[sempre de acordo com a antiga ortografia]

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Cavaco,
ave de asa ferida?

A candidatura de Cavaco Silva seria assunto que, em princípio, jamais me mobilizaria para qualquer trabalho de reflexão. É, de facto, pessoa muito pouco interessante ainda que, logo como Ministro das Finanças de Sá Carneiro, mais tarde Primeiro Ministro e Presidente da República, se trate da figura institucional da vida política nacional mais responsável pelos caminhos ínvios que a democracia portuguesa passou a trilhar desde meados dos anos oitenta.


Parece algo paradoxal, como uma figura apagada, tão falha de carisma, desinteressante e inculta – ainda se lembram que revelou desconhecer quantos cantos tem Os Lusíadas e confundir Thomas More com Thomas Mann? – terá adquirido tal notoriedade. Muito provavelmente, a ignorância, a iliteracia, o geral atraso popular e do país acabarão por justificar esta saliência que jamais alcançaria noutra latitude mais desenvolvida.


De facto, foi a anunciada atitude do actual candidato, de se recusar responder a perguntas pertinentes relativas ao seu comportamento no passado recente, nomeadamente em relação à aquisição e venda das acções da SLN, que me deixou perplexo e até escandalizado, determinando-me à escrita destas linhas.


Na realidade, o que este senhor mais tem a fazer é explicar tudo muito bem explicadinho. Porque, meus amigos, o que este senhor pretende é continuar a representar-nos ao mais alto nível, a nós que lhe conferimos o poder bastante para o efeito, um poder que não é pouco na medida em que pode dissolver o Parlamento, ser o supremo magistrado da Nação e comandante supremo das Forças Armadas.

Se o que este senhor pretende é a continuação de um protagonismo político para o qual julga estar à altura, então, com toda a humildade democrática, o que tem a fazer é explicar aquilo que suscita dúvida aos eleitores. À partida para uma campanha eleitoral, num Estado Democrático de Direito, um candidato tem de ser tão impoluto como qualquer cidadão anónimo que nele poderá votar.


Voltemos ao negócio que carece de esclarecimento. Remonta ele a um período antes da eleição para o primeiro mandato como Presidente e, portanto, já nessa altura, se teria imposto que o Doutor Cavaco Silva tivesse esclarecido o que continua por elucidar. Reparem que, em relação a qualquer dos outros candidatos, nada de semelhante ocorre exigir. Todos se apresentam ao eleitorado com um passado impoluto, aliás como deve acontecer a quem tão alto aspira.


E, por outro lado, meus amigos, não basta ao Doutor Cavaco Silva dizer-se honesto. Agora, é preciso prová-lo inequivocamente. Portanto, provar que, ao comprar as acções, não beneficiou de um preço de favor e que, ao vende-las, não foi privilegiado por informação reservada. Tal como a Pompeia, mulher de César, não bastava ser honesta, já que também devia parecer, assim acontece com o candidato. E, já que invoco o que se passou em Roma cerca do ano 60 a.C., não esclarecerei se desejo ao candidato o ostracismo a que foi condenada a mulher do imperador…

Portanto, para já, e até evidência em contrário, só o Doutor Cavaco Silva tem um rabo de palha deste calibre. No entanto, nada me impede de admitir a reeleição do actual Presidente da República. Mas não deixa de ser curioso que, depois de toda esta controvérsia, isso já é algo que não tenho como tão certo como há umas semanas. Se os eleitores o obrigarem a uma segunda volta, tudo pode ficar em aberto, e até pode acontecer a vitória de Manuel Alegre.


De qualquer modo, seja ele reeleito, ficará sempre refém das palavras por dizer. Sobra-nos o direito a ouvir e que ele pretende calar. Manuel Alegre compara a eventualidade da reeleição com a ave de asa ferida que, portanto, jamais poderia voltar a voar normalmente. Eu acho que, neste caso, a comparação não foi feliz. É que o Doutor Cavaco Silva – e agora uso metáfora, não a comparação – nunca foi ave voadora. Quanto muito, de asas rudimentaríssimas, é uma pernalta, deselegante mas hábil no salto das barreiras que se lhe atravessarem à frente, mesmo que, para tanto, tenha de se ferir ligeiramente…




12 comentários:

Teresa Torres disse...

Espero que não me engane mas também me parece que o Cavaco está tramado. Pelo menos nin´gém o livra da 2ª volta. Depois, como diz o Cachado, faz-se uma novena a S. judas Tadeu... Como é o advogado dos impossíveis talvez nos oiça.
Teresa Torres

Soares Teles disse...

Amigo Cachado,
Não é ave de asa ferida como queria Manuel Alegre. Também não é ave pernalta como quere o João Cachado. Para mim, é uma perigosa ave de rapina que paira no ar à espera de caír sobre as suas presas (que somos nós) em voo picado...

Soares Teles

Carlos Veiga disse...

Ainda bem que o vejo contra a recandidatura. É bom ve-lo deste lado da barricada.
Cavaco pensava que esta campanha era um passeio pela avenida mas enganou-se redondamente. Não é uma caminhada fácil e acho mesmo que se vai espalhar lá pró fim. Até aquele candidato da Madeira nos está a fazer um favor muito grande a todos os portugueses. Não é ainda desta vez que a direita vai ter um governo e um presidente da mesma cor.
Carlos Veiga

Anónimo disse...

Acabei de ver a entrevista que CS deu ao primeiro canal. Não há dúvida, está em baixo de forma. Repete tudo o que se sabe e recusa-se a esclarecer o que não sabemos. Chegou a dizer que lhe aplicaram o lucro das acções em papéis com nomes estrangeiros muito esquisitos... Parece mentira. Está a descobrir-se um tipo muito mais patusco do que se pensava.

Graça Sampaio disse...

É uma ave, mas voa muito baixinho... ...

A.Ramalho disse...

Aquele imagem de solidão do Sr, Silva na periquita com o Sr,Seara a alimentarem-se de queijadas como mostrava o Diário Notícias fala por tudo,estão bem um para o outro e cada um a puxar para si.
A.Ramalho

Anónimo disse...

Possivelmente será a primeira vez em que um presidente não é reeleito...

Pedro Távares disse...

Cavaco Silva diz agora que vai ajudar o país a saír da crise. Agora? É de perguntar se durante o mandato que está a acabar isso nunca lhe passou pela cabeça.
Pedro Távares

Anónimo disse...

Só Cavaco Silva está a fazer uma campanha menos decente. Não vale tudo. Afinal consegue ser menos institucional que qualquer dos outros candidatos. Finalmente os que ainda não tinham percebido estão a conhecer o verdadeiro Cavaco, que sempre foi muito rasteiro.

Rosário Souto disse...

So de pensar que quase de certeza que o vamos ter por mais um mandato até dá vontade de fugir. Já pensaram na falta de categoria deste homem em relação a Mário Sores, ou Jorge Sampaio ou Ramalho Eanes? E a sua mulher? Mas que gentinha...
Rosário Souto

Carlos Santos disse...

Já viram o artigo da Visão sobre a casa e os vizinhos do Cavaco na Praia da Coelha? Que grande songa na monga que o tipo saíu... Quando os jornalistas fazem trabalhos destes estão a cumprir a missão que se espera deles. Carlos Santos

José Loureiro disse...

Antes de tudo o mais: Parabéns! Parabéns pela coragem, pela cultura e inteligência, pela frontalidade e, acima de tudo, pela humanidade ao serviço de todos nós, os Portugueses, Sintrenses e não Sintrenses, (mesmo tratando-se de um Universo de certa forma limitado - um Blog). ...Infelizmente, alguns têm Jornais para "palparear" por conta de outrém!. Outros, pior ainda, têm o Poleiro do Poder, o domínio da palavra. A submissão da Democracia.
Desde logo, e sempre, percepcionei o seguinte: -"Estes homens são válidos". Não são puros, nem eu nunca os irei idolatrar, porque são o comum dos mortais como todos nós. Mas merecem o meu maior e especial respeito. Defendem-me. Defendem o meu Povo, os meus iguais. São Homens de boas intenções. Devemo-nos juntar a eles!
Ás vezes é preciso "dar com o Caj(ch)ado" em alguém. Mesmo que esse alguém seja um Jornal, supostamente respeitado, um Jornal de mero interesse local. E é pena que uma tal Pessoa, que poderá ser um António, não tenha levado a melhor quando ele estava na maior das razões e da justiça quando quiz ser livre de opinião e isso não lhe foi permitido só porque uma certa senhora "deu a volta ao texto". Censura? Talvez. Pelo menos é análoga.
Quanto ao nosso querido Presidente, "a coisa" não é muito diferente. Rima? Algo de verdade aqui poderá existir.
Lutemos, mesmo que apenas verbalmente, por vindouros Homens de Carácter. Homens Reais, que saibam estar à frente de outros Homens. A imagem e o som das palavras, ecoará! Abraço.