[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 11 de junho de 2010


Condecoração
ou semdecoração?

É a condecoração uma distinção honorífica com que se agracia alguém em recompensa de algum serviço absolutamente excepcional. Esta definição repudia qualquer género de condecoração quando o cidadão comum mais não faz do que cumprir a sua obrigação.

Em dia de imposição de condecorações, não há quem assista à cerimónia sem que, muito breve e sumariamente, faça uma avaliação quanto à justiça da sua atribuição, na tentativa de perceber se, efectivamente, o cidadão distinguido terá sido merecedor da distinção que lhe foi outorgada.

Independentemente dos factores formais, informais e aleatórios a ter em consideração, há condecorações que são universalmente inequívocas, outras perante as quais se manifesta uma universal indiferença e, finalmente, aquelas que suscitam senão escândalo geral, pelo menos um ranger de dentes indisfarçável.

Neste 10 de Junho, houve um pouco de tudo isto e, na minha opinião, um caso absolutamente escandaloso. Refiro-me a Isabel Pires de Lima. De tal modo incomodado fiquei, quando a vi naquela inusitada cena, que nem consegui reparar no pormenor da ordem e grau da condecoração.

A que título terá sido distinguida? Como professora, por alguns considerada especialista em assuntos queirosianos? Em geral, não consta seja suficientemente creditada naquele domínio académico para que tal honra a distinga. Resta-me interpretá-la – e esse pormenor entendi-o, muito bem expresso pela locutora de serviço à cerimónia que a televisão transmitia, na alusão que fez à condição de Ministra da Cultura do primeiro governo de Sócrates – como recompensa pelos serviços de governante.

Pelos vistos, não bastou o descalabro de algumas das suas decisões, como as da dispensa da continuação dos serviços de Paolo Pinamonte como Director Artístico do Teatro Nacional de São Carlos, de António Lagarto de Director do Teatro Nacional D. Maria II, de Dalila Rodrigues de Directora do Museu Nacional de Arte Antiga ou a inépcia que demonstrou por não ter conseguido o financiamento para a continuidade da famosa Festa da Música do Centro Cultural de Belém. Faltava agraciar a sua incompetência.

Quanto ao Primeiro Ministro, bem sabemos nós o que a casa gasta e até imaginamos quem terá sugerido a distinção. Por isso, não surpreendeu o sorriso – que me abstenho de qualificar para não ofender algum simpático animal, menos benquisto da fauna mais conhecida – que, de soslaio, lançou a Pires de Lima enquanto esta ocupava a ribalta. Mas, então, o Presidente? Não haverá, em Belém, quem lhe recorde o registo dos disparates em que a senhora foi tão pródiga?

Como bem demonstrou durante a sua tão criticável actuação,* enquanto responsável pela pasta da Cultura, Isabel Pires de Lima nem sequer fez o que seria de esperar da sua vulgar mediania, ou seja, nem sequer correspondeu à expectativa do cumprimento, sem escusadas polémicas, das funções em que esteve investida. Pois bem, como prémio, eis a pública mas bem dispensável ofensa de hoje.

Já nos estávamos habituando à ausência da nortenha figura dos holofotes dos media. Afinal, ainda anda por aí. Sua Excelência o Presidente da República acabaria por bem no-la pôr diante dos olhos, num dia tão especial, em que a ninguém lembraria uma tal travessura...

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* A propósito, no sintradoavesso, ler Lembrete, 14.02.08 e Dias da Música sem festa da música, 21.04.08.





4 comentários:

Carlos Sousa disse...

Condecorar quem não merece é o melhor caminho para desvalorizar e desmoralizar os que conseguem continuar a viver em Portugal com dignidade. É a tal história do ser condecorado com a medalha de cortiça... Não vale a pena esforçar-se se ninguém reconhece o esforço e ainda goza com quem se esforça.

Carlos Sousa

Rui Lemos disse...

Com tanta asneira feita tinha de ser condecorada. Em Portugal é o mais habitual. Nem sei porque o Cachado se indigna tanto.

Rui Lemos

Anónimo disse...

Estas pessoas que não são
nada excepcionais passam por lugares de governo,
são deputados, arranjam uma reforma sem muito trabalho
e em pouco tempo e até
levam condecorações desde que tenham um cartão do partido, enquanto 20% do povo é pobre
ou vive abaixo do
limiar da pobreza, 11% está desempregado e nos últimos dez anos teve de emigrar em grande quantidade.
Assim sem moralidade vindo de cima não pode pedir-se sacrifícios.
José Jorge

Rui Costa disse...

Amigo Cachado,
Só no Ministério da Cultura, depois de Isabel Pires de Lima já houve Pinto Ribeiro e a seguir a Gabriela Canavilhas. Mal duram um ano no poleiro e logo se vê que valem muito pouco não se percebendo como levam condecorações. Mas o Cachado ajuda a entender...
Rui Costa