Doa a quem doer
Soube-se ontem que o Ministério Público já deduziu acusações contra Jardim Gonçalves, ex-Presidente do Conselho de Administração do BCP e mais quatro membros daquele órgão de gestão por crime de manipulação de mercado, falsificação de contabilidade e burla qualificada.
Lembro que, no dia 3 de Janeiro de 2008, a propósito do assunto, publiquei um texto neste mesmo blogue, do qual respigo as seguintes passagens:
“(…) Depois da distracção do Banco de Portugal e da CMVM, que parece só terem acordado da letargia quando os americanos começarem a meter a colherada no assunto, ainda não é previsível o desfecho do caso.
Para já, de uma vez por todas, caiu e se desfez o paradigma da competência imaculada dos administradores, gestores e directores do sector privado! (…) símbolo de uma filosofia da empresa, assumida à mistura com a diáfana imagem de impolutos patrões, muito católicos e respeitáveis (…)
A Joe Berardo, com todas as suas contradições, defeitos e virtudes, ficam a dever os portugueses a sistemática denúncia dos escabrosos negócios cuja existência, pelos vistos, não era desconhecida nos mentideiros frequentados pelas comadres antes da pública zanga. Sem a atitude do Comendador, servida pelo desabrido estilo do costume, até quando continuaria o farisaísmo do BCP a abotoar a conveniente capa de santidade? (…)”
Já naquela altura, o Banco de Portugal não saía nada bem da fotografia. Os accionistas do BCP tinham e têm toda a razão para a animosidade que demonstraram contra a alegada falta de capacidade dos supervisores. E, mais recentemente, tendo em conta o que se passou no BPN e BPP, não acham que o Senhor Governador do BP deveria assumir as falhas que, afinal, todo o mundo reconhece?
Não acham que nós, contribuintes, o remuneramos principescamente para que, de boamente, acolhamos o seu descaramento na confissão de que, provavelmente, terá havido ingenuidade dos serviços de inspecção? É que, salvo melhor opinião, vós e eu, que nada percebemos do assunto, até podemos ser ingénuos. Contudo, se pagamos a uma entidade para, com toda a competência, desenvolver um trabalho a contento, não podemos admitir que arvore a ingenuidade de uma indefesa virgem.
Que banqueiros e bancários prestem contas dos seus negócios, mais ou menos claros, mais ou menos escuros, é coisa que se saúda como prova do cuidado da comunidade, que não deixa passar em claro as manobras de certos habilidosos, venham eles ou não com capinha de santos. Todavia, tendo entrado numa atitude de pedir responsabilidades a quem prevaricou, então não deixemos que nos comam as papas na cabeça…
1 comentário:
Caro Dr. Cachado,
Em Portugal só dói sempre aos mesmos. O Governador do Banco de Portugal considera-se acima do comum dos mortais. Bastou vê-lo na Comissão da Assembleia da República a perguntar se não percebiam que ele era um homem de grande prestígio internacional. A ele concerteza que não vai doer nada.
Um abraço
Artur Sá
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