[sempre de acordo com a antiga ortografia]

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Regresso de Salzburg

Preâmbulo

1. A decepção

Mal chego ao aeroporto e compro o Público de hoje, logo fico identificado. Na diagonal, leio o texto de Vasco Pulido Valente intitulado Um homem perigoso, ilustrado com a fotografia de José Sócrates, e percebo que, apesar de esclarecedor, ainda preciso de ler mais umas coisas para me pôr em dia.

Já em casa, com um pouco mais de delongas e cuidados, acedo aos jornais que a minha mulher tinha guardado durante a ausência. Fico a saber do descalabro que confirma o atoleiro de trampa em que quase nos afogamos. Que nojo! Envergonho-me com o ataque do Primeiro Ministro a Mário Crespo. Não tenho palavras para qualificar o tal plano para silenciar as vozes incómodas da comunicação social, plano constante das escutas publicados por O Sol – legalmente publicadas, segundo a insuspeita opinião de Ricardo Sá Fernandes, advogado de Paulo Penedos – e fico absolutamente desconcertado com a crise suscitada pela discussão e aprovação da Lei das Finanças Regionais.

Prossigo e só tenho vontade de regressar para onde tão bem estive. Mais do que costuma acontecer-me, sempre que volto de lugares menos poluídos por fenómenos que tais, apetece-me sair de vez, mas com a família atrás, que isto está a tornar-se perfeitamente irrespirável. Não me recordo de termos um governo e um Primeiro Ministro tão debilitados, tão desacreditados. Mas o mal não vem só de uma banda. É toda uma medíocre classe política que demonstra à saciedade, como é, continua e faz gala em ser reles. Fico com a ideia e a imagem do estertor em curso, que não prenuncia nada de auspicioso.

Cada vez mais, maior é a preocupação que sinto em relação ao futuro colectivo. Cada vez mais, maior a gratidão pela educação que recebi, no respeito por valores que pensei só poderem ser exaltados e enaltecidos depois de recuperada a democracia, com a possibilidade de todos fazerem render as suas capacidades, independentemente do berço de nascimento. Como me enganei! Meu Deus, como nos enganámos!

2. Uma questão de família

Fui a 17 do mês passado e voltei hoje de Salzburg. Todos os anos ali passo umas semanas, nomeadamente no Inverno, por altura da Mozartwoche, entre fins de Janeiro e primeira semana de Fevereiro – sempre a coincidir com o aniversário de Mozart, em 27 de Janeiro – e também durante o Festival da Páscoa, sempre com a Orquestra Filarmónica de Berlin, durante a semana santa.

Trata-se de dois momentos cruciais da vida da cidade, concentrando um grande número de eventos musicais do mais alto nível mundial que, de facto, muito ultrapassam os limites da Música para, lato senso, se evidenciarem como grandes acontecimentos culturais. E, como não podia deixar de acontecer, igualmente se trata de dois momentos importantes da minha actividade anual.

Deixem-me referir que, desde miúdo, me habituei à frequência dos melhores festivais de música. E isso, muito naturalmente, devo ao meu pai, com quem viajei muito por toda a Europa, em especial por causa dos festivais de música de Lucerna, da ópera de Wagner em Bayreuth, ou de Verona onde, com maior informalidade, ia à arena assistir a récitas de ópera de vários compositores, com maior destaque para Verdi. E esta prática, logo tratei de passar às minhas filhas que, há trinta anos, ainda na infância, já andavam nesta vida comigo e com minha mulher.

Pertenço a uma família de gente com grande interesse pela música erudita. O meu pai e uma das minhas tias tinham o curso superior de violino do Conservatório, outra tia, os de piano e harpa. O meu avô paterno tocava piano excelentemente, a avó cantava. Com estes antecedentes, é natural que me tivesse tornado num melómano inveterado, cujos recursos, destinados a actividades culturais, estão quase exclusivamente afectos à frequência da grande música, cá e lá fora.

De facto, Salzburg é um dos lugares onde, como já afirmei, passo os meus melhores momentos de vivência cultural de todo o ano. Certo é que, ainda em 2010, lá voltarei e também a Bayreuth, em Agosto. É natural que aguarde estas semanas com muita expectativa e que as aproveite para um enriquecimento que muito ultrapassa a frequência dos concertos, recitais, ópera, missas, bailado, teatro, cinema, etc.

Na realidade, é nestes períodos que me actualizo, por exemplo, em consultas na Fundação Internacional do Mozarteum, uma instituição do maior prestígio internacional de que me orgulho de pertencer como membro efectivo, cuja Biblioteca Mozartiana é verdadeiramente preciosa. É nestes períodos que frequento conferências, pequenos cursos e seminários, em que contacto com gente fantástica, como agora acaba de acontecer, com o grande compositor húngaro György Kurtág e Martha, sua mulher.

Impressões do festival


Pois bem, depois desta introdução um pouco mais pessoal, dirijo-me, já de seguida, aos meus muitos leitores e amigos melómanos que, durante anos e anos, se habituaram a ter notícias de Salzburg, através do meu testemunho, que o saudoso Jornal de Sintra costumava publicar – vejam lá como estas coisas são – em exclusivo nacional e, naturalmente, em colaboração absolutamente graciosa!...


(continua)

3 comentários:

Anónimo disse...

O senhor devia ter ficado na Áustria. Trabalhei na Alemanha e sei o que o senhor sente
Aqui está tudo infectado e os sinais são de pioras e não de melhoras. É um país de oportunistas e vigaristas como só na América do Sul.
Suzete Pires

Carlos Sidonio disse...

Boa noite Dr Cachado,
O caso da censura do Jornal de Sintra ao artigo do Sr. Castelo também é um sinal de falta de liberdade de expressão que se vive em Sintra. A dependência do Jornal de Sintra em relação à autarquia local levou à censura do artigo porque a direcção não quis ofender o presidente da Câmara. Como quem diz: preciso de publicidade, não posso mostrar as garras afiadas. O receio está instalado, tem de se fazer uns jeitos porque viver não custa, o que custa é saber viver… Este blogue ainda é um lugar de liberdade, por isso parabéns.Carlos Sidónio

Gra;a ]Alvares disse...

Caro colega Cachado, Estou também muito apoquentada com o que está a passar-se no nosso país. Tenho vergonha. Vi noutro dia Maria João Avilez afirmar que é a primeira vez que sente vergonha pela situação criada por este governo. Eu também. E percebo os sentimentos do João Cachado chegando a Lisboa. Utilizo a sua expressão, a situação portuguesa é uma trampa. É uma pena porque temos coisas óptimas que os políticos não sabem gerir.
G. Álvares