícolas, árvores, plantas de crescimento rápido ou infestantes. Iguais conceitos aplicam-se no Canadá, China e Áustria (neste País 46% do território são florestas). Quanto às lamas das ETAR (sewage) raramente as utilizam, devido aos custos com a descontaminação.
Por cá, sendo a Serra de Sintra limitada nos recursos vegetais (não é comparável à Áustria) e admitindo a não replantação de acácias, é imperativo um Plano de Substituição das fontes geradoras de energia. Por isso, devemos estar alerta para a tentação de, noutra altura, as lamas passarem a ser utilizadas na queima, satisfazendo interesses financeiros dos SMAS que pouparão nos custos com transporte para aterros e terrenos agrícolas, à custa dos perigos a que as populações próximas podem estar sujeitas.
Também a inclusão da HPEM, empresa que recolhe e transporta Resíduos Sólidos Urbanos, não poderá ter sido por acaso, tendo em conta o que foi transcrito do documento da AMES. Quem sabe se depois das lamas ou concomitantemente com elas, não teremos Resíduos Sólidos Urbanos incinerados. Os negócios do lixo valem milhões, pelo que devemos estar atentos a quem queira vender gato por lebre.
Gente “amiga” da Abrunheira
A avaliação serena deste protocolo, levanta imensas questões que não podem ser desvalorizadas. Desde já, localizando-se as fontes geradoras de energia no outro lado da Serra, como se justifica a construção de uma Central deste tipo junto à principal entrada de Sintra, numa zona com largas perspectivas de evolução residencial ou hoteleira que possam responder às carências da Vila?
Existindo outras zonas industriais, até mais perto das fontes de energia, possivelmente a permitir transportes menos onerosos, logo a sorte de um “interessante (…) terreno afecto a uma empresa integrada na zona industrial da Abrunheira”, que consta na “Análise Económica Prévia” pelo valor de 1.750.000 € (5000 m2 a 350 €/m2), ser considerado para a instalação da Central de Biomassa... Não deixa de ser interessante o gosto pela Abrunheira por parte de quem reside noutras paragens.
A propósito deste tema, recorde-se que nos concelhos de Oliveira de Azeméis, Arouca e Vale de Cambra, 16 Presidentes de Juntas – certamente bem esclarecidos – subscreveram um abaixo-assinado contra a instalação de uma Central de Biomassa, por desconfiarem dos materiais de queima a utilizar.
Todos temos o dever e o direito de nos preocuparmos com o desenvolvimento deste projecto, tendo ainda em conta que não esquecemos o que se passou com a construção do posto de combustível.
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3 comentários:
Inquestionavelmente actual, este artigo do amigo Castelo, não é?Seria preciso entender de onde apareceu,subitamente,esta febre da biomassa e do mesmo modo se desvaneceu,fruto de algum poderoso anti-pirético que a levou...porque «valores mais altos se alevantaram»,como diria o poeta.E tudo o combustível levou e em troca,lá para os lados de Ranholas,nascerão flores...«serão rosas senhor»?É um novo milagre...transformaram os maus cheiros em perfume...
Margarida
Por vezes há qualquer coisa de ridículo no meio destes processos que são muito sérios. Diria, antes, Projectos ridículos, cuja verdadeira motivação não surge à vista desarmada.
Tudo com a conivência de uns quantos mensageiros que, abnegadamente, lá vão servindo de varredores do lixos, à espera da prometida recompensa.
Na altura, esperava ter visto, ouvido ou lido algum apóstolo do Éden a menifestar-se contra a previsível circulação contínua de camiões pelo Centro Histórico da Sintra, para transportarem as matérias da biomassa. Ao que dizem - pelo que agora é dado ler - não deveria existir um conceito de BIOMA$$A. Talvez fosse uma elevada preocupação em dar ocupação aos camiões da HPEM e poupar aos SMAS as preocupações de levarem as lamas das ETAR até aos campos onde as depositam habitualmente.
Curiosamente, ao que julgo saber, na zona onde era anunciada a Central está agora prevista uma instalação de floricultura e afins, tendo estado em discussão, quase em segredo (estes segredos sintrenses) um Estudo de Impacte Ambiental.
Esperemos o que irá aparecer por aí em Estudos, Projectos e Similares, para onde o nosso dinheiro se irá esvaír sem nada realmente que se veja.
Tanto a peça inicial do Fernando Castelo como os dois comentários subsequentes convergem num ponto conclusivo e iniludível, ou seja, o da flagrante falta de consistência do projecto.
Assim sendo, nada surpreende que, em determinada altura, eventualmente ainda no momento de suprir algum estudo ou informação não contemplados na fase de diagnóstico de situação, aquilo que era dado como facto adquirido deixe de o ser. Por exemplo, o lugar de concretização: de tal calibre é a falta de consistência que, incrivelmente, ele pode transferir-se...
Mas, entretanto, apesar de demonstrar uma evidente fragilidade, fez-se notícia, agitou-se as águas, deu-se a entender que os eleitos locais sintrenses - como deve acontecer com os bons decisores públicos - estão atentos ao problema do aproveitamento de produtos e subprodutos afins da resolução, a um tempo, de problemas ambientais e energéticos.
Que o projecto venha ou não a ser concretizado, acaba por ser secundário porque o essencial, para os «promotores» de tal estratégia, já foi concretizado. Joga-se no balão de comunicação, na ideia que é lançada para entreter, para desmobilizar a prazo.
Mais grave é o caso, no entanto, quando se pretende desviar a atenção dos cidadãos, deixando desguarnecido o terreno onde, de facto, convém concretizar a coisa... Exemplos não faltam, em Sintra e alhures.
Apesar de tudo, por tudo isto, a crédito da nossa lucidez, preciso é estar atento.
João Cachado
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