Recomeçar
Muito naturalmente, passada que é uma semana sobre as eleições autárquicas, os resultados ainda estão sendo digeridos. Entre vários aspectos pertinentes, destacarei apenas um – o da cobertura mediática – cuja importância é perfeitamente indiscutível. Certos dados, que se afiguram irrefutáveis, evidenciam como a candidatura ganhadora beneficiou, de facto, de uma conjuntura mediática cujas provas se revelaram inequivocamente.
Será que apenas o fisco, o Instituto Nacional de Estatística e nós, munícipes de Sintra, é que sabemos ser este o concelho mais populoso do país? Até parece que sim. Em geral, os meios de comunicação social escrita e audiovisual ignoraram que, em Sintra, estava a acontecer um debate absolutamente decisivo, em que se perfilava a hipótese de uma mudança radical de paradigma de governação local, num território compósito a todos os títulos, gigantesco, diversificado e desafiante como poucos ou nenhum.
Tratava-se de um debate que, bem enquadrado e, como merecia, devidamente apresentado ao país, poderia ter constituído e resultado num conjunto de oportunidades indispensáveis à pedagogia da própria democracia, a nível local. Estava em perspectiva a possibilidade de demonstrar, perante as câmaras das televisões, a incapacidade de uma Câmara Municipal à qual compete gerir uma realidade deveras difícil em cujo seio está incrustado um dos mais míticos lugares do país.
Mas que distracção dos media foi esta? Se bem quisermos entender a que se deverá tão clamorosa ausência, forçoso é recordar que, salvo raríssimas excepções, nos últimos anos, a imprensa, a rádio e a televisão, de acordo com a rasteira qualidade nacional, que é reconhecido ao nosso quarto poder, se tem limitado a reproduzir, acriticamente e com preocupantes sintomas de acefalia, as mensagens mais convenientes ao actual executivo autárquico.
Na sequência de estratégia mediática tão pactuante com o statu quo e demissionária como esta, quem poderia surpreender-se com a decisão – repito, decisão, atitude que implica vontade e objectivo precisos – de remeter para as TVs por cabo, i.e., TVI 24 e RTP N, com direito a menos de uma hora, debates tão importantes, decisivos, capazes de desmontar e fazer cair por terra a estratégia de quem dá a entender que, em Sintra, continua intocável a mítica imagem que a tornou famosa noutras épocas?…
Se dúvidas houvesse, bastaria lembrar que, na verdade, Sintra esteve no mapa televisivo nacional – deixai que assim designe o lamentável quadro… – quando foi necessário mostrar o Prof. Fernando Seara no popularucho convívio com as mediáticas figuras do costume, abraçando o futebolista Caneira ou o curioso negociante de jóias Castelo Branco. Perfeitamente lamentável.
Mas, na verdade, não foi nada de novo, nada que já não tivéssemos constatado, por exemplo, nos momentos vários em que a actual Câmara decidiu atribuir a medalha de ouro do concelho a outras figuras desse tão sui generis meio «artístico», que não aparecem nas prestigiadas publicações da Arte portuguesa, música, cinema, literatura, teatro, plásticas, etc, mas, isso sim, na imprensa cor de rosa que, com tão sintomático sucesso, para aí se vende.
Não sei até que ponto poderá falar-se numa relação de interesse mútuo. É possível. Quem não quer ser lobo… São demasiado sofisticadas as relações de dependência e de interdependência entre comunicação social e política, envolvendo tantos intervenientes intermediários, para que, num escrito tão rápido e ao correr da pena, me abalance a considerações mais substanciais.
Enfim, é chegado o momento de iniciar um novo período de governo local. Serão mais quatro anos em que todos os preocupados e atentos munícipes sintrenses – muita atenção, também os há! – não se revendo no programa da coligação ganhadora, esperam poder exercer o seu dever de cidadania activa, no apoio a iniciativas de uma oposição exigente, séria, responsável, efectiva e actuante.
Com isto, tão somente, pretendo confirmar que, para além de muito esperar da actividade de controlo, fiscalizadora, denunciadora, pressionante que, fundamentalmente, compete aos vereadores da oposição e aos deputados da Assembleia Municipal, igualmente confio naquele implícito programa de intervenção cívica que importa respeitar e, desde já, ter em consideração.
Agora, que governe quem tem de governar.
PS:
Como foi público e notório, uma inequívoca cumplicidade com Ana Gomes levou-me a dar-lhe o modesto apoio pessoal que este blogue veiculou. Repito, apoio a Ana Gomes. Mais nada. Naturalmente, terminada a campanha eleitoral, mantenho o apoio pessoal a quem vai desempenhar o cargo de vereadora da oposição. Todavia, sentindo-me solidário com toda a oposição, não deixo de, a bem de Sintra, formular os votos de exercício de um digno mandato aos senhores vereadores da coligação ganhadora e, em especial, ao Prof. Fernando Seara.
5 comentários:
Caro Dr. Cachado,
Nas várias televisões o Dr. Seara mexe os cordelinhos que lhe apetece. Por isso, logo à partida as outras campanhas estavam em desvantagem em relação à dele. Por outro lado, parece muito difícil vencer a coligação da direita sem uma união de esforços à esquerda.
Abraço amigo
Heitor
Dr. Cachado,
Concordo com anterior comentário. Gostaria de acrescentar uma nota que me parece interessante: apesar dos cordelinhos que Fernando Seara mexe, sairam-lhe as contas furadas em Almargem do Bispo. Nem o futebolista lhe valeu. Até parece que o careca do Benfica está a perder o brilho. Com tudo isto quem deve estar a rir e com muita razão é o primeiro candidato a presidente da Junta.
Saudação amiga
Artur Sá
Meu caro João Cachado,
Vamos então recomeçar, já que o tempo não espera por nós.
Esta é a época dos louros, em belas coroas, embora muita gente - mais preocupada com a nossa vida colectiva - não acredite no cumprimento da maior parte das intenções,celebrações e difusões propagandeadas nos últimos tempos.
De qualquer forma, para meia dúzia de interessados e, nalguns casos, empenhados, a época será apenas de cumprimentos.
Faltou na escadaria aquele carpete vermelha, aveludada, para receber certas visitas que, certamente, não foram fazer pedidos, apesar de especialistas.
Sim, porque os beijos sociais, surgidos numa explosão de ternura, não passaram de cativantes formas de apreço. Sem contrapartidas.
Como não vivemos numa sociedade de beijoqueiros, importará que se medite nos porquês de se dar a cara por quatro ou cinco centímetros de "blush".
Mesmo que seja da melhor marca do mercado.
Qualquer hipótese de conquistar a CMS dentro de quatro anos (se não caír antes...) constroi-se já a partir de hoje. Para isso é preciso que a oposição faça um trabalho permanente de controle e de denúncia e apresente soluções mesmo que saiba que vão ser chumbadas. Só assim a população compreende o trabalho da oposição dando-lhe o crédito correspondente que se transformará num voto de mudança quando for chamada a votar novamente.
A Dra. Ana Gomes disse que ia fazer uma oposição construtiva. Penso que não vai afastar-se desta actuação que acabei de descrever.
Paulo Gomes
Caro amigo,
Não é fácil recomeçar e sabendo que o caminho é longo de mais quatro anos de virar o disco e tocar o mesmo...
Estou saturado mas se vir que vale a pena, adiro à luta. Mas tenho de ver se na realidade as promessas da oposição de controlo do executivo vão mesmo concretizar-se.
Pedro Távares
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