Foi preciso que, em Paris e Bruxelas,* tivesse ouvido aquilo que, durante anos, andou a tentar esconder do cidadão comum – ou seja, que é tremenda a crise em Portugal, que está em causa o sistemático endividamento, porque os credores até fazem contas – para que o Primeiro-Ministro se tivesse rendido à tardia evidência de que não é possível continuar a hipotecar o presente e o futuro.
Com toda a certeza, teria sido possível não chegar a este triste espectáculo de perda de autonomia, que, entre outras muito mais nefastas consequências, também reduziu o mais responsável governante de um Estado soberano à pública e internacional insignificância de um títere, obrigado a actuar de acordo com os ditames dos valores que mais alto se levantaram para além da sua pacóvia cegueira.
E, deste modo, por externa mas impositiva intercessão, se acabou com a possibilidade de concretizar os famigerados e megalómanos projectos de obras públicas. Dir-se-ia que não há mal que não venha por bem… Até pode não se pôr em causa a eventual mas não inequívoca pertinência de tais iniciativas de investimento público. Todavia decisivo, isso sim, é o facto de, nas actuais circunstâncias, estarem exauridos os cofres e não ser possível recorrer a um crédito internacional que se faz pagar alcavalado de taxas absolutamente incomportáveis.
Não tenho a menor dúvida de que, na perspectiva de se esfumarem os chorudos negócios com que contavam, devem andar preocupadíssimos os mais altos responsáveis das empresas construtoras que vivem na babuje das benesses e prebendas de um Estado que tem demonstrado não saber defender-se da promiscuidade entre os poderes político e económico. A propósito, podendo trazer à colação outros bem conhecidos, como não ter presente o caso de Jorge Coelho, o mais paradigmático, de ex-destacado dirigente do Partido Socialista e actual presidente do concelho de Administração da Mota-Engil?
Naturalmente, devemos preparar-nos para o que não tarda. Em especial, refiro-me ao lóbi que fará chegar à praça pública as mais negras previsões de desastre social decorrente do desemprego dos trabalhadores estrangeiros da construção civil que demandaram o nosso país. Deles se dirá que vão engrossar as estatísticas dos crimes que geram o tão inevitável como perturbador alarme social. Enfim, a pressão do costume, a tentativa de condicionar a decisão política…
E em Sintra?
A nível local, a crise nacional e global não pode deixar de reflectir-se, em particular no que concerne a capacidade de endividamento autárquico. Nestes termos, com o sentido das realidades que se impõe, espera-se que a Câmara Municipal de Sintra se prepare para arrepiar caminho relativamente a projectos nitidamente insustentáveis. Naturalmente, na sequência de textos anteriores publicados neste blogue,** não poderia deixar de voltar a pedir a vossa atenção para o polémico negócio da Quinta do Relógio.
(continua)
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* Às arrecuas, ma nò tròppo, 08.0510.
** Carta Aberta da CDU, 27.04.10, Sintra Garagem, parte quatro, 22.04.10, Sintra Garagem, parte três, 21.04.10, Sintra, um polémico percurso, 13.04.10, Quinta do Relógio, polémica insistência, 05.03.10, Sintra em compras polémicas, 14.01.10.
3 comentários:
Sintra também precisa de "cair na real". Se não há dinheiro para arranjar uns passeios, uns muros, etc, como é que há dinheiro para comprar a Quinta do Relógio? Que juros se iriam pagar pelo crédito? E aquilo não tem uma negociata qualquer lá pelo meio?
E. Ceia
Meu caro João Cachado,
Ao falar-se da Quinta do Relógio (6.750.000 de euros) não se pode esquecer o outro negócio que está associado à mesma linha de crédito - o Complexo Desportivo de Fitares (4.800.000 euros).
Em termos práticos, se é certo que se desconhece o montante a que poderá ascender a recuperação da Quinta do Relógio (já não falando nos fins...) que se afigura igual ou maior que o custo da aquisição, também no Complexo de Fitares se desconhece o montante dos custos com novos equipamentos, uma vez que os inicialmente disponíveis tiveram o seu tempo de vida e, por força disso, o Complexo terá sido encerrado.
A mistura da putativa aquisição da Quinta do Relógio com o Complexo de Fitares pode ter contornos pouco entendíveis, havendo quem tenha invocado "distanciamento" para com a primeira, sem ser referida a posição perante a segunda.
Vejamos, pois, a questão de Fitares, certamente alvo de um contrato de arrendamento comercial, celebrado em vésperas das eleições autárquicas de 2001, que em condições normais deveria separar os valores imobiliários dos equipamentos, tendo em conta que estes deveriam ter uma taxa de desvalorização anual, até ao seu valor residual. Igualmente poderia ter sido fixado o período mázimo de laboração doa equipamentos para garantia de segurança.
Quando as instalações foram encerradas em 2008, certamente foi por se terem esgotado a capacidade de exploração em segurança.
Portanto, salvo melhores e doutas opiniões, a aquisição agora prevista por 4.800.000 euros deveria considerar APENAS a parte imobiliária, reduzindo pois o valor a dispender com a compra.
Depois, haverá lugar à aquisição de novos equipamentos, cujo montante por agora não é publicamente conhecido.
Admitindo que o contrato de arrendamento NÃO PREVENIU ESTAS SITUAÇÕES EM 2001, as administrações que se seguiram à contratante tiveram tempo mais do que suficiente para actuar.
É isso que importará agora conhecer, para que não assistamos a distanciamentos na Quinta do Relógio e mantos diáfanos em Fitares.
Pois pois,bastou a Dra. Edite perder as eleições e logo um do Pc entrou na administração da Educa e por lá anda desde 2002.Façam outra carta aberta a desmentir.Tive a ler outra vez a carta aberta e vejo que no ponto 5 falam é nas instalações escolares mas sobre a compra do complexo tudo calado.
É como no TGV também salvavam a cara com a abstenção.
Só faltam cartazes a gritar que só a abstenção é revolucionária.
V.M.C.Gomes
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