[sempre de acordo com a antiga ortografia]

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010



Sócrates + Seara =
desânimo


No princípio de um ano que se avizinha ainda mais difícil do que o anterior, não têm os sintrenses quaisquer razões para se sentirem particularmente animados. E assim é, tanto no que se refere a Sintra, propriamente dita, como ao todo nacional. Não será abusivo afirmar que, em ambos os casos, a razão mais pertinente para a prevalência de tal estado de espírito se prende com questões de liderança.

1. Vejamos como assim se me afigura. Ao nível do poder central, impor-se-ia que o chefe do governo se apresentasse aos cidadãos como inequivocamente mobilizador de todas as vontades, principalmente de todas quantas, apesar da enorme qualidade do contributo que poderiam fornecer, têm permanecido afastadas, residualmente expectantes, mas ainda não desistentes.

Todavia, tão fragilizado pelos mediáticos casos que o envolvem pessoalmente, desde a licenciatura que se afirma ter sido conseguida com certos expedientes, aos incríveis projectos das moradias do concelho da Covilhã, ao aterro da Cova da Beira, ao Freeport, às conversas interceptadas através de tão polémicas escutas – e estes últimos três casos ainda incomodamente pendentes – não se imagina como poderá o Primeiro Ministro mobilizar seja quem for.

Continuemos ainda neste âmbito nacional. Revela-se manifestamente incompreensível que, numa situação de dívida pública e de défice já incomportáveis – perigosamente semelhantes e tão próximos de países como Irlanda, Grécia e Espanha que, com estes já integra o grupo dos PIGS* – este mesmo líder insista na estratégia de um investimento público que, nas actuais circunstâncias, atinge foros de incompreensível teimosia.

Trata-se, não do investimento público geralmente designado de proximidade, mas das altamente polémicas infra-estruturas aeroportuárias, rodoviárias e ferroviárias de alta velocidade, que ainda mais comprometerão a qualidade de vida de gerações futuras, sujeitas que ficarão à obrigação de um serviço da dívida verdadeiramente ruinoso, como tem sido copiosamente demonstrado.

Convém-me agora, neste ponto do meu texto tão eivado de desânimo, iniciar e manter um parêntesis, tão longo quanto for necessário, para lembrar que, igualmente controversa, pelo menos tanto quanto a dos casos aludidos no terceiro parágrafo, fora a actuação do Ministro do Ambiente do governo de António Guterres, precisamente em relação a Sintra, num seu despacho sobre a empresa de capitais públicos Parques de Sintra Monte da Lua, dando azo a que o Engº António Abreu o denunciasse em carta inequívoca, publicada no Jornal de Sintra em 24 de Dezembro de 2004**.

Apesar das minhas múltiplas insistências, sempre me louvando dos dados vindos a público através do testemunho de António Abreu que, na condição de administrador da PSML, certamente, terá tido acesso directo aos documentos que lhe permitiram ser tão directo e certeiro na denúncia, nunca as acusações foram contestadas. Várias vezes, inclusive em reunião pública da Câmara Municipal de Sintra, solicitei ao Senhor Presidente que esclarecesse em relação ao resultado das investigações levadas a efeito, nomeadamente quanto às designadas irregularidades de gestão do biólogo Serra Lopes, sempre obtendo como justificação para resposta negativa, o facto de se encontrarem sob o regime de segredo de justiça.

2. Até hoje, nenhuma explicação. E fecho o parêntesis, não deixando de solicitar a vossa compreensão para o agravamento do sentimento de desânimo com que iniciei esta prosa. Porém, cumpre ainda aludir ao nível do poder local, se bem que, como acabam de verificar, ele já tenha estado bem presente nas linhas precedentes.


É evidente que, sendo conhecido o meu público apoio à candidatura de Ana Gomes – que, volto a sublinhar, nada teve a ver com apoio ao partido do qual é destacada militante – o mais recente e grande motivo de desânimo se relaciona com a perda das eleições. Não tenho a menor dúvida de que tivessem-na elegido os cidadãos e Sintra já teria saído deste marasmo patológico a que, perigosamente, está condenada por mais este mandato.

Não deixando de ser o melhor dos regimes, a democracia pode ser afectada por conhecidas perversidades, que os mais lúcidos sabem apontar, por exemplo, descobrindo a careca aos manipuladores dos meios de comunicação social escrita e audiovisual. Financeiramente fragilizados, servidos por medíocres escribas, com flagrantes falhas de preparação profissional, mas alcandorados à condição de jornalistas, os media sujeitam-se a um certo tipo de manobras, evidentes nas últimas eleições locais, e que, entre outros, também vitimaram Ana Gomes.

Efectivamente, tendo Ana Gomes perdido as eleições, afinal, quem mais perdeu não foi a candidata mas todos os sintrenses porque não podem contar com capacidade de mobilização de uma grande líder, com o desassombro, com a sua coragem de chamar as coisas pelos nomes, com a sua natureza avessa ao politicamente correcto. Tenho muita pena que assim tenha acontecido porque, mais quatro anos, é muito tempo e vai ser tempo perdido, subtraído àquilo que já deveria estar a acontecer, como estratégia de remediação do que, durante tanto tempo, ainda não foi feito.

Portanto, se a nível nacional o quadro é negro, em Sintra não está mais desanuviado. Claro que é o desânimo. Mas estou longe de apelar a que se deixe cair os braços, a que se desista. Claro que não é o estado de espírito mais propício ao envolvimento nas tarefas que urge concretizar. Infelizmente, entre nós, a designada classe política é de nível muito baixo, correspondendo aos preocupantemente baixos níveis de literacia da população em geral. Casos como os de Oliveira Martins ou Ana Gomes são raríssimos. Abundam, isso sim, os líderes medíocres, habilidosos, oportunistas. São tantos que podíamos exportar, mas para nenhures, que não queremos o mal de ninguém…


* Sigla resultante da junção das iniciais de Portugal, Ireland, Greece, e Spain = PIGS. Certamente não precisam da tradução…
** Ler texto publicado neste blogue, em 17.10.07,
«Irregularidades» de Serra Lopes
no rol do esquecimento?


Vale a pena aceder ao texto completo da carta de António Abreu. Na impossibilidade da sua transcrição integral, citarei, ipsis verbis, o seguinte parágrafo, limitando-me a destacar determinadas frases:

“(…) O ambiente para que esses factos tenham ocorrido não é alheio a quem criou a empresa, o então ministro José Sócrates e o seu secretário de Estado Rui Silva Pereira, tenha autorizado, na ausência de qualquer documento escrito, que fossem gastos na abertura dos parques, em que a empresa passou a cobrar entradas, até 435.000 contos, o que foi feito sem adjudicações. Tal como deram indicação para que uma das intervenções fosse feita com determinadas características num determinado prazo o que conduziu os responsáveis da empresa a que ela fosse feita por uma outra empresa que era a única que cumpria essas condições… (…)”






8 comentários:

Pedro Soarers disse...

Colega Cachado,
O texto é de mestre. Contra Sócrates, PM e SG do PS mas a favor de Ana Gomes militante destacada do mesmo partido. Contra Seara mas de vez em quando faz-lhe elogios. Não é do PC e também já tem-se demarcado do BE. Parabéns João Cachado. Isto é independência. Quanto ao desânimo compreendo muito bem. Estou na mesma.
Pedro Soares

Ruy Tires disse...

Para que a sintonia entre Sócrates e Seara seja perfeita só falta autorizar a construção de um motel para os gays virem passar a lua de mel em "Sintra Romântica".

Ruy Tires

Anónimo disse...

Então o Cachado queria que em Sintra houvesse resposta à sua insistência em saber que cobertura é que Sócrates e Silva Pereira deram a Serra Lopes. Mas porquê em Sintra havia de ter resposta se a respeito dos outros casos também não se sabe nada? É a justiça que temos... São os políticos que temos, todos com telhados de vidro a encobrirem-se uns aos outros. A política que já foi coisa nobre, em Portugal transformou-se numa porcaria horrorosa que mete nojo por todos os lados. Pobres de nós portugueses. Sou mãe de uma adolescente que está no secundário. Escrevo com grande desgosto que a quero daqui para fora, que vá estudar e trabalhar noutro país porque isto está minado e sem futuro durante muitos anos.
Rosa Lino

Anónimo disse...

Seara e Sócrates bem podiam fazer uma sociedade. Com tanto jeito para o negócio era um sucesso. Para eles não há desânimo. Nós ou comemos e calamos ou se pudermos emigramos.

Jorge Reis

Anónimo disse...

Chamaram-me atenção para este blogue e estou espantado desta primeira vez que o visito. Sobre o desânimo,
desculpem lá mas eu não dou autorização nem ao Sócrates nem ao Seara para me desanimarem. Sou emigrante sazonal na Suiça, em seis meses ganho bem para o resto do ano. Em Portugal passo férias, vivendo aqui na zona de Sintra. Para trabalhar é na Europa, para além de Vilar Formoso. Isto não tem hipótese. Só para a praia, beber uns púcaros e estar com os amigos. Vão por mim.

Pedro M.

Anónimo disse...

Há tempos contaram-me que em Sintra há muita gente que "odeia" o PS e a Edite Estrela porque estavam à espera de obter certos cargos e depois não obtiveram e ficaram chateados, uuuiii, que raiva! :-))) Será verdade? Conto como me contaram e nada mais.

Zé Saloio

Eugénio Graça disse...

O desânimo é geral. Mas mesmo com o Sócratesno governo, há terras em Portugal e mesmo muito perto que não têm tantas razões para queixa como Sintra que o Seara comanda já vai para 9 anos. O caso de Cascais é bem exemplar. Já tenho visto neste blogue comparações entre as duas vilas e estou de acordo. Cascais não tem nada a ver com este desânimo, a verdade é essa.
Eugénio Graça

Vasco Santos disse...

Se houver alguém que me dê uma receita para ganhar ânimo, faça o favor de a dar através do blogue que, certamente o Dr. Cachado também não se importa. or fvor depressa antes que decida emigrar. Vasco Santos