[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 23 de junho de 2009

Eléctrico em curto circuito,
mais uma achega


Aqui têm mais um texto do nosso amigo Fernando Castelo que, com a devida vénia, transferi da zona de comentários de ontem para esta primeira página.

Traz-nos, juntamente com a sua, uma série de memórias, um fabuloso património virtual que se cola ao outro, ao património visível. No caso vertente, devia andar estrada abaixo, estrada acima, alegremente, sobre carris devidamente cuidados e mantidos, para contentamento e benefício de gente que tem direito ao seu usufruto.

Enquanto os eleitos locais não souberem exercer a autoridade democrática que detêm, no sentido da defesa de um património tão expressivo como o Eléctrico de Sintra, apenas nos resta denunciar o facto e lamentar tanta incapacidade e incompetência.

"Meu caro João Cachado,

O meu amigo aborda desta vez um conjunto de sentimentos, pois o Eléctrico é um deles.

Quase ao colo do meu pai, como me deliciava ao apanhá-lo junto à estação dos "caminhos de ferro". Ainda há pouco tempo, em obras na Avenida Miguel Bombarda, lá estava o carril a desafiar-me às recordações.

Quando a recuperação das Linhas começou, para alegria de quantos por lá passassem, até sugeri algumas placas ao longo do trajecto, que poderiam ter alguma poesia. Sugeri isso e, para meu conforto, encarreguei-me de fazer uns pequenos poemas (maus, certamente) que devem ter ido ou directamente para uma gaveta ou para o lixo, pois a recepção nunca foi acusada, nem o destino dos mesmos.

Estive na re-inauguração do Eléctrico, naquele dia em que de novo pude ir até à Praia das Maçãs. Imaginarão, quantos me lerem, dos sentimentos em turbilhão que me invadiram e me levaram a voltar mais umas quantas vezes. Era o Eléctrico um dos pontos do figurino turístico de Sintra. Que alegre ilusão me foi criada, mas que rapidamente se desvaneceu, nesta Sintra que cada vez se sabe menos para onde caminha, mas que de lado bom tem pouco.

Em qualquer parte do mundo este trajecto e este meio de transporte seria das coisas mais fabulosas da visita. Falo do que sei. Aqui, já o meu amigo disse quase tudo. O ano passado, numa entrevista, ia durar só mais dois meses a recuperação, segundo foi dito por um autarca merecedor do maior crédito e que teve a coragem de dar a cara, na circunstância.

Falar em turismo para Sintra acaba por ser, infelizmente, uma quase aberração, já que este exemplo não é muito diferente de muitos outros. A vida tem destas coisas e desculpe-me o espaço do desabafo.
Fernando Castelo
22-06-2009 15:57"

5 comentários:

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

O meu amigo prega-me destas partidas e coloca o meu texto num lugar que não mereço.

Os sentimentos são a verdade que nos envolve numa linguagem de povo para povo, entendível, sem panaceias sistémicas, patamares adulterados ou estratégias virtuais pagas a preços reais.

O Eléctrico de Sintra é um sentimento que se aproxima da Pena e outro património de que nos orgulhamos.

O Eléctrico de Sintra é um sentimento doloroso pela ausência da fruição. Na prática, estamos perante a mesma ofensa sentimental que foi o fecho do terreiro de Seteais. Mesmo que o pretendam desmentir.

Quantos lugares do mundo gostaríam de ter esta relíquia histórica? E como a aproveitariam, certamente com marcações antecipadas.

O Eléctrico de Sintra - o nosso Eléctrico - integra o núcleo central das desilusões ligadas com a ausência de uma política de Turismo adequada a Sintra.

Em homenagem ao Eléctrico e a quantos nele trabalham e sofrem pela sua paragem, aqui deixo o que foi uma esperança em 10 de Abril de 2003:

O ELÉCTRICO

Dirão que foi absurdo a tantas gentes,
cortar a linha da Vila às Azenhas,
Ninguém ter lutado em várias frentes,
impedindo que viessem matas brenhas,
Que de força e vontade fossem crentes,
nem que da serra tirassem negras penhas.
Ao Povo, a história destruíram,
Talvez outros interesses se serviram.

Em breve, os eléctricos voltarão,
se possível, com mais força do que dantes,
Braços abertos, um novo coração,
servindo, sobretudo, os viajantes,
Linguagem viva, consideração,
fazendo amigos nos seus passeantes.
Promessas de amor, serão de certeza,
Por estes caminhos de tanta beleza.

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Um abraço,

Sintra do avesso disse...

Caro Fernando Castelo,

Fala o meu amigo de sentimento. Comoção diria eu. Comoção, o estado em que me deixa nesta leitura de palavras tão cheias de amor por uma terra que merece.
Por isso, cá andamos. Por isso, continuamos. Apesar dos videirinhos que não sabem, coitados, o que seja esta
morrinha que nos prende e nos solta a palavra justa.

Um abraço forte do

João

Rute Castro Lobo disse...

Este blogue é muito especial. Os textos acerca do eléctrico de Sintra são exemplos de escrita agradável e nada vulgar na blogosfera. Parabens.
Rute Castro Lobo

Vasco R.B. disse...

Caro Senhor,

Também tenho memórias incríveis do eléctrico de Sintra. Lembro-me muito bem de grandes entusiastas e animadores como Joaquim Mindouro e Paulo São Pedro, Serafim Moura. Agora desonra-se a memória dessa gente. É um desgosto muito grande.

Vasco R.B.

Anónimo disse...

Pois é, todos falam do eléctrico e com razão, mas, durante anos e anos (até 2004), foi ver um definhar dos mesmos com a degradação dos carros e das instalações da Ribeira. A linha entre Ribeira e Praia foi muito mal reconstruída em 1996/97 e aliada à falta de manutenção rapidamente se degradou.
Penso que o Eléctrico de Sintra não morrerá e os anos de 2004 a 2007, com os milhares de pessoas transportadas (e funcionavam somente às sextas, sábados e domingos) em conjugação com preços acessíveis ao comum dos portugueses, provou que este ex-libris é viável em Sintra.
No início do mês, tive o prazer de fazer uma visita à Ribeira, onde encontrei novo pessoal igualmente interessado (tal como os antigos) em não deixar cair os eléctricos e onde fui guiado por uma pessoa (que além de funcionário da CMS) é um autêntico apaixonado e profundo sabedor dos Eléctricos de Sintra e da sua história. E o que eu vi deixou-me descansado para o futuro. O trabalho que aí esta-se a fazer ao nível da recuperação do material circulante é digno de registo. Quem não se lembra do abandono da Ribeira e dos carros que aí estavam guardados ou melhor, abandonados.
Não vale a pena invocar o pessoal antigo. José Mindouro, Serafim Moura, Emídio Vicente e muitos outros, fizeram o seu trabalho, com extrema dedicação (tal como os actuais o fazem), noutro tempo e condições.
Hoje tudo é diferente ao nível das exigências da formação do pessoal, das condições de transporte e de segurança (que antigamente não havia, valha a verdade).
Enfim, vamos ter esperança.
E volto ao princípio. Não nos podemos esquecer do estado de abandono a que o Eléctrico de Sintra foi votado durante muitos anos.
Saudações