[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 24 de abril de 2009



Confusões (in)convenientes

A manipulação das estatísticas é uma atitude com a qual não podem pactuar as pessoas que, de boamente, tentam compreender os fenómenos sociais, políticos e económicos que marcam e enquadram os nossos viveres. Como seria de esperar e se tornou evidente, a crise em que estamos mergulhados tem fornecido, aos políticos de todos os quadrantes, campo fértil à distorção de índices, marcadores, percentagens, sintomas ou sinais.

A prática que maior escândalo me suscita é a que se relaciona com a grosseria de comparar a situação deste pobre e desgraçado país que, há décadas, vive acima das suas possibilidades, incapaz de gerar a riqueza de que carece para bastar às suas necessidades, com a de países europeus cujos índices económicos, sociais, culturais, em termos globais e específicos, é nitidamente mais favorável.

Neste contexto, o Governo tem usado e abusado de tão abominável recurso, ofendendo sistematicamente a inteligência dos cidadãos. A primeira conclusão a retirar de prática tão lamentável é a de que não lhe convém assumir a sua quota parte de governação inábil, geradora da crise nacional e endógena, sem qualquer hipótese de confusão com a que se abateu pelo mundo fora, na sequência dos desmandos neoliberais, a galope e sem o freio da supervisão que era suposto ter funcionado nas diversas instâncias nacionais e internacionais.

Baralhar e confundir são verbos que, descaradamente, se conjugam cada dia que passa, em todos os meios de comunicação social que procuram os governantes, ávidos da colheita das suas doutas opiniões. Inevitavelmente, o próprio Primeiro Ministro, não tem poupado os cidadãos à confusão de números, numa altura em que, quotidianamente, a OCDE, o FMI, o BCE vão despejando previsões cada vez mais catastrofistas.

Há dois ou três dias, depois de o Banco de Portugal, ter anunciado uma perda de rendimento de 3,5%, o Fundo Monetário Internacional agravou as perspectivas e, pronunciando-se acerca da situação em vários países europeus, prevê uma recessão mais gravosa, não só em Portugal mas também, por exemplo, na Alemanha. Logo, sistemática e repetidamente, o PM português se desdobra em declarações, sugerindo ou dando a entender que a Alemanha está pior que Portugal.

É coisa que possa fazer-se? É coisa que possa abordar-se sem ter em consideração a relatividade de contextos tão diferentes, infelizmente tão mais negativos em Portugal? A verdade é que, grosseira e enganadoramente o faz quem deveria abster-se desta enormidade. É como comparar, ainda por exemplo, a pobreza nos dois países, como se os desgraçados dos nossos dois milhões de pobres tivessem as mesmas oportunidades que os pobres alemães e mesmo dos pobres que, não sendo alemães, vivem na Alemanha.

Perdeu a noção do decoro. Aliás, tudo isto se articula com a maneira preocupante como o chefe do executivo vem dando indícios de descontrolo pessoal, em resultado da pressão a que tem estado sujeito, cujos sintomas foram demasiado evidentes, durante a sua última entrevista à RTP1, em especial, relativamente ao modo como lida com a crítica em geral e com a dos jornalistas em particular.

1 comentário:

F. Torres disse...

Tomara que a nossa crise fosse igual à maioria dos países europeus da União. Como não é escusa o governo de julgar que nos toma por tolinhos. Noutro dia num debate televisivo o sociólogo Vilaverde Cabral dizia que podemos não ser economistas mas não somos parvos. Na realidade o governo tem-nos tratado abaixo de cão e nós temos deixado.
Está na hora de poder dizer ao se PS que deve preparar-se para eleições muito duras em que não vão ter felizmente maioria absoluta. A esquerda vai ganhar e se o PS quiser podia haver uma grande oportunidade para dar uma volta séria na política portuguesa. Mas o PS está muito agarrado ao poder e com muitos compromissos que não deixam fazer o que o povo precisa.

Fernando Torres