Sintra,
estacionamento zero
Em Sintra, Património e Turismo conjugam-se num binómio muito rico e abrangente de sugestões, susceptível de uma infinidade de abordagens, que me levam a restringir as considerações seguintes apenas à questão do estacionamento, cuja resolução tão escandalosamente tarda.
A propósito, lembraria que, em 2001, quando, juntamente com tantos sintrenses, me envolvi no movimento cívico que lutou contra a instalação de um parque de estacionamento subterrâneo na Volta do Duche, fi-lo com uma esperança enorme, convicto da possibilidade de contribuir para equacionar e concretizar as alternativas que se impunham como perfeitamente inadiáveis.
Na realidade, como era nosso objectivo, o referido parque acabou por não ir avante. E, por muito que possa custar aceitar por quem tinha e, eventualmente, ainda possa ter posição diametralmente oposta, ouso afirmar e repetir: ainda bem que assim aconteceu! Tratava-se, estarão recordados, de um projecto de Fernando Távora, um dos mais notáveis arquitectos portugueses do século vinte. Contudo, a obra que se perspectivava era extremamente polémica e controversa, na medida em que, em vez de impedir, promovia, isso sim, o acesso de viaturas particulares ao centro histórico, com a sua consequente devassa e decorrentes ofensas ao património edificado, comprometendo a qualidade de vida local, as actividades turísticas, o comércio, etc.
Entretanto, como as soluções alternativas não aconteceram, a situação geral do estacionamento em Sintra, quase no fim desta primeira década do século vinte e um, é a verdadeira calamidade que hoje todos podem avaliar. O nosso é um concelho cuja sede, constituída pelas três freguesias de Santa Maria e São Miguel, São Martinho e São Pedro, está perigosamente armadilhada, com inúmeros problemas de segurança também por resolver, e sem que a edilidade, ao longo de dois mandatos, tivesse dado quaisquer sinais de pretender acudir a um quadro tão preocupante, limitando-se a entreter os cidadãos mais intervenientes, através de manobras dilatórias, que arrastaram o problema até ao limite do suportável.
Como tantas vezes tem sido afirmado e confirmado, não é preciso inventar seja o que for. Tão somente, cumpre adaptar à nossa realidade a solução dos parques periféricos, estrategicamente posicionados, dissuasores da entrada de viaturas particulares no coração do concelho, a partir dos quais funcionarão as carreiras de diversos tipos de transporte público – autocarros e mini autocarros, eventualmente de trolleys, automóveis de aluguer, funiculares de acesso aos pontos turísticos no alto da serra, hipomóveis, etc – cujo bilhete inclua a tarifa de estacionamento.*
Naturalmente, esta solução não exclui a da requalificação de pequenas e médias bolsas de estacionamento, já existentes na urbe, e carece de uma inequívoca estratégia integrada e articulada, com a adopção de um regime civilizado de cargas e descargas, da instalação de um sistema expedito de estacionamento preferencial para residentes e comerciantes, bem como a restrita circulação aos transportes públicos e veículos prioritários em determinadas vias.
O próprio modo como, numa terra como a nossa, se acede ao bem patrimonial natural ou edificado a visitar já faz parte de uma atitude eminentemente cultural. Como é possível querer conhecer a Regaleira e deixar o carro, à trouxe-mouxe, em cima do passeio, ou ir a um concerto no Olga Cadaval, atravancando uma zona crítica do bairro da Estefânea?
É, aliás, neste contexto que se me afigura imprescindível promover medidas muito corajosas como sejam, por exemplo, a de proibir totalmente, o acesso de viaturas particulares à Pena, lugar de absoluto privilégio, cuja visita é preciso merecer, como dizia o meu saudoso amigo Manuel Rio Carvalho, ele que, reparem, sendo manifestamente coxo, não encarava a chegada à Pena, senão a pé, e depois de penosa subida…
Em determinadas áreas da serra, só deveria poder aceder-se a pé, ou em veículos hipomóveis, de médio e grande porte, como as galeras, tiradas por animais de características adequadas [penso na abegoaria do Parque da Pena como ponto de apoio logístico desta solução] que tanto sucesso têm, em zonas de relevo semelhante ao de Sintra, como os castelos da Baviera de Hohenschwangau e Neuschwanstein.
Nada disto terá qualquer viabilidade se, mesmo antes da concretização, não se fizer uso da autoridade democrática com que o governo local está mandatado pelo voto popular. Há que, muito simplesmente, cumprir e fazer cumprir a Lei de tal modo que, de imediato, os condutores não sejam induzidos à cultura do desleixo que, entre nós, perversamente, toma a designação de tolerância, fomentada pelo próprio município…
*Eis uma lista, por ordem cronológica, de artigos publicados no sintradoavesso, em que a questão do estacionamento em Sintra é tema forte:
2007: 14.09, 17.09, 24.09; 05.10, 07.10, 23.10, 24.10; 14.11, 26.11; 04.12, 07.12, 11.12; 2008: 11.01; 12.02, 29.02; 15.04; 12.08; 07.11; 04.12, 17.12; 2009: 12.02, 22.02; 02.03, 04.03; 23.04; 29.05; 09.07, 10.07, 14.07, 22.07; 14.08, 17.08, 24.08; 01.09.
Para aceder automática e imediatamente a estes textos, basta introduzir o tema [estacionamento em Sintra] no rectângulo mais à esquerda, barra superior, junto à instrução pesquisar no blogue.
4 comentários:
Ainda não começaram as aulas e já se nota novamente o problema do estacionamento no centro de Sintra, com o regresso das férias. Se a polícia fizesse o que deve sem qualquer condescendência outro galo cantava. Assim vai continuar tudo a piorar. A Dra Ana Gomes dá sinais de querer atacar o problema mas primeiramente tem de ganhar as eleições.
Antónia Serra
Exactamente mas tem de ser com a ajuda dos sintrenses, pelo menos daqueles que querem ,verdadeiramente a mudança e estão dispostos a lutar por ela com a maior arma que possuem, o seu voto.
Margarida
Professor João Cachado,
Sou pai do vitor Ferreira que foi seu aluno há uns anos. Dou a minha opinião sobre o estacionamento no centro de Sintra.
Se o parque da Volta do Duche fosse construído as coisas estavam piores porque havia muitos mais carros a circular. Mas precisava-se sempre dos parques às portas de Sintra. Também conheço alguns lugares em Itália onde trabalhei em que esta solução funciona já há muito tempo. Sintra está demasiado atrasada e tem que se actualizar porque certos dias já não se conseguer circular.
Leio sempre os seus textos e também no Jornal de Sintra. Parabéns pelo bom trabalho.
Manuel Ferreira Júnior
As vêzes, com a melhor das boas vontades perdemo-nos nas ideias, afastados assim das soluções. Nestes casos olhêmos para os exemplos. No norte da alemanha, a noroeste de Hamburgo está uma pequena cidade/museu chamada Stade, um exemplo de como conjugar património com a habitabilidade, com o tráfico rodoviário, com a rede de transportes publicos, com o estacionamento e claro está com o bem estar de quem por lá habita ou apenas visita. A competência/soluções não têm de obrigatóriamente passar pela "originalidades/genealidades" que por vêzes nos cegam.
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