Regresso de Salzburg (2)
Se ainda não se aperceberam, pois fiquem sabendo que as minhas notas ainda têm muito pano para mangas. Hoje, por exemplo, apenas me referirei a uma de duas récitas de ópera a que assisti. Confirmo que estas linhas se destinam, em especial, aos meus amigos melómanos, pelo que não preciso descer a pormenores de enquadramento porque sabem tanto ou mais do que eu. Outros capítulos se seguirão em próximos dias o que, entretanto, me não me vai impedir, como hoje mesmo já vai acontecer, de publicar textos de outra índole.
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Primeira grande referência para Idomeneo, enquanto produção de ópera, no palco, não versão de concerto como, há vários anos, tem vindo a acontecer, que esteve no centro da Mozartwoche 2010, pelos Musiciens du Louvre-Grenoble, sob a direcção de Marc Minkowski. Quem, como eu, os acompanhou em anteriores edições deste festival de Inverno, tem podido constatar o caminho que têm feito em prol da conquista de um inquestionável lugar entre os melhores intérpretes de obras de Mozart.
Este agrupamento apresentou-se várias vezes em Salzburg em anos recentes. Mas sempre em concerto. Faltava esta prova de fogo, de uma ópera, perante esta grande Meca da música, cujo público, mais tarde, em oportuna troca de impressões, o próprio Minkowsky classificou como o mais temido e exigente, o mais sabedor e respeitado pelos músicos de todo o mundo.
Esta Idomeneo de Salzburg, que é também uma co-produção da International Stiftung Mozarteum com o Festival International d’Art Lyrique d’Aix-en-Provence e Musikfest Bremen, foi encenada por Olivier Py, sendo os cenários e figurinos da autoria de Pierre-André Weitz. Olivier Py é um encenador, actor, autor e director artístico do prestigiado Théâtre de l’Odéon de Paris. Tem dirigido ópera em Genève, Paris e Moscovo e as suas propostas, que não deixam ninguém indiferente, costumam suscitar fortes reacções, enorme entusiasmo e aclamação geral.
O mínimo que posso garantir é que se tratou de algo absolutamente fulgurante. Uma leitura e visão modernas do plot, servidas por dispositivo cénico extremamente bem adequado, com grandes construções metálicas que permitiam a exploração de ângulos de abordagem menos visitados, ao serviço de um perspectiva psicanalítica das relações entre o pai-rei e o filho, prestes a ser imolado como vítima de uma cerimónia sacrificial, filho esse que é elo de uma estratégia de poder. E o poder político nunca é ilimitado, sejam quais forem as circunstâncias de tempo e de lugar.
Ao contrário do que é prática corrente na montagem desta ópera, não há personagens masculinas interpretadas por vozes femininas – qual reminiscência dos famosos cantores castrati (quando Mozart estriou esta ópera em Munique, entregou o papel de Idamante ao castrato Vincenzo dal Prato, sobre quem, aliás, fez os comentários menos simpáticos, acabando por ter de lhe ensinar tudo…) – pelo que tivemos, nem mais nem menos do que três tenores em palco, Richard Croft, Idomeneo, Yann Beuron, Idamante e Julien Behr, Arbace, todos em óptimas prestações, com especial destaque para o protagonista que confirmou a enorme expectativa para este desempenho.
Mireille Delunsch fez anunciar que tinha a voz afectada por um ameaço de constipação. Muitas vezes, tais avisos não correspondem à verdade da situação e revelam, isso sim, um natural receio pela responsabilidade de cantar em Salzburg. De facto, o seu desempenho na Elettra não foi nada de excepcional mas, enfim, esteve muito longe de estragar a récita. Melhor esteve Sophie Karthäuser em Ília, com uma fina e sofisticada colloratura, muito afim de todas as modulações mozartianas que o papel pressupõe.
Músicos fabulosos, uma direcção irrepreensível. A componente balética da ópera, reminiscência da prática francesa, foi preenchida de forma inexcedível, ao som de uma música que passa por ser das melhores da lavra de Amadé. Um espanto! Na Mozartwoche havia duas récitas desta ópera e, como não podia deixar de ser, assisti a ambas. Confirmei como Les Musiciens du Louvre-Grenoble e Marc MinKowski são expoentes de máxima grandeza na interpretação do repertório mozartiano, referências inconfundíveis e, para mim, tão imperdíveis como o Concentus Musicus Wien, com Harnoncourt, por exemplo.
(continua)
4 comentários:
Olá João,
Já estava na expectativa da tua avaliação desta Mozartwoche. Então o Minkowsky já se tornou uma «máquina» mozartiana! Também acho, faltava a ópera para o provar. Devo dizer-te que já tinha lido uma crítica a esta produção aquando da apresentação em Aix. Mas pelo que se sabe das condições da Haus für Mozart (olha que estás a perder qualidades pois não disseste que a récita foi nessa sala, mas eu sei porque, no ano passado, me deste um exemplar do programa...) as possibilidades de montagem - apesar de ser a mesma produção - não têm comparação com natural vantagem para Salzburgo. Aguardo o resto das tuas notícias para me pronunciar no final. Que inveja eu tenho da tua disponibilidade. A trabalhar na escola, não há hipótese nesta altura do ano. Mas não perdes pela demora porque, depois da reforma, também poderei deslocar-me desde Janeiro a dezembro. Um abraço
Eduardo B. Alves
Caro João,
Bem, se na Mozartwoche tivesse havido quatro récitas de "Idomeneo" tu lá estarias em todas. Tinhas de ser inventado... Faço ideia do sucesso. Mas venham as outras notícias para se ter uma ideia do conjunto. Já estou como o Eduardo, pois só no fim nos podemos pronunciar. Farás o favor de te preocupar um pouco mais com os teus amigos melómanos e não só quando vais a Salzburg, Lucerna e Bayreuth. Quanto ao Centro Olga Cadaval, Festival de Sintra (das pessoas de antigamente, já não conheço ninguém que ainda se interesse pelo festival, é lamentável mas isso agora é para ignorantes...) tudo o resto, saberás o que fazer mas eu não me enervava mais com isso. E depois é como dizes, Cascais fica tão perto...
Abraço,
José João Arroz
Ai, tanto queque e tanto salamaleque! Ainda há belas reformas que dão para tanta passeata na estranja, tanta musiqueta clássica e tanta cagança! E vai-se a ver e ainda se queixam do Governo e que a vida está pela hora da morte, credo! Parabéns, tios! Que chiques! Que bem! Que felizardos! Ui, ui!
Reformado com pensão mínima
Apesar de anónima, não consigo ficar indiferente a esta mensagem que tanta pena e tristeza me causa.
Se assim reage quem apenas pode imaginar o que serão as minhas semanas em Salzburg, nem quero pensar no que o anónimo escreveria se soubesse detalhes dos meus passos, não só naquela cidade, mas também noutras da Áustria onde tanto se cultiva a boa música, como Graz, Linz, Innsbruck e Viena, ou ainda noutros famosos festivais europeus como Luzern, Bayreuth, Glyndebourne, etc, que tenho o privilégio de frequentar...
De qualquer modo, pode descansar o anónimo pois nunca o incomodaria com pormenores relativos a certas circunstâncias, como os meus contactos com músicos famosos, em lugares absolutamente excepcionais, propícios à partilha da Arte, da Beleza e da nobreza de sentimentos.
Porquê arriscar suscitar baixas reacções de inveja ou, na melhor das hipóteses, dúvidas quanto à veracidade de episódios que, tão frequentemente, tais ambientes me proporcionam? Fazem parte, é certo, de um património susceptível de ser comentado mas, tão só, «inter pares».
Entretanto, como esta porta do blogue está sempre aberta, arrisco a entrada de quem não sabe ler os sinais de reserva. Por exemplo, no caso em apreço, eu até tinha avisado que o texto era dirigido aos meus leitores melómanos que, de todo em todo, jamais teriam reacção semelhante à do anónimo comentarista.
João Cachado
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