[sempre de acordo com a antiga ortografia]
sábado, 8 de maio de 2010
Às arrecuas,
ma nò tròppo…
Acaba o país de saber que S. Exa. o Primeiro Ministro dignou resignar-se ao que talvez não tivesse querido mas foi obrigado, depois de, nesta recente deslocação a Paris e Bruxelas, ter ouvido o que precisava. Ter-se-á rendido à evidência de que um país exaurido, exangue, praticamente incapaz de honrar o serviço da dívida externa que vem contraindo, não pode ter os vícios dos que têm dinheiro…
Até agora, não ouvi nem li, fosse quem fosse, pôr em causa a pertinência da concretização das grandes obras públicas que tanta controvérsia têm gerado. Ora bem, se polémica tem havido, ela apenas reside na simples circunstância de que, apesar da eventual necessidade, o simples facto de não haver recursos para os concretizar, inviabiliza qualquer hipótese de os equacionar no curto ou médio prazos.
De facto, em especial após a reclassificação das agências de rating, o dinheiro está tão caro, que Portugal não tem outra alternativa que não seja adiar a realização de projectos que acabariam por secar a hipótese de financiar negócios bem mais rentáveis. Nestes termos, o tgv, a terceira travessia do Tejo, mais auto-estradas, o aeroporto de Alcochete, têm de esperar por melhores dias.
É que, nas actuais circunstâncias, não há hipótese. Não pode agravar-se a dívida externa, o factor mais perigoso da situação portuguesa em particular. Este não é, de todo em todo, o momento para recorrer ao crédito nas praças internacionais, coisa que, aliás, já o próprio banqueiro Espírito Santo tinha afirmado tão recentemente, acrescentando que é preciso aguardar por melhores dias de apaziguamento e acalmia no mundo financeiro.
E, a propósito, ninguém ousará afirmar que o seu banco não estará desejoso de se envolver num negócio em que poderia retirar tão bons proventos. Bem, se o homem não sabe do que fala… Terá sido isto e mais umas dicas afins o que o PM ouviu aos seus interlocutores nesta deslocação à Europa transpirenaica. Era isto, afinal, que precisava ser público e evidente para o fazer recuar, mas sem perder totalmente a face. E lá ficaram para trás, a terceira travessia, o aeroporto, as auto-estradas.
Mas os comboios, senhor…
Sem relutância, estou prestes a aceitar a justificação que, no jornal Público, Vasco Pulido Valente avançava, no passado fim de semana, relativamente à teimosia do PM na concretização deste projecto do tgv. Com imensa pertinência, ironia e sabedoria, escrevia o Vasco que, na iminência de terminar o seu segundo mandato, sem nada de substancial ter mudado o país, a José Sócrates restava a hipótese de deixar o comboio como marca da governação...
Quanto ao tgv, aquilo que todos vamos sabendo, cidadãos mais ou menos informados que tentamos ser, também o PM o sabe. De facto, o emprego conseguido é efémero, de baixa qualificação, insignificante é a quota parte de produção portuguesa implicada e que, paradoxalmente, a ibérica ligação a Madrid nunca será um negócio rentável para a parte portuguesa. E isso é perfeitamente lamentável quando, com menor precipitação, até seria possível trabalhar uma alternativa mais compatível com os interesses do país.
No entanto, ninguém, em seu perfeito juízo, negará a absoluta pertinência de encarar a ferrovia, nas suas variantes de transporte de pessoas e mercadorias, em velocidades adequadas aos respectivos enquadramentos, e nas apropriadas bitolas. O que está em causa, isso sim, se a coisa for para frente, são as características do negócio em perspectiva que, além de implicarem na cativação de verbas indisponíveis, não satisfazem a resolução mais atinente dos dois aludidos factores, i.e., velocidade e bitola.
Afirma quem sabe destas coisas, que, a concretizar-se o projecto, importaria optar, indiscutivelmente, por uma solução de alta velocidade e não de muito alta velocidade cuja diferença, quer ao nível da construção e implantação dos próprios carris quer da concepção dos motores propulsores das locomotivas, se traduz numa enorme diferença de muitos milhões de euros de investimento.
Por outro lado, no que à questão da bitola se refere, menores não são as implicações se for efectivamente adoptada a solução que está perspectivada. É que, de tal modo evidentes são as diferenças em relação à bitola europeia que fica comprometida a compatibilização, com todos os prejuízos advenientes para a circulação. Se, repito, a coisa vai mesmo para a frente, como o PM acaba de anunciar, impõe-se esclarecer os cidadãos, com a maior urgência.
Naturalmente, caberia ao Governo o esclarecimento. Todavia, sabemo-lo bem, não é essa nem a cultura nem a prática vigentes. Infelizmente, a contrario do que para si próprio mais conveniente seria, o governo actua sem dar quaisquer satisfações. Neste caso, trata-se de matéria de índole técnica que, devidamente tratada em termos da informação, muito poderia contribuir para a aceitação de um projecto que vai consumir tão vultuosos recursos dos contribuintes.
Esperemos que, perante a evidente e flagrante falta de informação oficial, os diferentes partidos da oposição, da esquerda à direita, não deixem de aproveitar o ensejo para fazerem o trabalhinho que se impõe. Se não o fizerem, aliam-se ao Governo na manutenção deste statu quo de trevas, tão pouco propício a uma comunidade que está prestes a empenhar-se a si própria e às gerações futuras, sem perceber aquilo em que está metida.
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4 comentários:
Caro colega João Cachado,
É muito raro não concordar consigo. Na maior parte
dos casos, você escreve acerca
de assuntos que não podem
ser mais recentes,
como o de hoje.
O PM é um menino nas mãos das bruxas europeias.
Teve de recuar mas ainda
a ver se consegue ir com o TGV adiante. Eu não acredito.
Ainda aí vem muita tempestade e ele vai ter mesmo de desistir.
Acho que podia escrever algo sobre as obras que o Dr. Seara
também quer fazer tendo de
ir pedir emprestado dinheiro
que não está nada barato.
Parabens pelo trabalho no blog.
Suzana Esteves
Não se percebe esta política de uma no cravo e outra na
ferradura.
Reavalia-se o aeroporto e
a 3ª travessia mas não se hesita no TGV que nunca dará
rendimento em concorrência
com as aéreas low cost. Acabei de ver o Ministro a assinar o contrato com a Brisa e a Soares da Costa.
É um grande negócio mas não para os contribuintes.
É horroroso ter um governo que não sabe defender os interesses actuais e futuros porque
os nossos filhos e netos
é que vão pagar esta solução de avestruz. É uma grande decepção.
Portugal tem o descrédito internacional que merece pela figura de incompetente que o Primeiro ministro anda a fazer
por esse mundo fora. Era um grande favor que ele fazia se voltasse rapidamente à Covilhã a fazer as cazinhas aos amigos. E aproveitava para tirar um curso de jeito no politécnico decente da Guarda.
Fernando P.
Não consigo entender como é que hoje o governo vem pedir compreensão para a possível subida de impostos e insiste em ir para a frente com o TGV. Não devo estar enganado: aqui há grande negociata, muitas luvas encobertas, muita sobrefacturação, muitas comissões a financiarem um ou mais partidos políticos. Os interesses em jogo são tanto a nível nacional como internacional. Não esqueçam que o TGV é quase todo importado e que há muitas empresas europeias a esfregarem as mãos de contentes.
Paulo Oliveira
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