Sintra e Cascais,
um cultural abismo
Com o Centro Cultural Olga Cadaval mesmo defronte de casa não tenho mesmo por onde escapar à vista do grande cartaz parietal com a programação para os tempos mais próximos. Salta à vista que, por ali, os recursos financeiros devem ser escassíssimos. Assim mesmo, no entanto, é provável que, coitados, até pudessem fazer um pouco melhor, para que não se evidenciasse uma tão sintomática manta de retalhos…
De facto, até para não me aborrecer, não deveria entrar em detalhes. De qualquer modo, pelo menos, não consigo alhear-me do que se depreende da programação de cinema. Tal como acontece com o Festival de Sintra – infelizmente tão desacreditado e descaracterizado nas últimas edições – não se percebe a que lógica obedece o conjunto dos filmes a apresentar. Naquela casa, insiste-se em fazer coisas desgarradas, sem coerência, sem lógica implícita ou explícita.
E, neste caso do cinema, o meu desgosto é tanto maior quanto, no passado mais ou menos recente, mas sem qualquer resultado, tentei colaborar no sentido de solicitar ao saudoso João Bénard da Costa uma articulação com a Cinemateca para a organização de ciclos temáticos de cinema. Maria Nobre Franco, ex-directora do Sintra Museu de Arte Moderna-Colecção Berardo, Ana Maria e Margarida Bénard da Costa, respectivamente, mulher e irmã do então Presidente da Cinemateca, envolveram-se nos contactos mas, como soe dizer-se, tudo ficou em águas de bacalhau o que, aliás, é coisa bem comum em Sintra.
E por aqui me fico, mas solidário com o meu amigo Mário João Machado que, na administração da SintraQuorum, sempre se bate para que as coisas tenham a melhor qualidade possível. Se dele dependesse a final resolução de alguns reparos que subscrevo, tenho a certeza de que outro galo cantaria…
Naturalmente, a oferta cultural de Sintra não se esgota no que acontece no Olga Cadaval. No entanto, neste domínio da cultura, nada de significativo se regista em Sintra, com real impacto cultural, tanto a nível local como nacional e internacional, a exemplo do que, aqui tão perto, sucede em Cascais.
E, atestando o que acabo de afirmar, ontem mesmo, no Centro Cultural de Belém, a Sociedade Portuguesa de Autores atribuiu à Câmara Municipal de Cascais o prémio para a melhor programação cultural autárquica. Nem sequer sabia que havia um prémio para o efeito mas, a existir, de facto, a Câmara Municipal de Cascais merece-o. E, tanto assim é em Portugal, quanto mais se tiver em conta a generalizada indigência.
Quem acompanha a publicação de textos neste blogue não se surpreenderá com o meu regozijo. Na abordagem comparativa do que se faz por lá e por cá, em Sintra, não sei quantas vezes tenho sublinhado a excelência de Cascais. Parece que vivemos em países diferentes. E o que mais dói é que à medida que Cascais atinge patamares cada vez mais altos de gabarito, Sintra apouca-se.
Não é para admirar. Vão perdoar que me cite a mim próprio e transcreva um excerto de um texto subordinado ao título Cascais, tão perto, tão longe, aqui publicado em 25 de Agosto do ano passado:
“(…) No campo cultural, confrange a comparação com Sintra. Em tempo oportuno, foi determinante a acção de José Jorge Letria como Vereador da Cultura. Com ele, multifacetado homem de cultura, Cascais mudou, avançou para onde devia uma terra com as suas características, perto da metrópole, em íntima articulação com a metrópole, enquanto Sintra estagnou. De Sintra, nem será bom lembrar a quem tem estado entregue a Cultura...
Faz-se em Cascais do melhor teatro do país. A novel Orquestra de Câmara de Cascais está alcançando um nível que não escapa ao interesse e curiosidade dos melómanos. Por outro lado, mas em domínio afim, enquanto entre nós, definha e já está em estertor o Festival de Sintra, em Cascais cada vez maior é o sucesso do Festival de Música do Estoril e, inclusive, multiplicam-se as provas de reconhecimento internacional como a mais recente, da União Europeia, para já não falar do conceituadíssimo Festival de Jazz.
No que respeita os museus e animação cultural, lembremos apenas o Centro Cultural de Cascais, a Casa Verdades de Faria (Museu da Música Portuguesa), Fábrica da Pólvora, Espaço Memória de Exílios, Museu dos Condes Castro Guimarães, Museu do Mar, Museu do Automóvel Antigo, para além de todo o dispositivo de espectáculos e actividades culturais dependentes do Casino, do Centro de Congressos, de grandes hotéis que promovem eventos culturais, etc, etc..
E, agora, para que a inveja ainda seja maior, então não é que vão inaugurar, já em Setembro, a Casa das Histórias, ou seja, o Museu Paula Rego, com projecto do Arq. Souto Moura e que, indubitavelmente, vai constituir um pólo de atracção cultural de primeiríssima ordem e categoria, tanto a nível nacional como internacional? Pois ainda bem! E, melhor ainda, porque Cascais fica tão perto…
António d’Orey Capucho, Presidente da Câmara Municipal de Cascais e Conselheiro de Estado, com a sua postura de elegante descrição, vai acrescentando obra atrás de obra, sem alarido e sem a mínima transigência ao mau gosto, sem qualquer ponta de evidência ou notoriedade popularucha. É um homem respeitado, cuja futebolística preferência desconheço e que, tanto quanto me parece, é coisa que nem sequer faz parte do seu currículo oculto. (…)”
E, naquela altura, ainda não tinha acontecido o Festival de Cinema que foi um evento de impacto verdadeiramente mundial! Enfim, bem pôde António Capucho dizer o que ontem disse no Centro Cultural de Belém, sublinhando o excepcional trabalho dos funcionários do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Cascais e o facto de tanto se orgulharem da sua condição de funcionários públicos…
Que maravilha! E estava lá, no grande auditório do CCB, uma boa representação do pessoal da Cultura da Câmara de Cascais, gente feliz e comovida, em total sintonia com as palavras de um presidente que, na verdade é um caso muito sério.
Tenham santa paciência!... Então não acham que são inevitáveis as comparações? Então, naturalmente feliz com o que se passa em Cascais – aqui tão perto, permitindo-me sempre usufruir da sua oferta – não hei-de ficar, também naturalmente, tão frustrado por aqui, em Sintra, não se passar da cepa torta?
4 comentários:
Caro Dr. Cachado,
Concordo completamente consigo: - não há comparação possível entre Sintra e Cascais no campo cultural. Aliás também não se pode comparar a segurança e a limpeza das praias, a organização dos transportes públicos etc. Tudo é melhor em Cascais que tem talvez a melhor qualidade de vida do país. Por isso também tem um presidente de câmara com aquela categoria, um grande senhor em todos os domínios, um verdadeiro cavalheiro que também é conselheiro de Estado, pessoa respeitada, equilibrada que nem é bom comparar com o nosso de Sintra. Quanto ao Olga Cadaval, já há muito tempo deixei de frequentar por falta de qualidade geral dos espectáculos que mais me interessam e por não ter condições de estacionamento.
Fernanda da Fonseca
Amigo João Cachado,
Não se percebe porque o Olga Cadaval não promove os tais ciclos de cinema. É caso para dizer que Deus dá nozes a quem não tem dentes... Parece que não se pode confundir a programação que consta do cartaz de que fala o Cachado com os espectáculos dos cantores de música ligeira da sala maior. A cultura não é um conceito tão elástico. Sobre o festival de Sintra o melhor é mandar rezar missa por sua alma. Sou do tempo em que o Cachado dizia que era o produto cultural de maior nível de Sintra. Outros tempos...
Ângelo Torres
Pois é! eu vivo em Sintra trabalho em Lisboa e aos fins-de-semana vou para Cascais. Vou e venho às vezes 3 e 4 vezes! Tenho um filho pequeno e aqui em Sintra não tenho um bom jardim infantil com estacionamento por perto - em Cascais tenho. Em Sintra não tenho acesso a uma praia com estacionamento ordenado e - em Cascais tenho, etc, etc.
Acerca do CCOC:- ainda nas duas semanas anteriores o Centro Cultural Olga de Cadaval teve dois espectáculos que eu até considero terem alguma qualidade, Rodrigo Leão e Tindersticks, falei a amigos e muitos disseram preferir ir a outros locais - PORQUÊ perguntei eu? Falta de estacionamento, deixarem pessoas entrar, já depois dos espectáculos começarem, e com isso incomodarem as pessoas que entraram a horas, e não haver sitio para se tomar sequer um cafézinho!
Pois é! muito poucas razões para se deixar de vir ver um espectáculo dirão alguns... Eu cá acho que são muito boas razões.
Colega e amigo,
Mas quem faz a programação do Olga Cadaval? Não são funcionários da Câmara? Aquilo não depende duma empresa da Câmara? E a Câmara não está cheia de filhos e afilhados de funcionários da Câmara que já são filhos e afilhados de funcionários da Câmara? E sempre foram todos muito competentes não foram? Já deram cabo do festival de Sintra, e não sabem o que estão a fazer, já se percebeu. Ó Cachado, às vezes também parece que você se esquece destas coisas de nós por cá... Mas estou consigo, temos Cascais aqui tão perto que em Sintra podemos deixar em paz os incompetentes «programadores culturais» da treta dando cabo do Centro Cultural que tem como madrinha uma senhora que deve dar voltas na tumba com estas burrices todas.
Abraço do Jorge Reis
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