[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Natal em Sintra,
tanta lâmpada, tanta falta de luz…

“(…) Reduzimos em 50% a verba empregue (*) em relação ao ano passado, gastando-se este ano €:60.000,oo (…) temos, apesar de tudo, de criar condições para que a economia continue a funcionar, e isso consegue-se com o desenvolvimento de iniciativas locais que promovam e ajudem as empresas locais e outras de nível nacional, como é o caso desta empresa que instalou a iluminação de Natal em Sintra (…) Portanto, para mim não há nenhuma crise que possa ser ultrapassada parando a economia (…) para além de que as iluminações de Natal são mais um motivo da atractividade de Sintra (…)”





Se tiverem lido, com a atenção que merecem, as palavras da epígrafe, parte de declarações do Dr. Fernando Seara, publicadas na edição de 3 de Dezembro de 2010 do saudoso Jornal de Sintra, e lembrarem o que escrevi acerca do assunto – quando pus em causa aquilo que não tenho a mínima razão para deixar de considerar como flagrante despesismo, numa altura em que qualquer gasto supérfluo é tão lamentável como escandaloso – concordarão que integram um expediente retórico de consistência muito duvidosa.


Se bem se lembram, o que eu sublinhei foi a contradição em que o Presidente da Câmara se enredou. Primeiramente, perante o próprio Presidente da República, e, mais tarde em declarações ao Expresso, o Dr. Fernando Seara não se coibiu de proclamar, urbi et orbi, a miséria e a fome que lavram no concelho, que terão levado a autarquia a mobilizar recursos para acudir ao flagelo, inclusive abrindo cantinas escolares em fins de semana, acolhendo e socorrendo alunos e respectivas famílias.

Indubitavelmente, esta é uma premissa de grande preocupação. De acordo com o testemunho do Presidente da Câmara, trata-se de verdadeira aflição, de um estado indisfarçável de carência que, na minha opinião, é impossível conjugar com qualquer manifestação de ligeireza iluminante que, agora, à trouxe-mouxe, o edil introduz na equação do quadro social deste concelho multifacetado e tão desguarnecido.

Se o nosso Presidente fosse um qualquer sujeito desqualificado, nem sequer me daria a este trabalho de explicita réplica. Mas não. O Dr. Fernando Seara é um homem esclarecido, que sabe problematizar e se reclama de perspectivas de análise integrada e sistémica, relativamente às questões que enfrenta. Por tudo isto, muito sinceramente, não consigo entender como se permitiu fazer as declarações constantes da citação inicial.

E, mais uma vez, se enredou em novas contradições. Então, convencido de que, mesmo neste período de gravíssima crise nacional e municipal, com consequências sociais tão sérias “(…) o desenvolvimento de iniciativas locais que promovam e ajudem as empresas locais e outras de nível nacional (…) criam condições para que a economia continue a funcionar (…)” como se entende que tenha reduzido para metade a verba que, no ano passado, permitia concretizar o objectivo?

Mais explicitamente, se uma estratégia anterior – neste caso a inerente ao investimento em iluminações natalícias que, em sua opinião, eram dinamizadoras e impulsionadoras da economia sintrense – propiciava resultados tão positivos quanto é possível inferir das suas palavras, como se justifica este seu tão dramático recuo de meio por meio? E ainda fica por contabilizar o consumo de energia…

E, como se já não estivéssemos bem aviados com a desgraça sintrense, não é que, além dos cidadãos contribuintes do nosso concelho, desempregados, pais e encarregados de educação das criancinhas a quem, em nosso nome, o Presidente da Câmara afirma ter de matar a fome, agora também ficamos todos preocupadíssimos com os trabalhadores da firma Irmãos Castros de Espinho, depois de nos ter ele dado a entender que, não fora a decisiva contribuição de Sintra, o seu próximo futuro laboral era muito problemático? Não, de facto, com argumentos de tal natureza, não se aguenta tanta fragilidade…

E, ainda, caros leitores, por mais generosa que possamos imaginar ou conceber, não há visão sistémica que aguente a conclusão a que chegou o Dr. Fernando Seara, ou seja, que, em tempo de crise, a eventualidade de poder ter decidido não fazer iluminações natalícias [as deste ano são as mais horrorosas de sempre!...]significaria, nem mais nem menos, do que contribuir para a estagnação económica do concelho. É de almanaque, como soe dizer-se, esta tirada de defesa tão sui generis da viabilidade dos negócios sintrenses…

Mesma questão, outra vertente

Entretanto, há uma outra premissa que, em articulação com a da contradição do discurso da miséria versus despesismo, não me canso de chamar a atenção. Trata-se do tão lamentável como criticável desaproveitamento de capacidades instaladas em dispositivos culturais do concelho, que rendem nada ou muito pouco, haja em consideração os brutais investimentos que, em tempo oportuno, os munícipes decidiram concretizar.

Aliás, é neste mesmo contexto que, mais uma vez, me permito alertar para o desperdício de algumas praticamente adormecidas valências do Centro Cultural Olga Cadaval. E, muito aquem de qualquer exaustivo diagnóstico, como esquecer o caso da Quinta de Ribafria onde, se alguma coisa acontece, é mistério que o município muito bem guarda?…

Em face deste quadro de manifesta falta de operacionalidade do executivo municipal, num concelho com tanta falta de iniciativas de índole cultural de adequado nível, apenas me resta esperar que, na Assembleia Municipal – para além do PS que se opôs, e da CDU que, embora discordando do negócio, se absteve, acabando por viabilizar a operação de aquisição da Quinta do Relógio – saibam agora os partidos da oposição exigir o aproveitamento exemplar de todos os nossos dispositivos culturais, e que tudo façam no sentido de não comprometer as finanças municipais com uma aquisição de contornos tão obscuros.

Se assim actuarem, os senhores deputados municipais estarão contribuindo para que Sintra possa suscitar, aos potenciais investidores e empreendedores em geral, a sedução (prefiro este termo à tal atractividade) que continua a exercer noutros domínios, apesar de tão mal tratada por quem é suposto tudo fazer em seu benefício.

(*) Apenas aproveitando para esclarecer que a forma empregue é incorrecta. Trata-se de um falso particípio, talvez criado por analogia com o verbo entregar que, esse sim, tem dois particípios, um regular, entregado e um irregular, entregue. O verbo empregar só tem um particípio, empregado, que se usa quer com o auxiliar ter quer com o auxiliar ser.





8 comentários:

Anónimo disse...

Na realidade, tem razão, este ano as iluminações ainda são mais horrorosas do que em anos passados. Faz pena, com menos dinheiro não era preciso ir a Espinho porque em Sintra há quem faça este tipo de coisas e a beleza depende só da encomenda.
CC

Anónimo disse...

Desta vez foi Seara, o "grande economista" a falar ao Jornal de Sintra. Nem ele sabe nada de economia nem o Jornal de Sintra tem capacidade para tentar esclarecer os disparates
que o Cachado põe a claro
tão bem. De disparate em disparate Sintra não tem outro remédio senão resignar-se.

Jorge Carmo disse...

Colega J. cachado,
E o Seara ainda leva uma lição de gramática... Aqui o serviço é completo. Aqui a lucidez é
patente. O seu texto é muito bom, parabéns.
Jorge Carmo

Ruben Alves disse...

Este senhor presidente de cada vez que faz declarações aos jornais ofende a inteligência dos sintrenses. Abre a boca, entra mosca e sai asneira. O pior é ser sempre.
Ruben Alves

Anónimo disse...

O Seara pensará que as pessoas se deixam enganar com aquelas balelas do sistémico e da atractividade? Faz lembrar aquele coronel da telenovela que inventava umas palavras caras para impressionar o povo. Ele cultiva a imagem do cacique e tem-se dado bem, ou não estva já no 3º mandato.
Hoje uma promessa, amanhã umas mentirecas, depois pisca o olho às televisões e pronto.

Anónimo disse...

Hoje é feriado de Nª Sª da conceição. Só por isso não dou aqui nenhuma bicada ao Dr. Seara.
Aliás ele é o primeiro culpado da situação em que está Sintr mas não é o único. Veja-se o caso do vereador Duque.

José Vilar disse...

Há muita lâmpada, mas nenhum espírito de Natal a começar pelo presidente que o liquidou ao
manter estas iluminações
numa altura em que fazer isso
é um escândalo. A vida tem de continuar mas tudo tem que mudar. Não se pode gastar nada mal gasto e as iluminações de Natal são dinheiro mal gasto. É pena ter
um presidente de Câmara que
pensa desta maneira e a gastar o
nosso dinheiro em bonecos.
José Vilar

Teresa Regado disse...

Para ver a atractividade de Sintra nesta altura de crise era preciso comparar os resultados da actividade comercial nesta quadra com os cinco anos anteriores. Era o mínimo para o Seara poder falar sem tretas nem balelas.
teresa Regado