[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Sintra,
15 anos de expectativa

Por ocasião do décimo quito aniversário da atribuição da classificação de Paisagem Cultural da Humanidade pela UNESCO a Sintra, penso que, pouquíssimas razões sobrarão para a entusiástica celebração da efeméride.

De qualquer modo, tratando-se de uma altura propícia à lembrança de alguns factos, gostaria de destacar o trabalho e a actuação de duas pessoas, o Prof. Doutor Victor Serrão e o arqueólogo Doutor José Cardim Ribeiro, a quem se deve todo o trabalho de concepção e apresentação da candidatura de Sintra àquela instância das Nações Unidas.

É da mais elementar justiça que faça este realce na medida em que toda a documentação constante do processo é da mais alta qualidade, bem atestando o alto gabarito técnico destes dois meus queridos amigos. Um, professor catedrático de História da Arte na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o outro director do Museu Arqueológico de São Miguel de Odrinhas e uma das mais acreditadas vozes da Arqueologia portuguesa, têm dado a Sintra o melhor do seu saber em diferentes oportunidades. Até que ponto é que Sintra tem sabido retribuir, isso é questão para outra ocasião…

De significado indesmentível, durante a década e meia que passou, foram as ameaças da UNESCO no sentido de retirar a classificação, por manifesta quebra de contrato, deixem-me assim designar a falta de trabalho de casa das entidades que, em Sintra, mais ou menos directamente, lidam com este sofisticado processo que se reporta à manutenção de um património herdado, que é preciso estar à altura de honrar, para o usufruto no presente e testamento às gerações futuras.


Em Janeiro deste ano, durante a última visita de peritos, ficaram bem patentes as dificuldades da Câmara Municipal de Sintra quanto ao cumprimento das suas obrigações no contexto da classificação da área em questão. Aliás, a qualquer observador minimamente atento, basta percorrer a zona para constatar aquilo que os peritos observaram e fizeram constar do seu relatório.


Exemplos de iniquidade passam pelo crime de destruição do tanque de Seteais, com o beneplácito do IGESPAR e, do outro lado da estrada, igualmente lamentável, a construção de uma residência na Quinta do vale dos Anjos, cuja autorização continua por explicar.


Por outro lado, já noutro contexto, não se compreende como, tendo havido disponibilidade financeira procedente de verbas da zona de jogo do Estoril, não procedeu a autarquia à requalificação do centro histórico. E ainda muito menos se entende que, perante tanta omissão, o discurso da Câmara, que só engana quem quiser ser enganado, dê a entender que, no´âmbito da preservação do património, tudo se processa no melhor dos enquadramentos.

Verdadeiramente positivo, o meu único destaque para Sintra Paisagem Cultural da Humanidade vai direitinho e inteiro para a Parques de Sintra Monte da Lua, uma distinção absolutamente inequívoca a partir do momento em que o biólogo Paulo Serra Lopes deixou a administração da entidade que serviu com tanta polémica.

Há uns anos a esta parte, sob a presidência do Prof. António Ressano Garcia Lamas, a PSML dá-nos a garantia das melhores práticas na salvaguarda do património natural e edificado, autênticas jóias da coroa, sob sua custódia. A equipa ali em actividade é um sério caso de eficiência e de ânimo na defesa dos valores em jogo. Acreditem que, muitas vezes, é ao exemplo desta gente que vou buscar alento para a minha atitude de cívica denúncia dos desmandos que, não raro, tanto nos desassossegam.


Esta é uma terra cujas características e bens patrimoniais merecem uma atitude radicalmente diferente da que tem persistido, nomeadamente, ao nível da autarquia. Preciso é que o discurso oficial seja consequente e coerente com o que acontece no terreno. Caso contrário, em Paris, na UNESCO, ou noutros lugares onde vão acontecendo conferências sobre defesa do património, Sintra continuará sendo conhecida como lugar onde muito bem prega Frei Tomás…



6 comentários:

Paulo Torres disse...

Caro Dr. Cachado,
Apenas uma observação.
Parece justo mencionar o nome de António Abreu como gestor da PSML que sucedeu a Serra Lopes. Concordo que o trabalho actual é de boa qualidade e que o património mais rico está bem entregue mas antes de António Lamas já as coisas tinham começado
a entrar nos eixos.
Paulo Torres

Ricardo Duarte disse...

Caro Prof. João Cachado,

Em primeiro lugar uma achega ao seu texto, também o Dr. Cardim Ribeiro é professor na FLUL. Depois, é de facto de louvar a acção que essas duas pessoas têm levado a cabo em prol de Sintra. Infelizmente, a expectativa não tem só 15 anos. O desleixo e o descuido vêm de anteriores mandatos ao ponto de as nossas preocupações se reportarem ao tempo de pessoas como Raul Lino ou J. A. Costa Azevedo.

Contudo a situação dos nossos dias é gritante como refere. Parece mentira mas Sintra é hoje tida como paradigma do que não deve ser feito. Para além de todos os casos que o Professor e outros não se cansam de referenciar, verifica-se um descontrolo total nas poucas intervenções de recuperação de edifícios que vão sendo operadas, uma incoerência estética absoluta que afronta o carisma dos lugares.

Medidas simples poderiam ser realizadas como passos iniciais de um projecto de salvaguarda abrangente, mas pelos vistos temas como a Gestão Integrada do Património e Pressão Turística, que em diversos lugares da Europa preocupam os responsáveis, por cá parecem não merecer sequer a pronunciação.

Temo que por daqui a 15 anos possamos a estar outra vez a abordar estas questões…

Também a propósito deste texto gostaria de o convidar a visitar o blogue que criei há dois meses onde o terceiro texto publicado com o título “Sintra – Turismo e Património” se torna a meu ver um complemento deste seu.

http://linhasdesintra.blogspot.com/

Um abraço,

Ricardo Duarte.

Piedade Serra disse...

à Câmara de Sintra nunca esteve em mãos tão más no relativo ao património. Mas concordo sobre o destaque da Monte da Lua. Em especial Monserrate e Pena são grandes exemplos de sucesso.
Piedade Serra

Carlos Sousa disse...

O "nosso Frei Tomás" está-se nas tintas. O nosso Frei Tomás prega o que não faz e até é capaz de mentir tão descarado que diz que fez aquilo que na realidade não fez. Podemos ter a sorte de ele ir pregar para outra freguesia talvez em Fevereiro de 2011... Talvez o futebol nos safe e leve este Frei Tomás a enganar outros «saloios» que nós já temos a nossa conta.
Carlos Sousa

Pedro da Fonseca disse...

Caro Dr. Cachado,
Um grande problema de Sintra é não ter uma elite forte e esclarecida como há em Cascais. Como sabe, a elite é sempre a vanguarda que sabe preparar o futuro e preservar os valores do passado em que o presente se baseia. Isto é histórico e o materialismo dialético reconhece-o.
Eu sei que o Dr. Cachado partilha esta ideia e já tem escrito
textos em que a elite surge como
factor de progresso. Ora Sintra não tem. Vê-se a miséria da actividade cultural em especial na defesa do património. Victor Serrão e José Cardim fazem parte da elite mas a nível nacional e desconfio que se fartaram desta infeliz situação sintrense.
Pedro da Fonseca

Anónimo disse...

O Seara sabe muito bem que governa para uma gente pouco esclarecida num município que é um subúrbio
de Lisboa. Qual Paisagem Cultural, qual carocha, é p'ró lado que ele dorme melhor.