[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 18 de maio de 2009



E as outras touradas? *


Há dias, a Câmara Municipal de Sintra juntou a sua à voz de uma série de outras autarquias, demarcando-se do patrocínio de touradas. Desde já, chamo a atenção para o facto de tal decisão nada ter a ver com a proibição das touradas que, de facto, sendo coisa diferente, não está em causa.

No meu caso pessoal, a questão que se coloca é a da preservação do património cultural. Felizmente, saindo aos meus, não degenerei. Barreiros Cachado, minhas famílias paternas, estão profundamente implantada nos concelhos de Santarém, Golegã, Alpiarça e Almeirim, muito ligada à agropecuária, criação, lide de cavalos e gado bravo, com parentes cavaleiros, cabos de forcados (do grupo de Santarém), rejoneadores e picadores no país vizinho, apoderados, etc.

Desde miúdo, acompanhei meu pai, mais familiares e alguns grandes amigos, a inesquecíveis touradas em Portugal e Espanha. Num círculo de relações intimamente articulado com a vida musical, sempre usufruí de um convívio superiormente educado e informado, em que as conversas à volta dos touros, toureiros, cavalos e cavaleiros, são verdadeiros momentos de cultura, relacionados com música em geral, ópera em particular, poesia, pintura, por exemplo.

Considero-me um aficionado esclarecido e muito bem acompanhado. Infindável é o rol dos gigantes das letras e das artes, nacionais e estrangeiros, que, na tauromaquia, souberam perceber e transmitir a especificidade de certas facetas das culturas ibérica e mediterrânica, de cerne telúrico e indissociável componente sacra, inequívoca herança da cultura clássica.

Em todos os domínios, a informação cultural é importante. Se os autarcas sintrenses tivessem a precisa noção de que, em situação limite, a hipótese de total proibição das touradas na Ibéria, poderia determinar um crime ecológico de consequências irreparáveis, talvez não se tivessem rendido, tão pressurosamente, aos primários argumentos que sustentaram a aprovação.


Melhor fora, aqui em Sintra, que acabassem com as outras touradas, tantas vezes lidadas em gabinetes, sem que os aficionados munícipes tenham opinião participante. Entretanto, podem continuar a patrocinar outros espectáculos, como concursos desportivos de pesca, modalidade relaxante, sem qualquer risco para os praticantes.

Já quanto aos bichos, de retorcido gancho enfiado nas fuças, presos a fios que os vão puxando para fora de água, morrem no estertor da asfixia. Como se vê, é cena inócua, a que qualquer criancinha pode assistir, sem o mínimo desconforto…



*publicado no Jornal de Sintra, em 15.05.09

3 comentários:

Anónimo disse...

Dr. Cachado,
Não sabia que era adepto das corridas de touros; passa a ser mais um ponto positivo a seu favor. Hoje já é preciso coragem para dizer abertamente que se gosta de ir aos touros. Há por aí muita ignorância e muito capilé nas veias.
Agora também se metem com as gentes do circo por causa dos animais. É muito simples: se os animais não estiverem em condições e bem tratados os veterinários municipais não devem dar licença para os circos funcionar.
Com tanto problema sério para resolver só faltava isto para distrair das coisas importantes.
Rui Gonçalves

Anónimo disse...

Dr. Cachado,
o touro bravo foi uma raça criada(selecção genética) pelo Homem! Não existe normalmente na natureza pelo que, do ponto de vista da biodiversidade, tem o mesmo valor de uma esferográfica! Os habitats onde estes animais vivem já são protegidos na lei (com ou sem touros). Pelo que este argumento, do impacto ecológico da extinção do touro bravo, é mesmo tipico de quem não tem mais nada para defender algo moralmente indefensável.

Sintra do avesso disse...

Em princípio, como sabem os habituais frequentadores deste blogue, não costumo autorizar a publicação de mensagen anónimas. No entanto, resolvi condescender em sentido contrário à prática a que tenho obedecido, porque esta (das 0.24 horas de hoje) reproduz uma posição que, embora sem qualquer substância científica, tem feito o seu caminho entre cidadãos bem intencionados.

Todavia, este anónimo comentarista é mesmo muito básico. Afirma ele que o touro bravo é um produto da intervenção do homem e da manipulação genética, que não existe na natureza, cujo valor em termos da biodiversidade é o de uma esferográfica. Se eu fosse um qualquer fundamentalista, nem sequer responderia porquanto tal raciocínio cai, imediatamente, pela base, se pensarmos numa série de entidades, animais e vegetais, fruto do contínuo labor do homem, de longuíssimas manipulações genéticas, ao longo de muitos milhares de anos, hoje em dia realidades sofisticadíssimas e tão indispensáveis como as demais. Aliás, neste domínio da intervenção humana sobre a natureza, de tal maneira determinante ela tem sido que raríssimas serão as realidades «não contaminadas» por tais manipulações genéticas. Onde se coloca um grande problema ético, isso sim, é no domínio da manipulação genética que pressupõe estratégias transgénicas. Contudo, não consta que, no respeitante ao touro bravo, tais práticas alguma vez tenham sido concretizadas...

O argumentário deste anónimo comentarista é extremamente débil, fazendo tábua rasa de toda uma cultura milenar que, à volta da tauromaquia, apresenta indissociáveis relações de benefício, no universo das práticas agrícolas e pecuárias, no comércio, nas mais diversas indústrias e, muito nitidamente, uma fortíssima presença nas grandes artes literária e musical, dança, todas as plásticas, teatro e cinema, para além do profundo envolvimento dos meios de comunicação social.

Quando me reportava à "ecologia", pensava no conceito à luz da etimologia, das suas 'auxiliares' semiogonia e semiologia, que nos ajudam a pensar a realidade tauromáquica em toda a abrangência, de forma integrada e global. Naturalmente, recuso-me a abordagens parcelares, pseudo-éticas ou pseudo-morais.

Como, à partida, nada mais se me depara do que um bem intencionado anónimo, mas desprovido da bagagem que poderia permitir uma troca de impressões com a elevação que o caso merece, nada mais resta do que retirar-me, não sem que, prévia e bem educadamente, me subscreva

João Cachado