[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 26 de agosto de 2009


Belas,
desastres, culpas e eleições


Na semana passada, precisamente no dia do incêndio em Belas, passou mais ou menos desapercebida a intervenção de um popular que, perante as câmaras da televisão, dava a entender que o ataque ao sinistro estava a decorrer com os meios necessários, criticando, no entanto, o facto de nem a Câmara Municipal nem a Junta de Freguesia procederem às limpezas indispensáveis à prevenção destas ocorrências.

Aparentemente, o Presidente da Câmara de Sintra, presente, não terá prestado atenção esta denúncia tão pertinente. Muito bom teria sido se tivesse reagido para se perceber o inequívoco significado da sua presença ali. Na verdade, em tempo pré-eleitoral, mesmo que a reportagem televisiva seja de um incêndio de grandes proporções, todo o cuidado não é demasiado para definir as atitudes de quem pretende protagonizar uma campanha.

Já toda a gente percebeu, mas convém não deixar de continuar assinalando, que todos os candidatos pretendem aproveitar a presença das câmaras de televisão (embora haja quem tenha mais sorte que os outros...) e pela subsequente perspectiva de aparecerem no pequeno ecrã em horário nobre. Não há pretextos maus e, em situação de desgraça, funciona como ouro sobre azul, a possibilidade de, ao incauto telespectador, poderem transmitir aquilo que mostre uma emoção sincera, apesar de, tantas vezes, não passar de máscara afivelada a um rosto habituado a todos os cenários.

Se, de facto, ninguém põe em questão e, pelo contrário, só pode reconhecer positivamente o facto de o edil, sempre que há fogo no concelho, se dirigir ao local no sentido de acompanhar as operações de ataque e de mostrar a sua solidariedade a quem está perante um desastre sempre lamentável, cumpre, no entanto, perceber se esse mesmo autarca, directa ou indirectamente, implícita ou explicitamente, tudo terá feito no sentido de evitar o sinistro.

A propósito, deixem-me lembrar que vai para cerca de cinquenta anos o meu conhecimento directo da zona de matos serranos de Belas e da vizinha freguesia de Almargem. Sei como Belas é terra massacrada pelos incêndios e, efectivamente, como tantas e tantas vezes, eles são consequência da incúria e do desleixo dos proprietários dos terrenos e das autoridades que não actuam ou que, devido à sua omissão, induzem comportamentos análogos naqueles em quem delegam competência.


Casos concretos são, por um lado, os fogos e, por outro, não esqueçam, as cheias. De vez em quando, tudo parece estar contra Belas. Não será preciso recuar tanto quanto mais de quarenta anos para recordar enxurradas e lamentar mortes. Em 18 de Fevereiro de 2008, na sequência de uma intempérie, lá tivemos Belas no seu pior, mais duas mortes na fatídica estrada 117 que poderiam não ter acontecido se, a montante, tivessem sido concretizadas todas as medidas que impedissem a ocorrência de tal desastre.*

Dessa vez, o mesmo autarca Presidente, para que não restasse a mínima hipótese de confusão, logo teve o cuidado de afirmar, alto e bom som, que aquela específica via, onde ocorrera o acidente, não era caminho municipal mas nacional… Portanto, se alguma entidade queixosa tivesse o topete de pedir a responsabilidade para apontar um culpado, imediatamente saberia que a Câmara de Sintra nada teria a ver com o caso. Portanto, lá se fez o minuto de silêncio da praxe na reunião da Câmara, lá se chorou as lágrimas de crocodilo da ordem e tudo acabou, com a culpa a morrer solteira.

Há um incêndio, uma enxurrada? Pois muito bem, lá vai o Presidente, facilmente apanhado pelos microfones e câmaras dos media, até aparecendo em directo no noticiário de maior audiência. O resto? É cor local, uns bombeiros, umas mangueiras, muitos tanques e autotanques, fumo, labaredas, sirenes, o trânsito desviado e uma seta virtual a apontar para as eleições que não tardam…


* sintradoavesso, Em Belas? – o que o luto não cala, 22.02.08


7 comentários:

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Felicito-o por esta peça, para a qual gostaria de acrescentar qualquer coisa.

Efectivamente, assisti pela TV, em directo do local, à entrevista que me pareceu estar a ser feita ao Presidente da Câmara Municipal de Sintra, não conseguindo identificá-lo bem por ter um boné na cabeça e estar vestido com um colete colorido (pareceu-me daqueles berrantes e fluorescentes usados em situações de perigo). Anotei palavras que reportavam a um anterior incêndio (no mesmo local) o ano passado.

Depois escutei, como maior interesse, o popular, que diria mais ou menos isto: o anterior incêndio não foi aqui, foi mais para ali...

Isto, se a memória não me falha, sobre a tardinha.

E agora é que vem um facto interessante. Cerca das 18,25 horas desse mesmo dia, em directo para a RTP (Programa Portugal Directo) lá seguia - desta vez sim, sem quaisquer dúvidas - o Senhor Presidente da Câmara de Sintra no eléctrico, com uma reportagem em directo sobre o mesmo. Pela reportagem, além do indispensável guarda-freios, só seguiriam, além do entrevistado, a repórter e o operador de câmera.

Foi com admiração que constatei o facto, pois tinha ficado desconfiado que estaria em Belas a tomar em mãos o combate ao sinistro.

Acabei por recordar que na sexta-feira anterior (os estudiosos vejam o que se tem passado às sextas-feiras: SATU, UNiversidade Católica, eléctrico) também tinha sido feita uma segunda inauguração da época moderna na linha do eléctrico. A coisa não correu muito bem porque havia carros sobre a linha, mas tudo se resolveu bem graças ao esforço conjugado de candidatos observadores e de vereadores candidatos.

No dia do incêndio (sexta-feira seguinte) é que a RTP surge em directo do eléctrico, mas não deve ter sido a mesma equipa que estava em Belas. Lá isso, não.

Paulo Carvalho disse...

O Fernando Seara é um artista e um habilidoso. Todos os candidatos à presidência da CMS devem cuidar-se porque ele conhece os truques a usar com os jornalistas. Chega a tratá-los por tu sem ter qualquer intimidade com eles. Para uns é o Nandinho e careca do Benfica para outros. O nosso eleitor médio ainda é muito básico e gosta destas coisas pelo que não vai ser fácil a Ana Gomes ganhar a Câmara de Sintra. Mas não é impossível. Quanto aos outros candidatos não têm hipótese nem as possibilidades pessoais de Ana Gomes porque ela vale muito mais que o Partido Socialista de Sintra. Ana Gomes atrai muita gente que não é simpatizante do PS e isso é uma grande vantagem, ela é muito melhor candidata que Edite Estrela nunca foi.
Paulo Carvalho

Daniel Filipe disse...

Boa noite. Só para esclarecer que a reportagem com o Presidente no eléctrico foi gravada próximo da hora de almoço. Eu viajava num eléctrico em serviço público e cruzamos em Galamares com o eléctrico onde ia o Fernando Seara com a equipa da RTP. Eram sensivelmente 12.35. Pode-se dizer mal do Presidente e do que faz (ou não faz) mas, há que colocar os dados correctos. No programa "Portugal em Directo" muitas das reportagens que lá passam não são em directo. Só como curiosidade, no eléctrico onde eu viajava vinha uma jornalista e fotografo da revista "Visão". Para terminar reparei que este blog advoga-se de ser independente mas, os últimos posts são tendencialmente pró candidata do PS ou anti-Seara. Por mim não me aflige. Não voto em Sintra e simplesmente gosto muito de Sintra e gosto (adoro) viajar nesta maravilhosa linha de eléctrico com os seus tipícos veículos, onde se aprecia uma paisagem maravilhosa.
Grato pela atenção demonstrada. Daniel Filipe.

Sintra do avesso disse...

O leitor Luís Rijo, acabou de me enviar um mail chamando a atenção para duas incorrecções. Em primeiro lugar, a estrada onde ocorreu o fatídico acidente é a 117. Por outro lado, foi no dia 18 de Fevereiro que tudo aconteceu.

Os erros em que incorri são tanto mais lamentáveis quanto eu próprio me certifiquei dos detalhes de lugar e data a partir de elementos inequívocos do meu próprio registo pessoal. De facto, consultei a edição do Jornal de Sintra de 14 de Março de 2008, em que foi publicado um artigo de minha autoria, ilustrado com uma fotografia com correcta identificação do local. No entanto, nesse mesmo escrito, a data está errada.[É esse mesmo o artigo que também foi publicado neste blogue, como aparece hoje referido em nota de rodapé]

De qualquer modo, igualmente verifiquei que, no dia 20.02.08, publiquei, aqui no sintradoavesso, um texto subordinado ao título "Tudo a meter água" através do qual, implicitamente, se subentende a data correcta do acidente.

Hoje, como terão verificado, não estive à altura dos meus próprios registos. Deve ser efeito de algum cansaço. Lamento imenso. Por favor, relevem-me a falta. Naturalmente, já procedi à devida correcção. Ao Luís Rijo, o meu esxpecial agradecimento.

João Cachado

Fernando Castelo disse...

Meu caro João Cachado,

Mais uma vez aproveito este seu blogue para uma opinião fora do tema, mas que não poderá ser deixada em claro.

Pelo que acabo de ler no CidadeVIVA, a Sra. Dra. Ana Gomes está em Timor, oficialmente convidada e pelas vias dipomáticas, para assistir às comemorações oficiais do 10º aniversário da Independência de Timor.

Não é qualquer coisa, é uma figura internacional, diplomata de prestígio, que não anda pelos meandros da política ao sabor das conveniências.

É, por sua vez, uma sintrense, que acaba de se candidatar à Câmara Munciipal, não tendo ainda escutado uma palavra sua de colagem ao que quer que seja, sem camisolas ou TVs encomendadas por perto.

Não sei o que Sintra lhe reservará, mas marca pontos pela sua estatura política e pelo respeito que merece lá fora.

Um abraço,

César Ramos disse...

Quanto a Seara, li, e vi a foto dele num jornal equipado à maneira e definido pelo repórter como um abnegado "coordenador" dos trabalhos de luta contra o incêndio!...
Mas o homem é bombeiro?.. não incorrerá na 'usurpação' de funções?
O cinismo dá cabo de mim, e a hipocrisia então,... nem se fala!

Anónimo disse...

Já ocorreram vários incêndios, este Verão, em Monte Abraão, devido à falta de limpeza e desmatação em terrenos municipais. Responsabiliade da Câmara Municipal de Sintra. Lamentavelmente, o Sr. Presidente da CMS não esteve presente em nenhum deles, tal como aconteceu agora em Belas. Na verdade, não haviam câmaras de televisão em nenhum deles.