[sempre de acordo com a antiga ortografia]

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Água mole, em pedra dura…

Como oportunamente informei, acabo de regressar de uma estada de quinze dias em Salzburg, onde participei na Mozartwoche, o festival de música que ali se realiza há mais de cinquenta anos, entre a última quinzena de Janeiro e os primeiros dias de Fevereiro, sempre aproveitando para comemorar a data de 27.01.1756, aniversário natalício de Mozart. Mais do que em qualquer outro momento, é nesta altura do ano em que tudo gira à volta o queridíssimo Amadé, como cada vez maior número de estudiosos e melómanos se lhe referem, respeitando o gosto do próprio compositor neste tratamento que, aliás, também foi seu modo de assinar.


Pois bem, para a inteligibilidade deste texto – que, além do preâmbulo supra, nada mais tem a ver com o festival – convém partilhar convosco a satisfação de pertencer ao cada vez mais reduzido grupo de mortais que pode dar-se ao luxo de viajar sem se fazer acompanhar da parafernália informática que alguns indefectíveis insistem em considerar indispensável à vida. A verdade é que, durante quinze e mais dias, consigo ir para qualquer lado sem o computador atrelado


Sempre à minha custa, e após a ocorrência de alguns bem humorados episódios, que só maculam o meu cv, acabei por aprender que, com demasiada frequência, aquilo que apenas é interessante ferramenta para alguns trabalhos, inquinava, infectava e afectava algum do meu tempo, que só deixava de ser de paz e sossego, exactamente porque, invariavelmente, o computador suscita momentos de irritação, de impaciência, nada compatíveis com os objectivos que determinam as minhas ausências, nomeadamente, em locais onde procuro o benefício e o privilégio da Música, da Beleza e da Arte.


Portanto, sem computador estava eu, sem acesso a correio electrónico, sem poder publicar textos no sintradoavesso nem aqui intervir com quaisquer comentários. Enfim, na opinião de alguns familiares e amigos, personificava eu, naquela civilizadíssima Salzburg, o perfeito quadro do infeliz, desgraçado e desligado do mundo que, na minha diametralmente oposta opinião, mais coincide com a moldura do bem-aventurado eremita…


…Mas com telemóvel!


Tenham paciência. Estou quase a chegar ao assunto que hoje me traz ao vosso convívio. Entretanto, preciso é que me imaginem, a milhares de quilómetros de distância, no coração da Europa, reduzido à indigência comunicacional de um pré-histórico telemóvel Nokia, daqueles que custaram vinte e cinco tostões e que nem tiram fotografias… E, já agora, para disporem do quadro completo da minha capacidade (?!), ficarão também a saber que, só há pouco mais de um ano, a família mais chegada e um bom amigo me obrigaram a aprender a receber e enviar sms…


Pois, então, aí vem a história. Habituado que estou, apenas uma vez por dia, a telefonar para casa a perguntar as novidades, e, de viva voz, a saber como estão todos, num belo dia da semana passada, fui surpreendido, a meio da tarde, por um toque daqueles que assinalam a chegada de mensagem ao telemóvel. Como não é normal, fiquei preocupado. Parei imediatamente o trabalho de consulta que estava a fazer na Bibliotheca Mozartiana para aceder à mensagem.


Ora bem. Abençoados telemóveis! Em cima da hora, perfeitamente coincidente com o que estava a passar-se em Sintra, aparece-me um pequeno texto nos seguintes termos: “Pai, a Polícia Municipal já está a bloquear carros na nossa rua”. Era uma das minhas filhas que, tão preocupada como eu com os desmandos que sucedem em consequência do estacionamento caótico na zona da Estefânea onde moramos, que me queria dar a boa notícia da intervenção da Polícia Municipal. Finalmente, a força da ordem passava a actuar em força.


Ainda mal refeito da boa nova, eis que outra mensagem chegava, um quarto de hora mais tarde: “João, água mole em pedra dura… A Polícia Municipal bloqueia carros na Câmara Pestana. Como vês vale a pena insistir.” A minha mulher, desconhecendo que a filha já me havia informado, reforçava e congratulava-se. De facto, há anos que chamo a atenção, que escrevo e falo acerca do assunto sem qualquer resultado. Portanto, era caso para especial saudação e festejo.


O meu primeiro impulso foi o de mandar uma mensagem a felicitar a Comandante da Polícia Municipal. No entanto, contive-me. Melhor seria esperar uns dias para, uma vez regressado, confirmar se não teria sido só um passageiro fogo de vista.


Pois não senhor. A boa nova confirma-se mesmo e, por enquanto, a polícia continua a actuar como é seu dever, em benefício da comunidade. Ainda ontem, cá estava um automóvel de roda bloqueada na minha rua, mesmo de fronte do Olga Cadaval. E, apenas em dois dias, desde que voltei de Salzburg, já tive oportunidade de alertar condutores, que estavam prestes a prevaricar, para a eventualidade do bloqueio idêntico ao do carro imobilizado uns metros atrás. Perante os factos, ficam sem argumentos…

Ao regressar de uma cidade onde raríssimos são os comportamentos de desrespeito pelas normas vigentes relativas ao estacionamento, não posso deixar de manifestar esta satisfação. Vejo cumprir e fazer cumprir a Lei. Num Estado Democrático de Direito, isto não deveria constituir motivo para tanto regozijo. Infelizmente, em Sintra, por ser excepção, acaba por merecer este realce.

Como, por aqui, já tenho visto de tudo e, como em Sintra tudo é possível, por mais bizarro que se conceba, veremos se, ao mais alto nível da autarquia, não aparece alguém que desmotive a Senhora Comandante e os agentes da Polícia Municipal quanto aos resultados do bom serviço estão a dar aos cidadãos em geral e aos munícipes em particular...


PS:

Porque não se trata da primeira vez que abordo a questão das atitudes da Polícia Municipal ao serviço da comunidade, façam o favor de aceder aos textos precedentes, pelo menos, os mais recentes, publicados em 2 de Novembro e 18 de Outubro de 2010.

2 comentários:

Carlos Veiga disse...

Caro Dr. João Cachado,

muito prazer em ter de volta o autor do blogue. Os seus posts são escritos num Português que dá gosto ler. Leio muitos blogues mas só intervenho no seu porque é muito cuidado, aprende-se sempre.
A PM de Sintra não faz mais do que o seu dever ao actuar no bloqueio dos automóveis mal estacionados. O seu texto é um incentivo mas cuidado com os elogios. Vamos ver se ainda não se arrepende.
Fico à espera que conte uns pormenores acerca do festival de Salzburg donde acaba de regressar. Abraço, Carlos Veiga

Maria Antónia Gomes disse...

Olá Professor, tenho saudades de o ver e ouvir. Leio os seus artigos no blogue e parece que estou a ve-lo com os seus gestos, o professor escreve como fala e a gente reconhece logo.
A Polícia Municipal desculpe mas não merece os seus elogios. Eles não fazem quase nada e todos os vemos em bons automóveis, bem vestidos e muitas vezes a passar pelas coisas que toda a gente vê que está mal e nem sequer param. O estacionamento é o pior mas há outras coisas que são da competência da polícia da Câmara, como regular o trânsito nas horas de ponta que raramente fazem. Por isso acho que não merecem tantos elogios. Desculpe o reparo. Muitas saudades, Maria Antónia Gomes