[sempre de acordo com a antiga ortografia]

terça-feira, 29 de junho de 2010


Scuts,
episódio do desgoverno


Em primeiro lugar, cumpre avisar que, não sendo meu objectivo entrar em pormenores, a compreensão do texto que se segue apenas é acessível a quem tenha assistido, ontem à noite, ao programa Prós e Contras da RTP 1. Quem o perdeu, dificilmente terá oportunidade de voltar a assistir a espectáculo análogo, em que um membro do Governo – deste ou de qualquer outro, no presente ou no futuro – seja sujeito a prova de tão grande achincalhamento público.

Convém especificar que estavam presentes dois membros do Governo, o Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Secretário de Estado dos Transportes e Comunicações e que é apenas acerca da intervenção deste último que me reporto. A questão em discussão, como não podia deixar de ser, continuou a ser a da introdução de cobrança de portagem nas até agora denominadas Scuts.

Os ataques, à esquerda e à direita, eram proferidos por Presidentes de Câmara, afectos ao PS uns, ao PSD outros, operadores rodoviários de transportes de mercadorias, representantes de comissões de utentes, etc, invariavelmente, todos tocando a mesma tecla. Claro que ninguém está disposto a pagar e, muito menos, nos termos propostos através do dispositivo legal já vigente, que pressupõem o recurso aos polémicos chips.

E, na verdade, a coisa é de tal modo controversa, tão geradora de potenciais protestos, configurando o quadro da própria desobediência civil que, avisadamente, minutos antes do começo do programa televisivo em referência, o executivo governamental anunciaria o adiamento, por um mês, da entrada em vigor da decretada cobrança.

Coitado do desgraçado rapaz! Querem acreditar que, às tantas, perante ataque tão cerrado, me condoí? Devem ter tocado a corda mais sensível da minha caridade cristã… Eram risos e sorrisos sarcásticos, nada discretos, de impiedoso, violento e provocador desafio, que o ridicularizava para além do apoucamento a que um governante deverá sujeitar-se, mesmo nos seus piores momentos…

Todavia, engana-se quem pensar que o piqueno se atrapalhou. Mas, em sua defesa, usou argumentos tais que sou levado a concluir pela falta de discernimento deste senhor Secretário de Estado. Ou, então, estará convencido de que, perante a argúcia da sua tão preclara capacidade de argumentação, consegue fazer ataques sucessivos à inteligência dos cidadãos, mantendo-os inermes e inertes, impávidos e serenos.

O Secretário de Estado meteu-se numa monumental trapalhada. Entre variadíssimas coisas, terá de esclarecer como resolve a questão da cobrança sem violar o direito dos cidadãos a uma alternativa à modalidade através da Via Verde ou chip. Depois, também gostarei de saber, muito bem explicado, o facto de o fornecedor do tal chip ser um seu ex-assessor, que estará a fazer um negocião de 150 milhões de euros…

Finalmente, confirmo não poder estar mais de acordo com as posições da CDU e do BE. O dinheiro é curto, há que ir buscá-lo através de consabidas soluções fiscais que o Governo, por incompetència, evidente e manifesta falta de coragem para o exercício da autoridade democrática de que está investido ainda não foi sequer capaz de equacionar.

E, naturalmente, o que falta ao Pec, o corte na despesa, através da sistemática eliminação de uma série de entidades que, na sequência do diagnóstico que se impõe, se verifique serem inequivocamente dispensáveis à administração da coisa pública, tais como Direcções-Gerais e Institutos Públicos, empresas públicas, empresas municipais e fundações mais ou menos fictícias, que não passam de devoradoras sanguessugas, parasitas de parasitas, para as quais o erário público é um poço sem fundo.

Enquanto assim não for, facílimo é continuar a tentar explorar, até ao último cêntimo, aqueles que não podem furtar-se. Neste quadro, as Scuts constituem apenas um lamentável episódio de desgoverno. Para isso, qualquer medíocre Secretário de Estado serve. Para fazer o trabalho que se impõe, outro fôlego é necessário, com base na credibilidade, na seriedade que recusa a série de habilidades com que o actual Governo e a classe política em geral têm causticado a comunidade.



8 comentários:

Leal Semedo disse...

Caro Dr. João Cachado.

Vi o programa na televisão e até acho que o seu texto é muito brando em relação ao que realmente aconteceu.
Já hoje se soube que afinal o governo recuou e já é possível não comprar o chip obrigatoriamente. Mas é tudo uma precipitação incrível.
Estou com todos os que são de opinião de ir buscar o dinheiro
eliminando despesas. Para mim o caso mais evidente é das empresas municipais. Por exemplo em Sintra há muito que fazer pois não há nenhuma empresa municipal que se justifique. Um abraço, Leal Semedo

Anónimo disse...

Governantes?
-Não, grandes trapalhões e até irresponsáveis. Uma vergonha. Agora,é o caso das isenções que não tem pés nem cabeça. Ninguém sabe onde se vai parar.

Vitorino disse...

Bem, que já nos esquecemos todos da CREL que não se pagava e até havia quem acreditasse que o sr. Seara estava pronto para fazer uma manifestação contra as portagens.E agora a nova IC16 onde se paga mais é em Sintra e está quase sempre às moscas com os carros a irem pela Estrada 9 até entrar no concelho de Cascais.
Vitorino Soares

Ricardo Duarte disse...

Ainda mais grave do que a confusão em torno do assunto, é a imagem que em geral os nossos governantes passam de desconhecimento do mundo que os rodeia, que de imediato se circunscreve à pequena Europa. Governantes e profissionais que fazem da sua missão informar a população.

Tal debate não fugiu à regra. A apresentadora já nos habituou a várias “saídas” geniais e na memória retenho uma entrevista com o antigo primeiro-ministro de Espanha, José Maria Aznar, em que face a determinadas perguntas o senhor mostrava um ar de espanto, no mínimo…

No pouco a que assisti, aquando de uma comparação de custos de portagens com a vizinha Espanha, a apresentadora lança uma certeza convicta de que “em Espanha paga-se em todo o lado e muito mais caro” sendo logo corrigida por um representante de empresas de transportes. Não conhece a senhora que em Espanha existe um organismo (Red de Carreteras del Estado) que tutela as infra-estruturas rodoviárias, estas compostas por 3 tipos de vias, Autopistas, Autovias e Carreteras Nacionales, e que somente se paga nas primeiras que são em número bastante inferior às restantes no território espanhol.

No âmbito desta discussão, o secretário de Estado intervém, engalanado pelas suas “experiencias” de viajante, referindo que quando esteve na Suíça, teve que adquirir um dispositivo semelhante ao chip para poder circular em determinada via. Desconhece o senhor que tal dispositivo semelhante é apenas uma vinheta que se adquire anualmente naquele País e que permite a livre circulação em todas as vias, sem qualquer custo adicional, em cada ano civil.

Também nas palavras do senhor, o tal chip é um instrumento bastante fiável com provas dadas noutros países. “E quais países?”, foi perguntado. “Bem… está em teste nalguns países de leste…” foi respondido.

Ficou a dúvida. Os países não terão nome ou o senhor nem os consegue localizar? Apenas uma certeza. Que anedota nos saiu…

Sintra do avesso disse...

Olá Ricardo,

Eu não entrei em pormenores mas o meu amigo de um ou de outro se encarregou, muito sumariamente, sem maçar com a abundância de situações caricatas do programa.
Chega a parecer impossível que, num país democrático, haja espécimes deste calibre ao nível da governação. Ah, o cartãozinho!
Abraço,

João Cachado

Sintra do avesso disse...

"(...) de um ou doutro modo disso se encarregou (...)"

Peço desculpa. Esta a parte da frase inicial que, sem esta correcção, não é inteligível.

João Cachado

Carlos Cardoso disse...

Passo ao lado das SCUTS e só para perguntar se estes senhores do governo pensarão que além de nos empobrecerem também fazem de nós estúpidos. Um dia, quando a malta se revoltar a sério talvez aprendam o que é e como é este povo que não está só interessado no futebol...

Carlos Cardoso

Luís Rosa disse...

Praticamente em todos os telejornais há uma notícia nova sobre as scuts. Pergunta-se: quando fizeram o decreto onde tinham a cabeça? Até agora o único a ganhar com esta trapalhada é o tal "boy dos chips" como o João cachado lhe chamou.
Luís Rosa