[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Polis, res publica
e ameaças à República


Uma reflexão, mesmo muito curta e rápida, acerca do momento de turbulência que vivemos.

Convém a determinadas pessoas propalar a ideia de que, só manobras afins da quebra do segredo de justiça, permitiram que tivéssemos tomado conhecimento de práticas que desqualificam e desacreditam José Sócrates, a vida política em geral e a própria democracia. Mas, por exemplo, Ricardo Sá Fernandes, figura pública e isenta de jurista, a quem estou ligado por especiais laços de fraternidade, afirma que tal não é o caso, no que se refere às escutas publicadas há oito dias por conhecido semanário (e hoje mesmo, acrescento eu, porque, afinal, apenas continua a mesma atitude de transcrição).


Todavia, no momento presente, pouco interessa dirimir argumentos quanto ao modo, mais ou menos ínvio, como soubemos dos sérios problemas que afectam José Sócrates. Às suas costas, acabámos por conhecer, em relativamente pouco tempo, tem ele um complicado e quase interminável processo, recheado de episódios, em que um sinuoso percurso pessoal, com particulares incidências nos domínios académico e profissional, está indissociavelmente conotado com uma catadupa de casos, em que se terá envolvido, já como destacado membro de executivos governamentais, como Secretário de Estado, Ministro e Primeiro-Ministro.

Originário de uma difusa classe política, com dificuldade na definição de parâmetros de enquadramento (lembremos que, inicialmente, até esteve afecto ao PSD) e de um grupo de indivíduos cuja desmedida ambição, só é comparável à sua proverbial falta de lastro ideológico – circunstância, aliás, inicialmente sublinhada por destacadas figuras do Partido Socialista – este homem desceu à cidade convencido de que a polis e a res publica não ultrapassariam os desafios do momento sem os seus préstimos.

Como tantas vezes acontece, ao ponto de se tornar numa remake de modelos que remontam à tragédia clássica, esta figura, que se proclamava da redenção, acabou por se precipitar num tal torvelinho de contradições, que vai acabar mal, como já afirmou Marcelo Rebelo de Sousa. E vai acabar mal porque é incapaz, não estará em condições de reconhecer como, ele próprio, se transformou num obstáculo à resolução de problemas dificílimos que a polis e a res publica enfrentam, alguns decorrentes das suas próprias deficiências como decisor político.

O Partido Socialista tem toda a legitimidade democrática para governar. Impor-se-ia, antes que outrem o venha determinar – na medida em que se tal vier a suceder, revelaria um insustentável agudizar da situação – que o PS resolvesse o gravíssimo problema que tem entre mãos, ou seja, o da urgente substituição de um Secretário-Geral e actual Primeiro-Ministro que deu com os burrinhos na água, em toda a linha, e numa tal dimensão que é difícil fazer pior.

O descrédito e o desânimo estão de tal modo instalados que urge actuar, inclusive, numa perspectiva pedagógica. Há que recolocar a actividade política no patamar de dignidade donde nunca deveria ter sido arredada. Exigimo-lo nós e, em especial, os jovens que, se formos eficientes na denúncia, devem repudiar estes modelos tão polémicos de fazer política.

Faz cem anos a República. Que belíssima altura para comemorar a instauração do regime republicano de um modo que, neste momento, em função de circunstâncias tão adversas, só o Partido Socialista pode protagonizar! Assim haja coragem de o concretizar.





10 comentários:

Carlos Seixas Rio disse...

Meu caro João, colega e amigo,
Ambos somos homens de esquerda e socialistas, mas não do Partido Socialista. Há quem não perceba que se pode ser socialista sem ser do PS. Não temos espírito de militante de qualquer partido e pelas palavras do teu texto excelente de hoje, penso que posso falar pelos dois: jamais de um PS cujo secretário geral é um homem com o perfil, atitudes e perspectivas de José Sócrates. Este homem pode gabar-se de ter conduzido o país ao pântano real que o Guterres pensava que tinha atingido. É um horror. Sinto hoje uma vergonha que nunca tive desde o 25 de Abril. Há tipos de direita dizendo que nem com o Santana Lopes se tinha chegado a este ponto... Tenho vergonha, João Cachado. Ainda não perdi a esperança e desejo ardentemente que o PS consiga ser digno deste momento, indicando ao país alguém que possa dinamizar o povo para os desafios com que nos confrontamos. Se não é fatal: teremos o Rangel a curto prazo como primeiro ministro. Não sou do PS mas quero que o PS evite essa situação. Tal como tu. Abraço forte
Carlos S. Rio

Anónimo disse...

Quem exerce o poder ao mais alto nível tem de ter muito nível, tem de ser impecável, não pode ter telhados de vidro , tem de ser uma pessoa acima de toda a suspeita, com a máxima dignidade, sem boys nem homens de mão a fazetrem golpes e manobras esquisitas.

Neste momento em Portugal a figura máxima que exerce o poder executivo ainda é mais criticável do que em Itália que até agora era o éxemplo apontado de todos os defeitos.

Não há outro caso na Europa que se compare ao caso português. Se isto não é para ter vergonha então já não sei o que é vergonhoso. Obrigado pela oportunidade que o seu blogue e este texto me dá para dizer isto mesmo.

Eduardo Cardoso

Gabriela Rato disse...

Sócrates não é o Partido Socialista. Sócrates conquistou o aparelho do Partido Socialista mas o PS pode livrar-se dele (negociar um lugar qualquer para onde ele vá no estrangeiro) e escolher alguém que não tenha estofo para se meter nas broncas que ele arranjou. O PS ainda está a tempo de salvar a face. Há muito boa gente que pode tomar as rédeas com dignidade.
Gabriela Rato

Anónimo disse...

Pelo 5 de Outubro de certeza que o Sócrates já não é PM.

Carlos Sousa

Castro Varzim disse...

Ele devia ir embora mesmo antes do 25 de Abril para se poder comemorar em paz e com novo ânimo o dia da Liberdade.
Castro Varzim

João Vital disse...

É pena que o João Cachado também dê espaço a uma discussão que não vale dois caracóis acerca do Sócrates. É bater no ceguinho, em quem já está "morto".
João Vital

Anónimo disse...

Se não fosse tão triste era um bom tema de carnaval.
Carlos Rui

Anónimo disse...

Hoje em dia qualquer um se sente no direito de enxovalhar o PM, José Sócrates. Extraordinário! O homem é "culpado" antes de ser julgado e "executado" sem apelo nem agravo! Risca-se um pouquinho o verniz de quem arma ao intelectual e logo salta o mais vulgar dos apaniguados de tablóides e revistas cor de rosa! Suspeitas e suspeições, lama e lodo, meias mentiras embrulhadas de meias verdades, tudo serve para tentar assassinar o carácter de um homem! Triste Portugal que erige como "defensores da Liberdade" uma Manuela Moura Guedes ou um José Eduardo Moniz! Não se esqueçam da sujeira que derrubou um homem íntegro e honesto chamado Ferro Rodrigues: algumas carpideiras só acordaram tarde demais para esse "assassinato a sangue frio" e Casa Pia! José Sócrates foi eleito e é o Primeiro Ministro, com toda a legitimidade, deste País: a quem interessa meter a Democracia na gaveta e abrir alas para o regresso da Direita dos vários interesses ao Poder? Vejam o que fizeram em Sintra e agora bem podem carpir lágrimas de crocodilo!

Português e Socialista Com Muito Orgulho

Eduardo Cardoso disse...

Este ou esta socialista devia ler aquilo que a Dra. Ana Gomes (candidata a presidente da Câmara de Sintra que o Dr Cachado e o Sr Castelo apoiaram aqui) escreve no seu blogue Causa Nossa acerca dos boys do PS. Pergunta-se então quem usa os boys pagos a peso de ouro como homens de mão depois de os colocar em lugares a jeito de lhe fazer todos os recadinhos? Se calhar é o Mário Crespo...
Eduardo Cardoso

Anónimo disse...

O Sr. Eduardo Cardoso, se calhar, é que devia perguntar à Drª Ana Gomes se ela se sente uma "girl" precisamente por ter sido indicada por José Sócrates para candidatar-se à CMS... Sobre a questão dos "boys" já se sabe que é a conversa de chacha do costume, não me leve a mal: não consta que o PSD ou CDS, quando estão no Governo, nomeiem, para cargos de confiança política, pessoas do PS, PCP ou BE, não concorda?... Mas, enfim, estamos numa fase onde repetir umas quantas banalidades e lançar lama para o ar porque se leu o tablóide do dia, se tornou passatempo de qualquer um. Tribunais? Provas? Investigação? Que se lixem! O que conta é o que vem nos jornais dos grandes patrões, a vox populi e a conversa da vizinha do 2º esquerdo que odeia socialistas! Pobre País!